A demolição vem antes – Artigo

Roberto Pereira D’Araujo

Hoje, o Brasil desponta como um dos recordistas de corrupção. Estamos perante algo inédito na história mundial pois, não só o nível extrapolou qualquer outro exemplo, mas o crime se espraiou sobre todos os setores. É difícil encontrar exemplos onde áreas tão díspares como energia, saúde e esporte sejam inoculadas com o vírus funesto como acontece hoje no país.

Em parte, essa vergonha tem seu gene no comportamento cotidiano do brasileiro. As pequenas ilicitudes estão no DNA de uma cultura individualista que valoriza pouco as instituições. De certo modo, o brasileiro aceita perder direitos de cidadania porque sabe que esses mesmos direitos exigiriam obrigações e comportamentos que ele prefere não ter.

Entretanto, seria ingênuo achar que se transforma numa espécie de salvo conduto para questões muito graves. O caso do “caixa 2” e as interpretações que tentam relativizar esses eventos vão muito além do caráter de esperteza do cidadão brasileiro.

Como não perceber que estamos num país de imensas carências sociais onde a falha no atendimento às questões básicas podem tirar a vida de um ser humano? Como não perceber que o estado está endividado e cortando recursos financeiros justamente nesses suportes essenciais? Como não perceber que o caixa dois agrava o problema ao não recolher impostos? Como não conectar essa prática às mortes em filas de hospitais e assassinatos por falta de segurança, só para citar dois exemplos?

Aqui, a essência ultrapassa a esperteza! Trata-se do desprezo pela vida humana e pela irresponsabilidade das consequências de escolhas que estão conectadas à vida do país. Num país como o Brasil, caixa dois é crime grave, e, infelizmente, parece que a justiça ainda pende para uma interpretação que não vê esse quadro vil.

Por que esse terremoto se a corrupção sempre existiu, como foi explanado por diversos depoentes? Na visão do ILUMINA, assim como na interpretação de muitos jornalistas, ela nunca atingiu os níveis atuais. Mas, o que teria acontecido para que essa extrapolação ocorresse? Apenas “jacarés” que se tornaram “crocodilos”?

Se essa for a resposta, estamos longe do foco. Para que caixa dois ou preços extrapolados atinjam valores da ordem de muitas centenas de milhões é preciso que haja um diferencial de valores entre as atividades contratadas e uma estimativa realista de custos. Um político pode desconfiar que recursos fáceis de financiamento de campanha eleitoral venha de recursos ilícitos, mas, por mais suspeitos, não se percebeu essa conjetura de ninguém.

Na realidade, essa desinformação generalizada sobre custos reais foi resultante das empresas estatais perderem expertise.

A filosofia da maioria das empreitadas é a do “projeto básico”, que simplesmente quer dizer “sem detalhamento”. Tudo se passa como se alguém contratasse um empreiteiro para construir uma casa onde estão definidas apenas as paredes. Todo o resto, acabamentos, energia, água e até jardim, seriam definidos pelo construtor.

E como se consegue essa pré-condição para abrir espaço para a corrupção? Pelo desmonte do corpo técnico do estado e das empresas estatais. Esse é um dos “projetos” de longo prazo que, analisado friamente, pode ser classificado como uma parceria PSDB & PT.

O PSDB, no governo Fernando Henrique sinalizou que iria privatizar tudo e deixou que as equipes fossem desmobilizadas. O PT não privatizou no sentido estrito do termo, mas usou as empresas para nomeações políticas em conjunto com uma privatização interna obrigando a participar em parcerias sem retorno financeiro. Aposentadorias foram antecipadas e, como era esperado, profissionais treinados nas estatais migraram para o setor privado. Lógico que a questão ética permanece, mas a constituição de um organismo frágil foi completada.

O que é espantoso é que o Brasil não conecta essas duas trajetórias. Parece que não são eventos de uma mesma história onde a destruição de uma estrutura tem de ocorrer antes da instalação de outra. Como triste ícone disso tudo, o palácio do Monroe, sede do antigo senado federal, demolido sem necessidade para a construção de uma garagem na Cinelândia, Rio de Janeiro.

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