A Eletrobrás e o xadrez do setor elétrico – Estadão

Adriano Pires*, O Estado de S.Paulo

Análise do Ilumina: É sempre interessante confrontar ideias com quem pensa diferente. Como, infelizmente e, na maioria das vezes, a mídia não nos dá essa oportunidade, vamos jogar essa partida de xadrez com Dr. Adriano abaixo em itálico. Se algum dos leitores puderem, agradecemos que seja enviado ao exmo engenheiro.


A Eletrobrás é uma holding que tem o maior volume de negócios em eletricidade do País e potencial de se tornar uma das maiores e mais rentáveis empresas do mundo. O triste fato é que hoje a empresa caminha para o lado oposto, em direção à bancarrota.


Uma curiosidade: Quando é que começou esse “caminho” da Eletrobras?


Entre 2012 e 2015, a Eletrobrás registrou prejuízos superiores a R$ 30 bilhões e viu seu patrimônio líquido cair 46%. Isso reduziu a qualidade dos serviços, com impactos nos contribuintes e consumidores, como a elevação de tarifas e os atrasos em obras de geração e transmissão. A empresa não terá como obter recursos suficientes para se manter viável e competitiva mesmo com a eficiente gestão atual.


Já que o Dr. Adriano é um expert em energia elétrica, nós perguntaríamos:

  1. Como a empresa acumulou esse prejuízo?
  2. Foi incompetência ou intervenção do estado nos seus preços e investimentos?
  3. Por que foi necessária essa intervenção?
  4. Como explica que a tarifa tenha dobrado de valor desde 1995, quando foi implantado o mercado que o Sr. tanto admira?
  5. Por que a tarifa subiu?
  6. Quantos encargos (custos antes inexistentes) surgiram desde esse momento?
  7. Por que o pujante setor privado, que vai resolver todos os problemas, precisou de parcerias com a Eletrobras para investir?
  8. O setor elétrico já é de maioria privada e os empresários nada têm a ver com a alta tarifária?
  9. O Sr. tem ideia dos valores impostos às usinas e linhas da Eletrobras? Menos de US$ 10/MWh.
  10. Na sua expertise, o sr. conhece outros exemplos nesse planeta onde usinas vendam essa energia por esse preço no longo prazo?
  11. Não é uma posição muito confortável ver um governo escolher apenas os ativos da Eletrobras para tentar baixar tarifas e deixar livre todo o resto?

Essa trágica situação pode ser revertida de duas formas. A primeira, com novos e significativos aportes do acionista majoritário, a União. Essa é uma opção difícil para um país com um déficit de R$ 159 bilhões. A segunda, buscando a geração de valor nas atividades da empresa para que ela se recupere e volte a crescer. Isso é possível e é a forma perseguida pelo atual governo.


Foi bom ter lembrado do déficit fiscal. Vende-se umas 20 Eletrobras e está resolvida a questão.


A proposta do governo para a Eletrobrás é a outorga de novos contratos de concessão para que suas usinas hidrelétricas passem a operar em regime de produção independente de energia. Isso permite que elas voltem a gerar valor para a empresa, saindo do modelo deficitário de “cotas” atual. Para ter esse direito, a empresa precisa pagar à União. Os recursos para essa operação serão captados por meio de oferta pública de ações na Bolsa de Valores. Dessa forma, a companhia atrairá novos investidores e os atuais acionistas, caso não queiram as novas ações, terão suas participações acionárias diluídas. Este é o caso da União, que não vai participar da oferta das novas ações, mas preservará o poder de veto em determinadas decisões na empresa, por meio de uma golden share. Assim, o governo federal deixará de ser o acionista majoritário e a Eletrobrás se transformará numa corporação.


Tudo isso é imaginação. Não há sequer uma experiência no mundo que se assemelhe ao proposto. Todos os países que têm a hidroeletricidade na base de sua matriz, mantêm o controle do estado. Isso não quer dizer socialismo e nem ausência de mecanismos de mercado. Requer conhecimento da singularidade do nosso sistema.


O governo fará esta proposta de “privatização” aos acionistas da empresa. O êxito dessa operação trará aos consumidores parte do pagamento pela outorga, reduzindo os encargos setoriais que oneram as tarifas. Na Região Nordeste, haverá o benefício do desenvolvimento de projetos de revitalização do Rio São Francisco, ampliando o fornecimento de água para usos múltiplos. A empresa passará a trilhar um caminho de melhor governança, eficiência, sustentabilidade econômica e estratégica e, por fim, crescimento, com mais geração de empregos de qualidade. Por exemplo, a Vale emprega cerca de 110 mil profissionais no Brasil, nove vezes mais do que quando a empresa era estatal. As empresas do setor de telecomunicação, dez anos depois de privatizadas, geravam 352 mil postos de trabalho, um aumento de 189% em relação ao período estatal.


A Vale aniquilou com um Rio, Sr. Adriano! Os empregos que ela criou não foram um favor e nem pagam o prejuízo causado! As empresas de telecomunicações lidam com uma tecnologia totalmente diferente da do período estatal. Não vá dizer que foram elas que inventaram o celular!


A privatização é benéfica para a segurança energética, ao aumentar a eficiência operacional da empresa. Há o retorno de seu protagonismo nos leilões em projetos rentáveis e entregues nos prazos, criando empregos e renda em outras cadeias produtivas locais e melhorando a arrecadação de impostos. A União poderá destinar o recurso orçamentário ora da Eletrobrás para as áreas de saúde, educação e segurança pública. A única coisa que vai diminuir, ou mesmo acabar, serão os atuais privilégios obtidos por políticos e sindicalistas à custa de enormes prejuízos aos cofres públicos.


Aumentar a eficiência operacional? Por acaso as usinas trocarão seus geradores? Já que os custos impostos às usinas na MP 579 não lhe causaram indignação profissional e como os senhores irão investir na operação e manutenção (custos), como garantir aumento da eficiência R$/MWh?? Só com o fim de empregos?


Por fim, esta positiva ação é mais uma no complexo jogo de xadrez do setor elétrico, cujos movimentos das peças envolvem o equacionamento do risco hidrológico (GSF), a privatização das distribuidoras da mesma Eletrobrás e a consolidação do novo modelo do setor elétrico. São todos temas interligados. A reforma do setor passa pela privatização da Eletrobrás, e vice-versa, e ambas dependem da solução para o GSF. É necessário um movimento de convergência e união dos interesses dos agentes de governo e de mercado em todos esses processos, para que o setor se recupere, sob o risco de um desastre tarifário, físico e financeiro.


O anglicismo GSF que o Sr. cita nada mais é do que o fruto do modelo que o CBIE apoiou. Desastre tarifário, físico e financeiro nós já temos. Apesar da tentativa de responsabilizar a Eletrobras, ele foi conseguido ao longo de 20 anos de fundamentalismo de mercado e muita incompetência.

Por fim, achamos que seu jogo de xadrez é muito esperto e traiçoeiro. Pode enganar a sociedade desinformada, mas está longe de convencer o ILUMINA.


 

*DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)

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