Eficiência sem privatização – Artigo no Globo

Joaquim Francisco de Carvalho

Tendo-se livrado das onerosas distribuidoras de energia elétrica do Norte e do Nordeste, a Eletrobrás passou a ser uma empresa muito rentável. Depois de um prejuízo de R$ 1,72 bilhão em 2017, apresentou lucros líquidos de R$ 13,3 bilhões no exercício de 2018 e de 8,8 bilhões, só no primeiro semestre de 2019.

Estes resultados ainda poderão melhorar, desde que a Eletrobrás se desvencilhe das sempre deletérias influências “políticas” – e que suas subsidiárias passem por uma reforma administrativa que as consolide numa única empresa, dirigida por administradores profissionais competentes e honestos.

Feito isto, o governo celebraria contratos de gestão com a Eletrobrás, nos quais, além de metas quantitativas, seriam fixadas as obrigações do governo e da estatal.

Evidentemente, por esses contratos, o governo não poderia decidir pela Eletrobrás, no sentido de praticar tarifas abaixo do previamente calculado na base do custo + lucro, nem assumir o controle de empresas estaduais deficitárias, etc.

Lembro aqui a diferença que existe entre o espaço privado e o espaço público.

O espaço privado é ocupado por empresas e estabelecimentos industriais, financeiros, comerciais e outros, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros.

No espaço público ficam atividades não lucrativas, como a diplomacia, a segurança nacional, o ensino e a pesquisa científica, a saúde pública, o policiamento, etc., além de certas utilities, vitais para as demais atividades e que são monopolizáveis.

Ora, a energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, as comunicações, o ensino, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo. Assim, as tarifas elétricas não devem visar à maximização de lucros para grupos privados, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores.

Mais de 70% da eletricidade consumida no Brasil vêm de usinas hidrelétricas – e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios, ao lado de outras, importantes, como o abastecimento de água, a regularização dos rios, a irrigação, etc. Note-se que, além da manutenção das barragens, todos os usos dos reservatórios requerem importantes despesas permanentes em preservação ambiental – e a experiência mostra que investidores privados relutam em fazer tais despesas.

O controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico. Por esta razão, até nos Estados Unidos as grandes hidrelétricas são estatais. Apenas algumas hidrelétricas menores são privadas, mas a soma das capacidades destas é muito menor do que a das hidrelétricas estatais.

Devido ao falhanço das privatizações feitas no governo FHC, com o objetivo (inatingível) de converter em mercadoria um monopólio natural como a energia elétrica, a Eletrobrás vinha arcando com grandes prejuízos, por ter sido obrigada absorver os resultados negativos do sistema. Curiosamente, esses prejuízos alimentaram lucros astronômicos para intermediários não produtivos.

As hidrelétricas ainda pertencentes ao grupo Eletrobrás (Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu) têm idades em torno de 30 anos, portanto praticamente todo o capital nelas investido está amortizado. Assim, a energia nelas gerada custa atualmente cerca de R$ 40/MWh.

O grupo Eletrobrás responde por uma oferta da ordem de 170 milhões de MWh por ano. Eliminando-se os intermediários não produtivos, esta energia poderia ser repassada diretamente às distribuidoras, por uma tarifa de R$ 200//MWh. Portanto, o lucro do grupo Eletrobrás pode chegar a R$ 27,2 bilhões por ano.

Em vez de privatizar esse extraordinário fluxo financeiro, o governo deveria destinar uma parte, digamos, 50%, para a própria Eletrobrás, que aplicaria esta fatia na expansão e desenvolvimento tecnológico do sistema elétrico, tornando-o assim um sistema inteiramente autofinanciável; 40% iriam para o Tesouro Nacional  –  e os 10% restantes capitalizariam um fundo a ser criado no Banco do Brasil, cujas ações seriam vendidas ao público.

As termelétricas a gás ficariam de reserva para casos de crise hídrica – e aquelas a carvão seriam desativadas, cedendo lugar aos parques eólicos.

Hoje o sistema elétrico é majoritariamente privado. Só no segmento de geração, cerca de 60% dos ativos estão privatizados. No segmento de transmissão a Eletrobrás tem 48% das linhas, mas controla e opera apenas 11% delas. E as principais distribuidoras já foram privatizadas.

O resultado dessa quase completa privatização foi o oposto do prometido pelo governo FHC. O setor privado investiu abaixo do esperado, obrigando o governo a continuar investindo na expansão do sistema. E, em vez de mais baratas, as tarifas para o setor residencial subiram mais de 55% e as do setor industrial subiram cerca de 130% acima da inflação, provocando a falência de inúmeros estabelecimentos industriais – e desempregando centenas de engenheiros e milhares de operários qualificados.

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Joaquim de Carvalho, mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP, foi engenheiro da CESP e diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear).

 

 

 

 

 

 

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