A Revisão Tarifária – 2007 da COELCE




A REVISÃO TARIFÁRIA – 2007 DA COELCE



Redução podia ser maior







A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL está procedendo a segunda revisão tarifária periódica da COELCE – Companhia Energética do Ceará, para o que divulgou a Nota Técnica n° 050/2007-SRE/ANEEL, de 05 de março corrente, contendo uma proposta de redução média de 6,67% sobre as tarifas vigentes. A primeira revisão, efetuada em 2003, aplicou o índice de aumento de 30,29% posteriormente corrigido para 34,65%.




O assunto será discutido em Audiência Pública a ser realizada em Fortaleza, no dia 04 de abril próximo, e as novas tarifas terão vigência no período de 22/04/07 a 21/04/08.




Como era de se esperar, a proposta de redução surpreendeu os consumidores cearenses, que têm justos motivos para isto, pois desde que o atual modelo tarifário foi implantado e a COELCE privatizada, em 1988, que os aumentos de tarifas se sucederam com extrema regularidade, ano após ano, sempre com índices bem acima da inflação, de modo a acumular até 2006 um percentual global de 236,4% (média anual de 16,37%), contra elevações de apenas 134,51% do IGPM e tão somente 75,35% do IPCA, no mesmo período.




Assim, é compreensível que a população tenda a não acreditar que haverá redução, conforme foi apurado por enquete promovida pelo Diário do Nordeste, de Fortaleza, enquanto representante da Concessionária, parecendo querer reforçar esta idéia, segundo o Jornal O POVO, de 07/03, teria declarado que “a COELCE entende que esses valores são preliminares e que vão sofrer alterações”, pois “faltam incluir dados de indicadores econômicos que ainda serão corrigidos nesse processo que agora será público”, induzindo, assim, que os números finais a serem aplicados provavelmente serão diferentes dos – 6,67%, para mais.




De fato, o índice constante da NT-050/2007-SRE/ANEEL é considerado preliminar, mesmo porque ainda vai ser submetido ao debate na Audiência Pública. Porém, não se deve esperar que haja variação significativa, nem para um lado nem para o outro, salvo uma grande mudança nas práticas usuais da ANEEL. Tudo indica que haverá mesmo redução e apenas algum ajuste devido aos números que foram previamente estimados.




Examinando a questão da COELCE pela primeira vez, o ILUMINA-NE considera que a redução tarifária ora proposta pela ANEEL resulta do fato de que os reajustes anteriores, sempre muito elevados, puxaram para cima o patamar das tarifas da Concessionária. E isto ocorreu, sobretudo em virtude do grande peso que foi introduzido nos custos da empresa pelo absurdo contrato de compra de energia da Termofortaleza, a preços extremamente elevados, quando se podia contratar energia disponível no mercado a preços bem mais baixos.




Ressalte-se, ainda, que esta compra a Termofortaleza é absurda porque, além de ferir o Contrato de Concessão, na realidade não existe de fato, pois a referida termoelétrica não consegue produzir por absoluta falta de gás natural para acionar as suas turbinas. Assim, a energia que fatura para a COELCE é fictícia, apenas de papel, enquanto a energia que é utilizada pelos consumidores provém, de fato, do sistema interligado, gerada fundamentalmente pelas usinas hidrelétricas da região.




Então, agora, como o patamar tarifário da COELCE já absorveu o alto preço do contrato da Termofortaleza, e não havendo nenhuma outra anormalidade de importância, o custo médio da energia comprada pela COELCE veio a sofrer a influência do preço baixo da energia disponível no mercado, adquirida através dos leilões da CCEAR (Câmara de Comercialização de Energia do Ambiente Regulado). Este é o verdadeiro motivo da redução tarifária proposta, conforme será demonstrado mais adiante.




Assim, não é verdade que este “índice médio preliminar negativo é resultante da maior produtividade da empresa” como, segundo matéria do Jornal O POVO, teria sido informado pela ANEEL, pois de acordo com a própria metodologia da Agência Reguladora, os custos operacionais considerados na revisão tarifária não são os custos da COELCE, mas sim os ditos “custos eficientes” de uma “empresa de referência”, imaginada pela ANEEL, capaz de realizar eficientemente o mesmo serviço da COELCE. Do mesmo modo, a diminuição observada no valor da CCC (Conta de Consumo de Combustível) não é significativa e não seria suficiente para justificar o índice de redução. Quanto à remuneração do capital, embora a taxa de retorno calculada pela ANEEL (9,98%) possa ser considerada satisfatória, registre-se que se trata de uma remuneração líquida, verdadeiramente isenta de imposto, pois a metodologia para o cálculo do custo do serviço acrescenta a parcela devida ao imposto (34%) que, assim, também é repassada para as tarifas, acarretando a cobrança de um retorno efetivo de 15,10%, certamente não capaz de induzir redução tarifária.









  • O Cálculo do Índice.







A metodologia utilizada pela ANEEL para cálculo do índice de reposicionamento tarifário consiste basicamente em apurar a “Receita Requerida” para cobrir todos os custos da empresa pela prestação adequada do serviço no período de doze meses e compará-la com a receita que seria obtida pela prestação do mesmo serviço com a aplicação das tarifas vigentes.




No caso específico da COELCE, como está explícito na Nota Técnica 050/2007 (itens 177 e 178), a Receita Requerida para o período de 22/04/07 a 21/04/08 alcança o montante de R$ 1.612,6 milhões, correspondentes à soma da Parcela A (compra de energia, encargos setoriais e transporte de energia), no valor de R$ 978,8 milhões, e R$ 633,8 milhões referentes à Parcela B (custos operacionais eficientes, remuneração do capital e depreciação). A rigor, o valor da Receita Requerida deve ainda ser ajustado pela dedução de uma pequena parcela (R$ 8,1 milhões) relativa a “outras receitas” não vinculadas com as tarifas nem diretamente com o serviço de distribuição, de modo que o montante líquido a ser considerado é de R$ 1.604,5 milhões.




Por sua vez, a aplicação das tarifas vigentes à energia a ser vendida pela COELCE nos doze meses em consideração, estimada em 7.144.300 MWh, conduz à chamada “Receita Verificada”, no caso R$ 1.754,2 milhões (item 179 da NT-050/2007). Como se observa, este valor é maior do que a “Receita Requerida”, indicando que as tarifas atuais estão mais altas do que seria necessário. Daí, a comparação entre elas resulta no índice de reposicionamento negativo, ou seja, de redução:







[(1.604,5 – 1.754,2)/1.754,2] x 100 = -8,53%







Obtido este percentual, resta apenas o ajuste referente aos chamados “Componentes Financeiros” (itens 199 a 208 da NT-050/2007), que são pendências e/ou acertos de valores tarifários, para mais ou para menos, ainda não devidamente incluídos, como por exemplo seria o caso do deferimento de parcelas de reajustes anteriores (que neste caso não mais existem) ou do valor da energia do PROINFA, que tem tratamento específico. O valor total destes componentes resulta apenas o acréscimo pouco significativo de custo a ser recuperado pela Concessionária no montante de R$ 29,9 milhões, que corresponde a 1,86% da Receita Requerida de R$ 1.604,5 milhões.




Daí decorre a diminuição de -8,53% para somente -6,67% no percentual de redução das tarifas a ser aplicado a partir de 22 de abril. Aqui, salvo melhor juízo, caberia apenas uma dúvida a ser esclarecida pela ANEEL sobre as diferentes bases em que estão expressos estes dois percentuais (8,53 e 1,86). Quando expressos na mesma base dos 8,53% (1.754,2 milhões), os R$ 29,9 milhões representariam apenas 1,70% e, nesta hipótese, o percentual de redução tarifária passaria a ser de -6,83% (-8,53 + 1,70), ou seja, 0,16% maior, que traduzido em valor significaria a nada desprezível importância de R$ 2,8 milhões a favor dos consumidores.




Um outro ponto a ser esclarecido pela ANEEL diz respeito aos “consumidores livres”, incluídos no cálculo da energia requerida, com o total de 721.591 MWh (11,23% do consumo cativo) e na correspondente “Receita Verificada”, naturalmente com a sua tarifa muito baixa. Considerando-se que a legislação proíbe as Concessionárias de distribuição atenderem este tipo de consumidor, esta inclusão merece explicação, porque altera significativamente o resultado do reposicionamento tarifário. Assim, a retirada da influência dos “consumidores livres” nos dois lados da equação conduziria ao índice de reposicionamento de -11,23%, ao invés dos -8,53% calculados, o que resultaria, portanto, numa maior redução das tarifas.









  • A Influência da Termofortaleza







A análise que se segue procura demonstrar, a partir dos números da própria Nota Técnica n° 050/2007-SRE/ANEEL, que o item responsável pelo elevado patamar das tarifas da COELCE é o contrato de compra de energia da Termofortaleza.




Com efeito, já foi mostrado que do custo total de R$ 1.604,5 milhões a ser coberto pelas tarifas da COELCE, mais de 60% (R$ 978,8 milhões) são devidos à Parcela A e nesta, mais de 80% representam a compra de energia. Ou seja, o custo da energia comprada para revenda corresponde à cerca de 49% do total. Portanto, é neste item onde qualquer variação significativa de custo traduz-se em correspondente variação significativa nas tarifas.




Para atender ao seu mercado, no período considerado de 22/04/07 a 21/04/08, a COELCE tem contratada a compra total de 8.028.181 MWh, sendo 7.682.268 MWh para a revenda, 1.259.558 MWh referentes às perdas totais (que por sinal estão em nível bastante satisfatório) e 345.914 MWh de sobras (sobre-contratação). A Tabela 6 (fl.18) da NT-050/2007 relaciona todos os contratos de compra de energia vigente, suas quantidades e respectivos preços unitários e totais.




O quadro abaixo, construído a partir da referida Tabela 6, resume os dois grandes blocos das compras de energia da COELCE que, afora uma pequena parcela oriunda do PROINFA, são os seguintes: energia comprada através de leilões (o 1° em 2005) da CCEAR – Câmara de Comercialização de Energia do Ambiente Regulado; e Contratos Bilaterais. Destes, a Termofortaleza representa mais de 95%, ficando o restante, sob a denominação de Terceiros, para alguns contratos de pequena monta, entre os quais aqueles celebrados com pequenos fornecedores como as eólicas Prainha I e II, Taiba e Mucuripe.







COELCE – Compra de energia elétrica































Contratos







Energia Comprada







MWh (%)




Tarifa







R$/MWh




Custo Total







(R$) (%)




CCEAR




BILATERAIS




– Terceiros




– Parte Rel. (Termofortaleza)




PROINFA




5.084.951




2.832.902




137.365




2.695.537




110.328




63,34




35,29




1,71




33,58




1,37




70,29




160,43




98,98




163,56







357.414.725,14




454.478.187,97




3.596.079,97




440.882.107,84







44,02




55,98




1,68




54,30







TOTAL




8.028.181




100,00




102,54




811.982.912,94




100,00







No quadro, observa-se que a COELCE está pagando à Termofortaleza R$ 163,56 por MWh , mais que o dobro da média dos vários contratos da energia adquirida no âmbito da CCEAR (R$ 70,29 por MWh). Em conseqüência, os 2.695.537 MWh faturados pela Termofortaleza, que representam apenas 33,58% do total da energia, correspondem a R$ 440,9 milhões, equivalentes a 54,30% do custo global. Enquanto isto, os 5.084.951 MWh da energia comprada na CCEAR, correspondentes a 63,34% da energia total, equivalem a tão somente R$ 357,4 milhões da despesa total, nela pesando apenas 44,02 %. A conclusão é óbvia! A COELCE paga a Termofortaleza muito mais, por muito menos energia, sob as vistas complacentes da ANEEL.




Se à época da celebração do contrato com a Termofortaleza a COELCE tivesse optado por adquirir energia que estava disponível no mercado, da CHESF ou mesmo de outras companhias, o custo atual de compra seria bem mais baixo e, conseqüentemente, as tarifas. Para exemplificar, o primeiro contrato celebrado pela COELCE no âmbito da CCEAR, em 2005, envolvendo 2.563.098 MWh (31,93% do total), nesta revisão está custando o preço unitário de apenas R$ 63,44 por MWh, valor bem inferior aos R$ 163,56 por MWh da Termofortaleza.




Então, para verificar a real influência da Termofortaleza nas tarifas atuais da COELCE suponha-se que a energia que está sendo faturada pela referida Termoelétrica tivesse sido contratada, não aos preços tão baixos quanto o que acaba de ser referido (R$ 63,44), mas ao valor médio dos contratos vigentes da CCEAR, já citado, de R$ 70,29 por MWh. Neste caso, o custo global da compra de energia da COELCE para o período tarifário atual cairia de R$ 787,7 milhões para R$ 536,3 milhões e, em conseqüência, a Parcela A reduzir-se-ia para R$ 727,3 milhões. Somando-se a Parcela B (R$ 633,8 milhões) e ajustando-se o resultado com a dedução das outras receitas (R$ 8,1 milhões), resultaria para a Receita Requerida o total de R$ 1.353,00 milhões. Daí, o índice de reposicionamento tarifário seria de [(1.353,0 – 1.754,2) /1.754,2] x 100 = – 22,87%.




Em termos práticos, este é o reflexo da Termofortaleza no preço da energia elétrica para o consumidor cearense. Cerca de 20% de acréscimo nas tarifas. Portanto, não pode restar dúvida de que o contrato em causa é, de fato, o item responsável pelo elevado patamar das tarifas da COELCE.









  • Considerações Finais







O absurdo em que se constitui o contrato de compra de energia da COELCE a Termofortaleza não se resume apenas ao encarecimento das tarifas. Ele se configura ainda maior quando se verifica que a referida termoelétrica nunca produziu nem produz a energia que se comprometeu a vender, por absoluta falta de gás natural para alimentar suas turbinas na quantidade necessária. Simplesmente, ela compra no mercado livre a energia que não gera, por preços da ordem dos R$ 20,00 por MWh, e fatura para a COELCE a R$ 136,56 por MWh.




E esta situação é mais grave porque constitui também uma irregularidade, na medida em que fere os termos do Contrato de Concessão, celebrado entre a COELCE e a União Federal, representada pela ANEEL, o instrumento de maior hierarquia legal no regime de concessão de serviços públicos. Na verdade, o Contrato de Concessão estabelece na sua Cláusula Sétima, Sub-Cláusula Décima-Sexta, que







“A concessionária obriga-se a obter a energia elétrica requerida pelos usuários ao menor custo efetivo, dentre as alternativas disponíveis.”







Portanto, não seria admissível que a COELCE optasse por comprar uma energia que custava mais do dobro daquela que estava disponível no mercado e a ANEEL aceitasse homologar esse contrato, como o fez. Não deixa de ser curioso que a própria ANEEL mencione este dispositivo no item 75 da sua Nota Técnica 050/2007, mas aceite passivamente a transgressão contratual, como também o fez no Estado de Pernambuco com situação similar entre a CELPE e a Termopernambuco.




Note-se que o beneficiário principal de tal operação não é a Concessionária, no caso a COELCE. Qualquer empresário sabe que não é bom negócio adquirir para revender um produto mais caro e de má qualidade, como é a energia da Termofortaleza (cara e sem garantia de geração por falta de gás). Não seria difícil comprovar que a rentabilidade da COELCE é prejudicada com a referida compra. Portanto, ao aceitar esta situação, a Agência Reguladora não está protegendo o “equilíbrio financeiro do contrato”, como tem alegado em casos similares.




Na verdade, os reais beneficiários deste negócio são os acionistas controladores das duas empresas coligadas (COELCE e Termofortaleza), que inflacionando propositadamente os custos da COELCE aumentam enormemente os seus ganhos na Termofortaleza, às custas do Povo do Ceará.




Recife, 19 de março de 2007.




Eng°. José Antonio Feijó de Melo




Diretor do ILUMINA-NE