AGÊNCIAS: GUARDIÃS DE "MODELOS" OU DO INTERESSE NACIONAL ? Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni* O debate sobre o novo papel das agências reguladoras, proposto pelo presidente Lula e que já mobiliza o Co …


AGÊNCIAS: GUARDIÃS DE "MODELOS" OU DO INTERESSE NACIONAL ?


Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni*


O debate sobre o novo papel das agências reguladoras, proposto pelo presidente Lula e que já mobiliza o Congresso, ocorre em momento oportuno, pois o "modelo de mercado" , que trata a água e a energia como simples mercadorias , mostra novas fraquezas todos os dias.


O primeiro sinal veio dos céus. A seca moderada de 2001 obrigou-nos a cortar 25% do consumo de energia e metade do crescimento do PIB, gerando desemprego e inibindo novos investimentos.


O segundo sinal foi a quebra dos pés de barro dos ídolos que substituíram as distribuidoras estatais, criadas quando o setor elétrico era totalmente privado e vivíamos em racionamento, enquanto a falta de investimentos no sistema contrastava com a generosa remessa de dividendos que se fazia ao exterior.


No Brasil de então não existiam indústrias. Faltava eletricidade confiável para mover processos automatizados. Importávamos quase tudo, de automóveis a papel de imprensa.



A criação das concessionárias estatais, usando a energia barata com que a geografia nos brindou, permitiu-nos substituir as importações e passar a exportar Afinal, enquanto Estados Unidos e Inglaterra usam petróleo, carvão e gás para gerar mais de 90 % de sua eletricidade, no Brasil a água da chuva gera mais de 83% de nossas necessidades, fazendo com que aqui , mesmo em dólar, o megawatt-hora custe menos de 30 % do que lá.


Com as empresas públicas, em pouco mais de 40 anos, nossa capacidade de geração e junto com ela, nosso mercado, saltou de 3.500 para 72.000 MW.


O preço da energia hidroelétrica no Brasil era e ainda é nossa grande vantagem competitiva, que aliada ao custo da mão de obra pode transformar-nos num dos maiores exportadores, como já começa a acontecer.


Curiosamente, os acordos assinados com o FMI para lastrear a estabilidade artificial do real e ganhar eleições condicionaram tais empréstimos à proibição de que as estatais aplicassem seus lucros em geração, ocasionando o "apagão" de 2001 e justificando sua privatização.


A armadilha se fecharia quando o crescimento da demanda e o longo prazo para retomada da construção de hidroelétricas nos forçassem a construir termelétricas movidas a gás importado e cotado em dólar, de modo a tornar nosso sistema dependente desse energético e forçar para cima o custo de expansão . Resultados e exemplos disso são a usina de Araucária e a importação de energia de origem térmica da Argentina, implementadas no governo passado para obrigar a COPEL a elevar o "mix" de seus custos de geração. Juntas elas provocaram uma despesa extra de 1,3 bilhões de reais por ano, reajustada mensalmente em dólar, sem que um único quilowatt-hora ou btu de gás tenha sido efetivamente importado desde o início da operação, já que os contratos prevêem o regime "take-or-pay", pelo qual se paga mesmo sem que exista consumo.


Através deste tipo de "empreendimento", a privatização tinha como objetivo final elevar nossas tarifas aos apetitosos "níveis do primeiro mundo", baseados em termelétricas, e ainda transformar em margem operacional das distribuidoras à enorme vantagem competitiva do sistema hidrelétrico, que foi financiado e construído por todos os setores econômicos do Brasil.


É a crítica a essa visão que não leva em conta o planejamento estratégico e o interesse nacional de longo prazo que deve ser incorporada à discussão sobre o papel das agências no Brasil. Evidente que as agências serão necessárias pois as relações entre geradoras, distribuidoras e consumidores sempre precisarão de quem garanta a modicidade das tarifas, a qualidade do fornecimento e uma lucratividade mínima para assegurar a expansão do sistema. Afinal, a retração do consumo provou que de nada adianta elevar tarifas se o mercado não suportar os aumentos e encolher.


Mas o importante é garantir que as agências sirvam para manter as vantagens competitivas do nosso sistema hidroelétrico e não, ao contrário, que trabalhem para transformá-lo numa cópia mal feita de um modelo que foi importado, exatamente, para acabar com essas vantagens.


No exterior somos considerados os "árabes" da água potável, das terras férteis e da hidroeletricidade. Por isso mesmo, mais do que os governos, que são passageiros, as agências devem ser incumbidas, por Lei, de manter essas vantagens competitivas do Brasil.


E mais: devem funcionar como guardiãs de um modelo que garanta a competitividade e o crescimento sustentado da nossa economia e portanto do próprio mercado de energia.


*Diretor de Planejamento e de Distribuição da COPEL

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