Alternativas sempre existiram – Artigo

Alternativas sempre existiram

Roberto Pereira D’Araujo

  1. Introdução:

O ILUMINA é uma organização não governamental, apartidária, que, desde 1996, analisa os rumos adotados para o setor elétrico. Os integrantes da sua diretoria e grande parte de seus associados tem larga experiência no tema. Como tal, o grupo, sente-se no dever de denunciar ações que impliquem em perdas para o consumidor de energia elétrica e para a sociedade brasileira.

No atual cenário, não há como escapar de uma ampla reforma da estrutura de modelagem do setor que permita reduzir as incertezas, recuperar a modicidade de preços para o consumidor, aumentar a eficiência energética e permitir a inclusão de novas formas de geração de energia. Não é uma tarefa simples e ações pontuais não terão a capacidade de resolver o problema.

Assim, o ILUMINA tem mantido críticas às decisões tomadas no setor elétrico desde 1996, pois como já explicitamos muitas vezes, há uma espécie de defeito “genético” na nossa modelagem. Com base nessa visão crítica, até o racionamento de 2001 foi previsto pelo instituto. Mas, será que o ILUMINA só sabe criticar? Teria alguma proposta?

Esse artigo mostra que o ILUMINA, em conjunto com outros técnicos. sempre defendeu uma alternativa. Ela foi apresentada ao governo que se iniciava em 2003, tendo inclusive constado de um livro [Setor Elétrico Brasileiro: Uma aventura mercantil – 2009 – Roberto Pereira D’Araujo – CONFEA – CREA] editado em 2009, gratuito, e que pode ser solicitado ao instituto em versão digital (basta enviar um e-mail para roberto@ilumina.org.br).

Apesar disso, a visão do instituto não foi devidamente considerada. O texto abaixo tenta, resumidamente, explicar que sempre existiram escolhas no atual modelo do setor elétrico. A atual instável situação não é um caminho do qual não se pudesse escapar e o ILUMINA apresenta uma opção que, como todas as outras, precisa ao menos ser conhecida da sociedade.

Os seminários para debate das questões do setor elétrico se fazem reunindo sempre as mesmas entidades. Lá estão os comercializadores, os consumidores livres, os geradores, os produtores independentes, os consultores e os representantes da atual organização setorial. O Ilumina, uma entidade independente, formada e mantida por técnicos, nunca é convidado. Essa ausência pode ser interpretada de duas maneiras:

  • Ilumina é um ilustre desconhecido.
  • O que o Ilumina defende contém algo considerado “inconveniente” dada a realidade atual do setor.

Pode ser que ser que sejamos desconhecidos, mas, nesse caso, seria preciso admitir que os agentes setoriais não leem jornais e revistas especializadas, pois ambos os meios de comunicação já publicaram mais de algumas dezenas de artigos assinados por membros do Ilumina. A nossa página na internet não chega a ser um sucesso absoluto, mas registra mais de mil acessos diários. Diversos jornalistas consultam nossas matérias antes e depois de entrevistas.

Portanto, é preciso analisar a possibilidade da segunda explicação da nossa ausência.  Nessa oportunidade será possível examinar o que tem afirmado o Ilumina e procurar entender questões políticas que ultrapassam problemas energéticos.

Na última seção descrevo a proposta concebida durante o início do governo Lula em 2003 e que foi descartada a priori, sem nunca ter sido divulgada. Para facilitar a compreensão e conceituar corretamente a necessidade de profundas reformas no setor, apresento uma descrição dos problemas que temos atualmente.

  1. Uma descrição da situação presente.

Os itens a seguir podem ser ilustrados com dados e gráficos oficiais, caso o Ilumina seja solicitado.

  1. O sistema físico brasileiro é muito distinto de outros que implantaram a competição na geração, ideia base do sistema mercantil, com sucesso. Aqui há uma característica cooperativa entre usinas que se choca com o conceito de competição física, que é o alicerce dos modelos testados em outros países. Ver http://ilumina.org.br/o-setor-eletrico-brasileiro-no-diva-do-psicanalista-artigo/
  1. Ao contrário do apregoado, o que nos faz diferente não é termos um sistema predominantemente hidroelétrico, mas sim o fato de que ele é dotado de grandes reservatórios, o que lhe confere um “estoque” virtual de energia hidráulica. Nas dimensões brasileiras, apenas o Canadá apresenta essa singularidade.
  1. Esse detalhe impõe a qualquer gestor o dilema de usar “o estoque” para gerar energia no tempo presente ou preserva-lo para um suprimento futuro. Esse problema praticamente inexiste em sistemas de predominância térmica onde a geração física está conectada a um consumo de combustíveis que não depende da natureza. Isso nos impõe um sistema com memória temporal, significando que uma decisão tomada no instante T influencia a decisão no instante T + ∆T. O volume “desestocado” hoje pode fazer falta amanhã. Inversamente, a visão antecipada que se têm de T + ∆T influencia a decisão tomada em T.
  1. Devido à diversidade climática, situações hidrológicas distintas permitem que usinas com pouco reservatório gerem energia no lugar de outras com grandes capacidade de reserva. Por conta dessa ajuda, esse estoque é compartilhado entre as usinas. Portanto, a estratégia de geração de uma usina não depende apenas do rio ou da bacia onde está localizada, mas também das transferências de grandes blocos de energia entre regiões que apresentam diversidade climática. Também não podem depender de situações comerciais da usina. Apenas a título de exemplo, os dados históricos dessas transferências mostram 8TWh no link Norte-Nordeste, 30TWh no Sul-Sudeste, 12TWh no Sudeste-Nordeste, valores que podem chegar a 60% da carga de uma região num mês. Isso mostra que não basta conhecer as tendências hidrológicas da região para saber a capacidade de geração de energia de uma usina, pois há importações de outras regiões.
  1. Tal situação resulta numa característica complexa para mercados genuínos, pois há um forte fundamento para usinas não comercializarem sua produção física, mas sim uma parcela da produção total, como ocorre numa cooperativa.
  1. Como um mercado real pode lidar com a necessidade de uma usina ter que vender energia tendo geração física variável em função de estratégias não comerciais? A solução proposta há mais de 20 anos foi a de definir um certificado (Garantia Física, GF) que represente a parcela “justa” de energia para cada usina nessa cooperativa.
  1. Se cada usina é parte de uma operação cooperada, a decisão de geração não é de cada usina, mas sim de um gestor da “cooperativa”, que, no caso brasileiro é o Operador Nacional do Sistema (ONS). Uma metodologia muito complexa e subjetiva[1] para esse fim foi usada para determinar esse valor médio e, supostamente, “justo”. É preciso salientar que o modelo de operação do sistema, que é a ferramenta principal para essa tese, nunca foi construído para cumprir essa façanha.
  1. Esses certificados (GF) ganharam um interesse econômico, já que a parcela de energia que cabe à usina passa a fazer parte do valor da empresa proprietária da mesma. Evidentemente, toda uma expectativa de retorno de investimentos está ancorada a esse número.
  1. Entretanto, o sistema brasileiro vem se alterando fisicamente, pois a relação reserva máxima/carga vem decrescendo lentamente[2]. Seria muito difícil manter inaugurações de novos reservatórios na mesma “taxa” de crescimento da carga. Tanto não há locais que justifiquem economicamente essa paridade, como há outras formas de manter essa enorme vantagem, sendo a mais óbvia reduzir a responsabilidade das hidráulicas através de outras fontes que assumam parte da carga.
  1. Além da metodologia adaptada, o grande problema é que os certificados de garantia foram emitidos em datas distintas. Os mais antigos foram determinados sob critérios de operação que se modificaram justamente em função das alterações físicas do sistema. Portanto, pode-se afirmar que o sistema hoje tem certificados (GF’s) não isonômicos entre usinas.
  1. É importante reforçar que o “defeito” não está apenas na metodologia que determina a GF, mas sim na sua ascensão a um valor de mercado imutável, atributo que tal método nunca garantiu, muito ao contrário. O sistema se viu “preso” à valores comerciais contratuais que impedem a reavaliação do certificado GF.
  1. Percebendo isso, os gestores passaram a fazer leilões de “energia de reserva” que, por si só, já são um contrassenso para um sistema que explicita um valor “garantido” por usina (sob um critério de risco). Na realidade, as fontes contratadas nessa modalidade não recebem o certificado de garantia física e sua geração está cobrindo garantias superavaliadas de usinas mais antigas. O mais grave é que esse custo passa a ser um “encargo” que incide “por fora” nos preços, distorcendo ainda mais as relações que se esperam de um sistema mercantil genuíno.
  1. O operador do sistema, gestor do estoque hidráulico, usa para sua decisão um modelo matemático que avalia perspectivas futuras de afluências, evolução da carga e inclusive a entrada de novas usinas no seu horizonte de planejamento. O parâmetro final dessa modelagem é o custo marginal de operação (CMO) que pode ser interpretado como um “valor da água” em cada etapa. Quando esse valor atinge o custo de operação da energia térmica, preserva-se a energia hidráulica e se acionam as gerações térmicas naquele nível de custo. Portanto, o CMO é uma referência de preço do sistema.
  1. Para se ter uma outra ideia de quão significativa é o tamanho da reserva, o horizonte usado para calcular o CMO se estende por quatro anos futuros. Portanto, se uma usina de grande porte prevista nesse prazo não entra em operação, toda a estratégia de reserva adotada pode sofrer mudanças, pois seria necessário reavaliar as decisões tomadas.
  1. Em função de alterações na capacidade de regularização da reserva hidroelétrica e também de diferenças de óticas entre operação e planejamento, esse custo marginal de operação sofreu interferências. Como ele é parâmetro de preço e tem influência até na expansão, acabou-se criando um outro custo marginal adicional e ocluso através de justificativas de existência de uma “aversão ao risco”. Essa medida de “aversão” também já se alterou algumas vezes criando ainda mais incompatibilidade entre planejamento e operação.
  1. Do lado do consumo, essa adaptação cria outros riscos e situações não isonômicas entre consumidores, uma vez que o preço de curto prazo no mercado livre é fortemente influenciado pelo parâmetro que nada tem a ver com a relação entre oferta e demanda. Como já explanado, o preço “de referência”, o custo marginal de operação, é uma visão do operador do sistema sobre o estoque dos reservatórios e o atendimento da carga presente e futura.
  1. Uma outra consequência derivada da nossa natureza cria comportamentos estranhos à mercados de energia. Quando o sistema está em equilíbrio entre oferta e demanda, dada as incertezas típicas da nossa hidrologia tropical, há grande tendência a custos marginais de operação muito reduzidos, pois, nesse momento diminui muito a perspectiva de geração térmica. Entretanto, elas apesar de não gerarem, estão contabilizadas na oferta e quem gera em seu lugar é o grupo hidráulico que “cobre” essa garantia[3].
  1. Quando as hidráulicas cobrem a garantia das térmicas, essas últimas “liquidam” sua “não geração”, no mercado livre e, caso o sistema esteja corretamente dimensionado, o PLD (na realidade, o próprio CMO) é extremamente baixo.
  1. Como, ao se elevar, esses custos são os “gatilhos” que disparam a geração de usinas térmicas, não há como negar que também são preços. Como dizer que a mesma variável é um preço que justifica o uso de térmicas quando atinge valores altos e deixa de ser preço quando atinge valores baixos? Portanto, percebe-se inclusive um dilema “existencial” no CMO. É preço ou não?
  1. Se o CMO passa a ser um preço, mesmo que seja de referência, com valores tão díspares, cria-se uma situação indutora à especulação de curto prazo nesse mercado, pois, estando equilibrado, a tendência é ter preços muito baixos. Não há aqui nenhum juízo de valor sobre os beneficiários dessa vantagem. Na realidade, o que se chama atenção é que há um viés favorável à contração de curto prazo na modelagem brasileira.
  1. Assim, até a teórica relação biunívoca entre preço alto – escassez e preço baixo – superávit em mercados genuínos fica fortemente afetada no nosso sistema. Resumindo, é possível ter preços baixos mesmo num sistema sub ofertado. Basta ocorrer um ano de afluências exuberantes. Do mesmo modo é possível ter preços altos mesmo com sistemas sobre ofertados, basta ocorrer hidrologias inesperadamente baixas.
  1. Qualquer comparação de dados entre o mercado brasileiro e outros mercados mundiais mostra situações bizarras. Aqui, consequência exclusiva dessas características, já ocorreram variações de preço da ordem de 7.000%, enquanto os exemplos mundiais giram no entorno de 200%. Na opinião do ILUMINA, essas ocorrências já deveriam ser suficientes para mostrar que há algo profundamente errado no modelo. Entretanto, essa evidência nunca foi capaz de acender uma “luz amarela”.
  1. Alguns exemplos de situações estranhas para considerar o nosso caso um mercado genuíno: Como as usinas comercializam um “certificado” de energia fixado previamente: I – usinas térmicas podem “vender” energia mesmo sem gerar; II – usinas hidroelétricas geram muito acima de seu certificado “causando” preços irrisórios no mercado; III– Apesar de gerar acima de seu certificado na maioria do tempo, quando geram abaixo, têm que adquirir energia das térmicas sem compensação da situação inversa. Esse último efeito causou inadimplência e uma enorme judicialização do mercado.
  1. Nesse modelo com incentivos “genéticos” à contratação de curto prazo, é preciso considerar que o que garante a expansão do sistema é a obrigação das distribuidoras com contratos de longo prazo. Elas o fazem por lei, para cobrir uma previsão de crescimento de seu mercado cativo, mas também pelo fato de que usinas hidroelétricas envolvem prazos longos de construção. Como no mercado livre, que está em expansão, prevalecem contratos abaixo de um ano de duração, uma parte da carga futura fica “descoberta” da garantia de longo prazo. A “solução” adotada foi o de abrigar o mercado livre “de carona” nos empreendimentos construídos para o mercado cativo. No Brasil é raríssimo ver usinas construídas exclusivamente para o mercado livre.
  1. O sintoma mais grave é de toda essa complexa situação é o encarecimento da tarifa que, apenas na parcela de energia (kWh), subiu 64% real no residencial e 104% real no industrial cativo (pequena indústria)[4].
  1. Sem enfrentar as causas estruturais do modelo que evidencia problemas, o governo resolveu arbitrariamente, através de medida provisória (MP 579/2012) e usando seu poder acionário, desprezar contabilidades existentes e aprovadas por auditores independentes e pela própria agência reguladora e “compensar” a alta de preços com a imposição de “tarifas de operação e manutenção” às usinas da Eletrobras com contratos de concessão por vencer retirando a parcela de amortização de investimentos e, consequentemente, acumulando uma dívida.
  1. Tal filosofia carece de lógica porque a amortização e depreciação de investimentos são cálculos contábeis e não se dão por decurso de prazo. Um exemplo extremo seria o de uma usina cujo investimento possa ser amortizado antes do fim de sua concessão. Além disso, usinas hidroelétricas demandam investimentos durante sua vida e, evidentemente, a situação mais provável é que, ao final do período de concessão, existam “restos a pagar”, que é exatamente o que está ocorrendo hoje.
  1. Apesar de não existirem duas hidroelétricas iguais, o governo adotou um conceito altamente contestável denominado Valor Novo de Reposição (VNR) para estimar o investimento de cada usina atingida pela MP 579. Nesse método, ao invés de se respeitar o que está contabilizado, “imaginou-se” um projeto básico[5] virtual com características semelhantes às usinas e calculou-se o investimento necessário para substituir o contabilizado. Evidentemente, esse descolamento do contábil pode provocar desde subavaliações até incríveis superavaliações, criando-se até situações de restos a receber indevidos.
  1. Do lado operacional, utilizando um modelo estatístico altamente contestável, fixou baixíssimas tarifas de O&M para as usinas da Eletrobras cuja concessão venceriam a partir de 2015. Estabeleceu que o total da energia gerada por essas usinas seja cotizada entre distribuidoras cobrando apenas o custo de O&M. Apesar da energia quase gratuita, o “risco hidrológico”, situação descrita no item 17, nesse caso é transferido às distribuidoras, um agente que não tem atribuições capazes de minimizá-lo.
  1. Mesmo com a participação de energia da Eletrobras vendida a menos de US$ 10/MWh, a tarifa brasileira residencial se situa no entorno de US$ 230/MWh, um nível muito alto quando considerada nossa estrutura de oferta baseada em energia renovável.
  1. Isso significou uma óbvia destruição de valor com perda de 70% do valor da empresa. A questão não se limita a um problema da Eletrobras, mas sim e uma enorme redução da capacidade de gerar recursos para investimento dentro do próprio setor.
  1. Na atual situação, a carga do sistema está estagnada desde junho de 2014, mostrando uma queda de 7% em relação à sua tendência de longo prazo. Diversas empresas altamente dependentes de energia já estão se deslocando para outros mercados, principalmente México e Paraguai.
  1. Do lado da distribuição, a situação atual da rede é altamente ineficiente. Basta observar a completa desordem dos postes das grandes cidades compartilhados com redes de telefonia sem nenhuma regra. Por incrível que pareça é preciso chamar a atenção para as leis de Maxwell que demonstram que fios que carregam correntes altas em paralelo a outras redes induzem correntes que nada mais são do que perdas elétricas. As atuais regras foram complacentes ao deixar que as distribuidoras tentem atribuir ao roubo um percentual de perdas muito alto, quando, na realidade, há uma grande ineficiência energética nessa atividade.

Essa é, de forma muito resumida, a situação atual. A importância e utilidade de descrever os problemas do sistema vigente na seção 1 facilita a explanação da alternativa proposta ao governo em 2003, mas que, incrivelmente, nunca foi divulgada.

 

  1. A proposta do comprador majoritário.

A geração de uma usina hidroelétrica de um sistema de clima tropical, sob qualquer critério de garantia, é muito variável, portanto não é razoável que essa grandeza ganhe características de imutabilidade. Como, ainda por um longo tempo nosso sistema terá predominância hidroelétrica, essa incerteza será sempre um problema.

Entretanto, o que é imutável em qualquer sistema e também no sistema brasileiro é a capacidade de potência das usinas em MW. Assim, é óbvio que se imagine um sistema que eleja essa grandeza como a estrutura principal do modelo mercantil e não uma grandeza mutável.

Portanto, já percebendo os defeitos do modelo na época do racionamento de 2001, se os contratos fossem majoritariamente firmados por capacidade e não por energia[6], diversas vantagens seriam percebidas:

  1. Se o sistema físico funciona com características de cooperativa, é impossível conceber seu funcionamento sem um gestor da sua operação que, ao ter uma ótica global, é o único que pode decidir a melhor maneira de funcionamento da cooperativa.
  1. O que se propôs foi que, assim como o Operador Nacional do Sistema atua no sistema físico, haja uma versão financeira do que ele realiza. Esse agente seria um “comprador majoritário” de capacidade, que, sem fins lucrativos (como o ONS) contrata usinas com os MW de potência disponíveis necessários para o atendimento de um mercado atual e previsto de energia (MWh). Afinal, é para isso que foram desenvolvidos os softwares usados até hoje.
  1. Os donos de usinas seriam remunerados pela potência de sua usina, que é uma característica constante que independe da lógica operativa. A remuneração de um atributo físico constante da especificação da máquina traz uma característica de estabilidade de receita para o investidor, e, por outro lado, uma estabilidade de despesa para o comprador majoritário.
  1. Assim, o comprador majoritário passaria a ter duas grandezas econômicas razoavelmente estáveis. Na “saída”, a despesa de remuneração das usinas e linhas e, na “entrada”, as receitas das tarifas.
  1. Como já descrito, os custos do sistema são bastante variáveis. Se o sistema está corretamente dimensionado, na maioria do tempo, como descrito no item 2-16, os custos são baixos. Portanto, ao invés dessa vantagem assimétrica ser transferida ao mercado livre, sob essa modalidade, o comprador majoritário acumula recursos além de suas obrigações na maioria do tempo. Essa situação permitiria a formação um fundo (transparente e fiscalizado) que cobriria os custos dos períodos de escassez hídrica. Esse simples mecanismo eliminaria por completo a necessidade de bandeiras tarifárias.
  1. Observem que esse fundo é exatamente o “reservatório” de recursos financeiros que é acumulado para enfrentar períodos de custos elevados. É exatamente o que faz o operador ao “guardar” dos períodos hidrológicos favoráveis para atender a carga em períodos desfavoráveis.
  1. Essa situação também retira o risco hidrológico do investidor sem transferi-lo para as distribuidoras, como descrito no item 2-29. Na realidade, tal mecanismo de transferência de receitas entre tempos distintos já foi adotada no Brasil com a Conta de Consumo de Combustíveis do sistema interligado (CCC) que funcionou até sua desativação em 2005.
  1. O cálculo da garantia do sistema através de uma avaliação da sua capacidade de geração por usina continuaria funcionando. Garantias Físicas por usina podem ser mantidas, mas, apenas como parâmetro interno, sem interferência na receita das mesmas. Outras possibilidades surgiriam, tais como a GF por bacia e por subsistema. O importante é que esses valores perderiam o significado mercantil que têm hoje e poderiam ser alterados, caso houvesse uma mudança de metodologia.
  1. Um mercado livre ainda poderia continuar a existir, desde que seja baseado em quantidades de energia negociados em prazos mais longos. Aceitar contratos de 30 dias significaria aceitar a influência do custo marginal de operação que, como já mencionado, têm viés de baixos valores. Isso significaria admitir, mais uma vez, uma não isonomia entre consumidores criando um nicho que, apesar de usar o mesmo sistema físico, teria a prerrogativa da exuberância hídrica[7].
  1. Uma profunda revisão da metodologia de cálculo do custo marginal seria essencial, pois, como explicado, atualmente há um CMO ocluso que causa encargos de sistema, mas não é considerado no planejamento.
  1. Atualmente há uma subavaliação do efeito que o crescimento da geração distribuída (principalmente solar) possa ter no sistema. Nossa caraterística de reservatórios pode diluir o efeito entre ponta e energia. Com a ponta ocorrendo justamente no horário de maior insolação e com o tradicional papel de hidroelétricas nesse horário, pode ocorrer significativa economia de reserva. Esse efeito pode mudar a carga “vista pelo sistema interligado”, o que pode ter grande efeito sobre o critério de operação.
  1. É preciso rever os princípios da medida provisória 579 de setembro de 2012 transformada em lei de 2013. Há diversos equívocos técnicos que, incrivelmente, passaram desapercebidos. Usinas não existem financeiramente fora de um contexto empresarial, tanto que em qualquer sistema, quem tem “tarifa” ou preço é a empresa que gere a usina. Apesar dessa obviedade, o governo impôs “tarifas por usina” o que as desconecta das empresas.
  1. Provavelmente este aspecto será o mais complexo para ser reformulado, pois, sem um diagnóstico completo das razões da elevação tarifária, qualquer revisão desses preços irá impactar as já infladas tarifas. Por outro lado, nada fazer ou continuar com essa equivocada filosofia significa “matar” a capacidade de autofinanciamento do setor que sempre existiu.
  1. O sistema de custo do serviço, ou pelo custo, ao contrário da lenda de que se trata de um mecanismo ultrapassado, ainda é adotado em muitos estados americanos. É preciso abandonar a ideia da conveniência de um tipo de “administração especial” onde empresas “cobram” uma tarifa de Operação e Manutenção por alguns ativos que deixam de ser de sua responsabilidade. Usinas, linhas e subestações sempre necessitam investimentos e a forma mais expedita e razoável de tratar os efeitos da amortização é a forma contínua e integrada da figura do concessionário.

Não existem modelos perfeitos e o de comprador majoritário não é uma exceção. O modelo atual vem sofrendo alterações quase semanais e ainda tem diversos problemas. Não se pode esperar de um modelo conceitual ainda não debatido a solução de todos os dilemas. Portanto, é preciso considerar que a comparação das potencialidades deve ser cuidadosa, pois, infelizmente, tal alternativa foi sequer anunciada para críticas.

Na realidade, a grande resistência que tal configuração terá no Brasil é o nosso antigo preconceito. Infelizmente, por razões que nada têm a ver com energia e muito menos com a organização proposta, esse modelo já recebeu o rótulo de “estatização”, muito embora o “comprador” possa ser exercido por uma instituição não estatal, assim como é o ONS.

Por motivos conhecidos por todos, os brasileiros estão descrentes da capacidade de que instituições estatais possam exercer qualquer função com razoável eficiência. Essa descrença ocorre por razões das intervenções políticas que ocorrem há muitos governos. Mesmo no caso da energia, quando há fartos exemplos no mundo de excelentes atuações estatais, parece que essa “maldição” ainda permanecerá por longo tempo no Brasil. Cabe aos brasileiros decidir sobre essa questão. Ver o link.

Por fim o ILUMINA está à disposição de apresentações e discussões com os técnicos do governo incumbidos em reavaliar o modelo setor elétrico brasileiro.


 

[1] Como exemplos concretos de subjetividade, o sistema depende de dois parâmetros de compreensão controversas: O custo do déficit de energia e a taxa de desconto do futuro.

[2] No passado, a relação reserva/carga ultrapassava um ano de consumo. Atualmente temos aproximadamente 5 meses. Esse efeito é apontado como por alguns como uma mudança estrutural que alteraria profundamente o funcionamento do sistema. É preciso considerar que situações mais confortáveis podem surgir se tivéssemos geração complementar de custo mais baixo fazendo com que a “carga líquida” vista pela reserva se reduza bastante. Portanto, o sistema de regularização pode ainda perdurar por muito tempo.

[3] Apenas a título de exemplo, já atingiu valores de R$ 4/MWh em 2003 e, às vésperas da crise de 2012, R$ 12/MWh em 2011.

[4] Não estão contabilizadas as variações de preços dos outros fatores: Transmissão, distribuição, encargos e impostos. Saliento que a ANEEL não disponibiliza dados sobre tarifa média final, uma omissão inaceitável para uma agência reguladora.

[5] Projetos Básicos não têm a menor capacidade de capturar as particularidades da usina.

[6] O sistema de transmissão da rede básica é feito sob esse modelo, onde linhas têm receitas fixas independentes de seu carregamento.

[7] É preciso lembrar que esse sistema de contratos de curto prazo funciona muito bem quando os preços são baixos. Nos casos de carência de oferta e preços altos por conta de hidrologia baixa, o que se tem observado é a judicialização e inadimplência dos agentes.

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