Depois de mais de 15 anos com o setor elétrico sob um regime “mercantil” (aqui entre aspas pela esdrúxula adaptação que foi adotada por conta de características físicas do Brasil), a tarifa industrial do mercado das distribuidoras tinha subido 108% real. A residencial 51% acima da inflação, sempre lembrando que esse número médio é mais baixo por conta dos subsídios aos consumidores classe “baixa renda”.
Portanto, em 2012, o cenário era inexplicável:
- Depois de tantas alterações institucionais e regulamentares que prometiam a eficiência, como explicar esse aumento das tarifas?
- Como corrigir erros advindos do período do racionamento, onde as tarifas foram corrigidas em mais de 30% em 2003 e 2004?
- Como “disfarçar” a eclosão de encargos (chegou-se a mais de 10) necessários para ir “remendando” os problemas?
- Como “disfarçar” que, ao contrário da parcela cativa das distribuidoras, o mercado livre tinha se beneficiado de preços irrisórios, apesar de estar conectado ao mesmo sistema?
- Como enfrentar interesses poderosos que estariam sob o manto dos diversos erros do sistema?
O caminho fácil foi o de “lembrar” que usinas antigas estão “pagas” e forçar a redução via Eletrobras. É preciso lembrar que:
- Amortização tem pouco a ver com idade da usina. É um processo contábil que pode, inclusive, fazer com que uma usina seja amortizada antes dos 30 anos.
- Ao abandonar o regime contábil, válido até 1995, e migrar para o regime de “competição”, cria-se uma espécie de “bomba relógio”, pois, mais tarde, ao se querer reconhecer a amortização, concentra-se todas as diferenças contábeis em um único instante de tempo gerando um montante de indenizações que, sob o regime de serviço público, seriam diferidos no tempo.
- Os preços praticados pelas usinas “amortizadas” foram resultantes de leilões mercantis! Uma escolha de governo! A propaganda oficial (e da FIESP) tentava passar a ideia de que esses preços eram escolha da Eletrobras.
- Não existe tarifa por usina isoladamente. Qualquer sistema que pratique o regime de serviço pelo custo (return rate regulation nos Estados Unidos) regulamenta a tarifa da empresa que opera e comercializa a usina. Aqui, inventamos essa verdadeira jabuticaba.
- Segundo o governo, a receita “permitida” vem de um modelo estatístico. É uma fórmula que define que o O&M só depende da potência e da Garantia Física da usina. Não importa em que rio está, se faz controle de tensão, se é a fio d’água e não importa quantas turbinas tem. Uma usina de 600 MW com 2 turbinas de 300, tem o mesmo O&M que uma outra com 6 máquinas de 100 MW. A Nota Técnica no 385/2012-SER/SRG/ANEEL chega a apresentar erros de fórmula, evidenciando a pressa e a falta de transparência nesse processo.
- Foi desprezada também a parte administrativa. Principalmente por isso, a Eletrobras mergulhou no prejuízo, pois, perdendo 13 GW de usinas que passaram a ser “cotizadas” ( ~ 30% do seu parque), evidentemente, ela não conseguiu reduzir da noite para o dia seus custos administrativos nessa proporção. É bom lembrar que seus cargos ainda são usados como “moeda de troca política”. Ou seja, o resultado prático é que a Eletrobras paga para operar essas usinas.
- Desnecessário dizer que os custos ambientais dos reservatórios também foram esquecidos. Toda uma política regional que já foi conduzida pelas empresas e poderia ser incrementada será abandonada.
- Abaixo, uma ilustração sobre o caso da receita da usina de Itaparica da CHESF.
- Como se pode ver, a RAG (receita anual de geração) não é a receita efetiva da usina. Há pagamentos de itens que nada tem a ver com o funcionamento específico da usina, tais como taxa da ANEEL, Pesquisa e Desenvolvimento, conexão e outros. No caso em questão, a receita da usina está no entorno de R$ 10/MWh.
Situação da Eletrobras
Desde a MP 579 – R$ 30 bilhões de prejuízo acumulado nos balanços! Dívidas caras R$ 45 bilhões (juros de ~ 17% a.a). Custos muito acima da receita – Distribuição (+ 70%) – Geração (+ 43%).
Qual foi o resultado final dessa política?
A ilustração diz tudo. A linha pontilhada mostra o percentual acima da tarifa industrial de 1995 corrigida pela inflação. Hoje temos quase 140% acima da inflação e uma empresa pública extremamente fragilizada.
O que a série denominada “marteladas” mostrou?
- A fragilização da Eletrobras é um processo de longa data.
- Do outro lado desse processo, estão diversas empresas privadas que “se aproveitaram” dessa política e não deveriam ser consideradas tão “inocentes”.
- O grupo político que hoje está no comando do Ministério sabia o que estava sendo adotado. Alguns partidos políticos votaram a favor dessa política transformando-a em lei.
- A anunciada privatização da empresa não vai afetar a crise fiscal do estado brasileiro.
- Não se pode esquecer que na década de 90 vendemos 26 empresas do setor elétrico (além de todo o setor siderurgico, telefonia e mineração) e a dívida pública permaneceu ascendente chegando a 76% do PIB em 2002.
- O que parece ainda mais grave é que a economia mundial está passando por uma inflexão onde a eletricidade irá desempenhar um papel ainda mais importante do que já tinha. A evolução tecnológica vai trazer, de um lado, os veículos elétricos e do outro, a energia fotovoltaica. A Eletrobras tem sob sua gestão o CEPEL, o único centro de pesquisa em eletricidade do país. É lamentável assistir um país abrir mão do seu próprio futuro.