Crise? Mais uma? – Análise sobre o Plano de Operação Energética 2019

Roberto Pereira D’Araujo

Introdução:

O que se verá nessa análise é um dos resultados de um Brasil que não faz debates que coloquem frente a frente visões opostas. Os seminários são formados sempre pelos mesmos agentes e associações setoriais. Muitas vezes, a mesma “polarização” sentidas nas redes sociais, torna infactível críticas mais profundas. O assunto também tem a ver com o desmatamento da Amazônia, que, como se sabe, é um dos problemas que sofre uma certa descrença do atual governo.

Nesse cenário, a Eletrobras, que historicamente tinha um papel preponderante na estratégia do setor, está sendo desmontada e transformada apenas numa caixa registradora de energia, que, para realizar o lucro esperado, será cada vez mais cara. Ao ser vendida ou “capitalizada” vai trazer alívio insignificante para a crise fiscal e colocar o Brasil a mercê das “virtudes” voluntariosas e instáveis do mercado. Alguns dos graves defeitos desse modelo estão surgindo nessa análise.


O ONS (Operador Nacional do Sistema) acaba de publicar uma análise preocupante sobre o suprimento de energia elétrica.

Como o próprio ONS apresenta,

“O Plano da Operação Energética – PEN tem como objetivo apresentar as avaliações das condições de atendimento ao mercado previsto de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN para o horizonte do planejamento da operação energética, cinco anos à frente, subsidiando assim o MME, através do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico – CMSE e a Empresa de Pesquisa Energética – EPE quanto à eventual necessidade de estudos de planejamento da expansão para adequação da oferta de energia aos critérios de garantia de suprimento preconizados pelo Conselho Nacional de Política Energética – CNPE.”

O que deveria nos deixar preocupados é que, segundo avaliações do próprio ONS,

“Avaliações energéticas apresentadas neste PEN 2019 indicam que, face a crise hídrica da região Nordeste, que se prolonga desde o verão 2011/2012, possivelmente o SIN terá um segundo período crítico com as dimensões próximas do período crítico histórico de junho/1949 a novembro/1956”

Acrescenta ainda que:

“Verifica-se, nos anos finais do histórico de vazões afluentes, um deplecionamento acentuado do SIN, à similaridade do que ocorre num período crítico, ou seja, tudo indica que o SIN estaria em um novo período crítico face ao longo horizonte de meses (79), a partir do qual saiu do armazenamento máximo e não houve mais reenchimento pleno do armazenamento (de junho/2012 a junho/2019), o que mostra uma compatibilidade entre as condições conjunturais de atendimento.”

A figura acima deixa bastante evidente que a atual situação se aproxima muito da pior situação hídrica verificada no histórico de vazões. Não é a toa que esses 5 anos históricos tem o apelido de crítico. Como mais de 60% da nossa energia está sujeito à hidrologia, o momento pode ser realmente um início de outra crise.

Antes de culpar apenas São Pedro (esquecendo o desmatamento) por essa preocupante situação, é preciso voltar a mostrar que nos últimos 15 anos, por falhas de planejamento e no modelo mercantil, o Brasil mais do que TRIPLICOU sua capacidade de geração térmica. Dado o cenário de avanço da energias renováveis no mundo, o Brasil, mais uma vez, rema contra a corrente.

Como o próprio ONS admite, o sistema só conta com aproximadamente 11 GW de térmicas com custos (CVU) abaixo de R$ 250/MWh. O restante tem custos acima e até muito acima desse valor. Por exemplo, térmicas a óleo combustível ou diesel que chegam a R$ 1700/MWh. Só nessa classe temos por volta de 5 GW!

Isso faz com que o sistema tenha uma parcela de “oferta” de energia que vale muito mais do que os já caros R$ 250/MWh. Ora, quando se tem esse caro potencial que, consequentemente, é pouco usado para evitar ainda mais aumentos tarifários, por incrível que pareça, acaba-se por usar mais geração hidráulica no seu lugar.

 Ou seja, térmicas caras ajudam a esvaziar reservatórios. Portanto, São Pedro não pode ser classificado como “malvado favorito”.

O próprio ONS admite isso:

“Sob esse aspecto, apesar das análises energéticas do PEN 2019 indicarem um equilíbrio estrutural do SIN durante todo o horizonte 2019/2023, com excedente de energia contratada e riscos de déficit bem abaixo do critério de garantia preconizado pelo CNPE, a participação de usinas térmicas na matriz com elevados custos operativos, mais de 40% acima de 250,00 R$/MWh, faz com que essas usinas sejam despachadas por mérito econômico somente em situações hidrológicas críticas, debitando estoques estratégicos de água armazenada dos principais reservatórios de regularização do SIN para atendimento à carga, o que torna o sistema suscetível a despachos de geração térmica fora da ordem de mérito e muito dependente das próximas estações chuvosas para recuperar o equilíbrio estrutural em situações hidrológicas críticas como as vivenciadas nos últimos anos na região Nordeste;”

Que análise crítica o ILUMINA pode apresentar?

  1. A avaliação do ONS é a última etapa de um processo que se inicia no planejamento que, institucionalmente, é realizado pela EPE e pelo MME. Dada a singularidade do nosso sistema, que exige simulações da operação na fase muito anterior do planejamento, fica evidente uma fragmentação de visões e de responsabilidades. O ONS apenas mostra problemas operacionais não percebidos na fase de planejamento e sugere mudanças.
  2. Para diagnosticar o problema, O ONS faz uma análise sobre o nível de regularização do sistema que, a nosso ver, carece de fundamento.

A figura abaixo mostra como irá evoluir a capacidade de armazenamento do sistema em função da energia máxima que pode ser estocada e o equivalente em meses de consumo.

O texto do PEN cita o fato de que não estamos mais construindo usinas com reservatórios como uma das causas da redução desse estoque estratégico essencial para gerir variações da hidrologia.

O que parece não ter sido percebido é que, por exemplo, caso necessitássemos elevar esse estoque de 5 meses para 6 meses de consumo, isso equivaleria a um incremento de 20% na capacidade de armazenagem. Para se ter uma ideia desse volume, todos os reservatórios do Rio São Francisco representam 18% da reserva atual total. Portanto, parece que essa solução não será mais viável, pois como achar locais na Amazônia capazes de formar reservatórios assim tão grandes? Se o Brasil expandir sua carga como previsto (3,8% a.a), a cada 5 anos precisaríamos um “rio São Francisco”.

  1. Como já mostramos aqui, as eólicas do Nordeste começam a competir com as térmicas. Isso fica evidente no gráfico abaixo.

Observar que as eólicas geram mais nos mesmos meses onde as térmicas são mais exigidas. Além disso, a complementariedade eólica solar ainda não foi percebida nesse ensolarado país.

Portanto, aqui se observa mais uma falha do planejamento que não considera esses benefícios sistêmicos, já que a filosofia do modelo é a individualização das fontes, mesmo num singular sistema físico cooperativo.

  1. Assim, toda essa “vizinhança” com crises parece nos mostrar que os critérios de avaliação da segurança precisam ser urgentemente revistos. Um sistema dessa natureza não pode continuar com “certificados” de energia fixos. Os sintomas estão mostrando que não há mais sentido em ter uma espécie de cartório que, antecipadamente, emite um valor fixo de energia para cada usina, esse valor ganha um viés comercial imutável e o mundo mercantil se afasta cada vez mais do mundo físico.
  2. É preciso urgentemente reavaliar o chamado “custo de déficit”. Como o racionamento de 2001 nos ensinou (parece que não aprendemos), quando o preço de curto prazo atinge valores muito altos, parte da indústria desliga suas máquinas e passa a “vender” o direito de consumir energia. Um tipo de mercado negro de MWh. Portanto, no sentido econômico, o déficit de energia começa antes do momento crítico imaginado no planejamento.
  3. É preciso urgentemente reconhecer o efeito sistêmico benéfico da geração solar distribuída, que, inversamente ao que temos lido dizem certas autoridades, não recebe subsídios. Muito ao contrário, a geração distribuída “subsidia” outros consumidores ao reduzir sua demanda por energia.

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