Dinheiro não vem de Marte

Como num setor tão básico e essencial para toda uma sociedade é possível ocorrer lucros estratosféricos sem que isso seja um sinal de alerta? O ilusório popular ajuda bastante. As pessoas imaginam que, no mercado chamado “livre”, consumidores telefonam para produtores e encomendam MWh. As usinas produzem exatamente aquela energia que é entregue ao comprador através dos fios.

Nada mais fantasioso. Na verdade, nem nos sistemas de base térmica, onde usinas produzem com um combustível e podem ser ligadas e desligadas, essa imagem é real. Imaginem num sistema onde o “combustível” são os imprevisíveis fluxo dos rios, o vento e o sol?

A revista EXAME, na sua edição de 2018 “MELHORES E MAIORES” abre seu texto com a seguinte frase:

A paulistana FOCUS, que atua na compra e venda de energia, parece ter descoberto uma mina de ouro.”

Exagero da revista? A empresa citada tem apenas 8 empregados e, apesar de ter pequenas usinas (5,6 MW), se tivesse lucrado o que lucrou (US$ 462,1 milhões!) com a venda da energia dessas pequenas centrais hidráulicas, elas seriam as mais caras usinas do planeta! Imaginado um lucro de R$ 200/MWh, ela transacionou mais de 1000 MW médios em 2017. Quase duas usinas de Furnas! Só mesmo no Brasil!

Na realidade, como qualquer comercializadora, ela não produz e nem transmite a imensa maioria dos kWh negociados. Ela é uma intermediária e, num país que se preocupa com um setor tão essencial, suas vendas líquidas assustam qualquer um: US$ 462,1 milhões! US$ 58 milhões por empregado!! Mas, estamos no Brasil e, aqui, ela  ganha um destaque de uma revista de economia.

Como é possível ter esse lucro no setor de energia elétrica? Será que a Focus descobriu um produtor de energia elétrica que utiliza uma tecnologia revolucionária?

Claro que não! O problema é que o sistema brasileiro é uma singularidade no planeta. Aqui, motivado pelo modelo mercantil adotado, uma usina vende energia sem gera-la! Vamos repetir: Usinas podem vender energia que não geraram!

No modelo brasileiro, vendas e compras de energia são apenas títulos financeiros. Na realidade, negociam certificados burocráticos que podem ter pouco a ver com a energia gerada. Essa configuração cria a possibilidade de capturas de rendas circunstanciais que surgem num sistema de base hidroelétrica num clima tropical. Como se não bastasse, ela atua num nicho do mercado que recebe subsídio dos outros consumidores (consumidores especiais).

Essa é parte da explicação de que, segundo a EXAME, as maiores no setor de energia são comercializadoras (em vermelho) com rentabilidades inacreditáveis! Ou seja, o caso da FOCUS não é único.

 

Lá do outro lado, as tarifas do mercado regulado, aquele que contrata o longo prazo e viabiliza investimentos, estão cada vez mais caras.

Se os consumidores não desconfiarem de nada, vem mais lucro de um lado e prejuízo do outro.

Abaixo o texto da revista, infelizmente, em formato de imagem.

 

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