Duas Polêmicas

Duas polêmicas sobre uma falsa ortodoxia obrigatória. O das agências, chega a ser uma piada. Alguns acham que não interessa se as leis são justas ou injustas. Se favorece um grupo, bota a Agência Reguladora, paga com dinheiro da sociedade, para brigar com o Governo. Ao invés de discutir a estabilidade de regras usando um critério de justiça, discutem o poder das agências.





POLÊMICA (J. Comércio 1/2/2004)



Queda de braço com o Governo traz de volta o temor com o excesso de poder nas mãos do Executivo


Rolo compressor nas agências reguladoras
Rodrigo Nery


Enquanto empresários e o mercado financeiro vêem com apreensão as mudanças no papel das agências reguladoras, representantes da sociedade civil consideram natural a transferência de parte das atribuições das agências aos ministérios. A Organização Não-Governamental (ONG) Ilumina, que reúne especialistas do setor elétrico e representantes da sociedade civil, entende que não há esvaziamento das agências, mesmo com a transferência do poder de concessão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o Ministério de Minas e Energia (MME).

Segundo Roberto Pereira, técnico e integrante de um grupo de estudo criado pelo Ilumina para discutir as mudanças nas agências reguladoras, o poder concedente nunca pertenceu à Aneel.
­ A Constituição diz que o poder concedente pertence apenas à União. Era apenas delegado à Aneel. A rigor, no final, o poder concedente era sempre a União ­ afirma.

Entidades como a Associação dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) encaminharam documento ao Governo federal criticando o “excesso de poder” nas mãos do Executivo.
Embora até o momento somente a Aneel já tenha sofrido redução de poderes, o Governo já sinaliza a extensão das mudanças que levará às demais agências. Segundo o subchefe de Coordenação de Ação Governamental da Casa Civil, Luiz Alberto Santos, existe projeto que determina às agências que preparem relatórios periódicos, passem por consultas e audiências públicas, criem novas ouvidorias e melhorem as existentes.

O projeto também cria contratos de gestão entre as agências e seus respectivos ministérios, com metas a serem cumpridas. Santos disse que o projeto será enviado ao Congresso até o dia 19 de fevereiro e o Governo espera que seja aprovado ainda no primeiro semestre. “O poder concedente será devolvido aos ministérios de cada área”, disse.

A 6ª Rodada de licitação de áreas para a exploração e produção de petróleo e gás já conta com maior participação do Ministério de Minas e Energia (MME), que definiu, junto com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), os blocos que serão concedidos. Para o diretor-geral da Agência, Sebastião do Rêgo Barros, a medida não significa um esvaziamento da ANP, mas outro projeto em curso pode retirar poderes da autarquia.
­ O novo modelo prevê a criação de uma Empresa de Planejamento Energético. Em uma primeira leitura, esta medida iria trasnferir para a empresa algumas atribuições que hoje são da ANP, como a definição de áreas e datas para licitações ­ disse.

Para o presidente da Apine, Eric Westberg, o ano de 2004 corre o risco de repetir 2003, quando praticamente não houve investimentos em geração de energia.

Westberg lembra que grandes companhias como a Alcoa, a Alcan e a Camargo Corrêa anunciaram revisão dos planos de investimentos em geração de energia, devido às incertezas quanto ao novo modelo.


ONG sugere foco na qualidade das leis


O técnico da Organização Não Governamental (ONG) Ilumina, Roberto Pereira ­ que integra um grupo de discussão criado pela ONG para discutir as agências reguladoras ­ argumenta que o foco da discussão sobre o papel das agências deveria ser sobre a qualidade das leis que regulam os setores regulados e, não, sobre a extensão do poder e da autonomia das agências. O mercado, no entanto, mostra-se preocupado com a centralização do poder de decisão nas mãos do Executivo.

Pereira lembra que um estudo realizado pelo Banco Mundial identificou apenas 10 países, entre os 25 que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mantêm agências reguladoras independentes: Austrália, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos (EUA), França, Inglaterra, Irlanda, Itália, Portugal e República Tcheca.

­ Países como Finlândia, Holanda, Noruega e Suécia têm agências ligadas a ministérios, e outros como a Áustria, a Alemanha, o Japão, a Nova Zelândia e a Suíça nem mesmo têm agências, embora tenham sistemas elétricos privados ­ afirma.

Mercado de energia fica mais opaco


O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Maurício Corrêa, afirma que o modo como o Governo lida com as áreas reguladas tem sido a principal causa de retração de investimentos, sobretudo em geração de energia, setor que não apresentou projetos novos em 2003.

As agências foram criadas com a finalidade de oferecer mais transparência aos setores que regulam. A partir do momento em que o poder Executivo assume atribuições que eram das agências, o mercado fica mais opaco ­ afirma.

Para o superintendente de Renda Variável do BankBoston Asset Management e analista do setor de telecomunicações, Mário Quaresma, a repercussão negativa das intervenções do Governo nas agências foi ampliada, devido à comparação com o bom desempenho na área macroeconômica.

A mudança na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aconteceu em momento inoportuno, em que já se questionava a maneira como o Governo vinha tocando a parte microeconômica, os setores regulados. A parte macro vem sendo conduzida satisfatoriamente, pelo ministro Antonio Palocci, da Fazenda, mas a micro deixa a desejar ­ critica.

Quaresma lembra que a briga entre o Governo federal e a Anatel, no ano passado, quanto ao reajuste das tarifas de telefonia, acabou prejudicando o desempenho das ações de algumas companhias do setor. Enquanto o índice Bovespa fechou o ano com alta de 97%, as ações da Telemar PN subiram 75%, devido às indefinições sobre o reajuste. As ações da Brasil Telecom subiram apenas 24% no ano.
Maurício Corrêa aponta justamente o afastamento de Luiz Guilherme Schymura da presidência da Anatel como um dos sinais mais negativos dados pelo Governo federal.

A partir do momento em que a Anatel tinha um presidente com mandato homologado pelo Congresso Nacional, previsto para se encerrar em 2005, e o poder Executivo induz esse presidente a renunciar ao cargo, provoca-se certa desconfiança no mercado ­ assinala.
A opinião é partilhada por Quaresma, para quem a mudança deu a impressão de que o Governo vai adotar uma postura intervencionista no tratamento com as agências.

Ziller (Pedro Jaime, novo presidente da Anatel) é uma pessoa competente, mas, na entrada dele, ficou aquela impressão de intervencionismo direto, que aumentou a incerteza sobre a regulação ­ avalia.





DIRETO AO PONTO (Carta Maior 1/2/2004)



PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.


27/1/2004


Ortodoxia de galinheiro sob ataque ­ agora em inglês


George Soros critica políticas monetária e fiscal, e os ortodoxos de galinheiro que povoam o Ministério da Fazenda e o Banco Central tremem da cabeça aos sapatos.


“O Brasil tem sido excessivamente comportado e está seguindo políticas monetária e fiscal ortodoxas demais. A equipe econômica está demasiadamente ansiosa em ganhar respeitabilidade no mundo financeiro.” Foi o que disse o megainvestidor George Soros, em Davos, há poucos dias. Soros recomendou que o governo brasileiro aproveitasse a conjuntura de liquidez internacional abundante para estimular o crescimento da economia.


As declarações causaram uma certa sensação na imprensa brasileira, mas não são inteiramente surpreendentes. Soros não é adepto da ortodoxia de galinheiro que prevalece no Brasil desde a década passada.


Conhecemos as fragilidades do brasileiro. Tudo que é dito na língua de Shakespeare ­ e ainda mais por um eminente financista ­ logo adquire ares de profunda e ameaçadora sabedoria. Imagine, leitor, a reação em Brasília. As agências noticiam com grande destaque as afirmações do megainvestidor. O impacto é imediato: pânico nos gabinetes. Os ortodoxos de galinheiro que povoam o Ministério da Fazenda e o Banco Central tremem da cabeça aos sapatos. Soube-se, por fonte segura, que de alguns lábios pendia a célebre “baba elástica e bovina da pusilanimidade”.


O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também presente em Davos, encarregou-se de rebater as críticas de Soros. Meirelles teve um instante de inspiração: “Respeitamos e ouvimos as opiniões de todas as pessoas. Agora, tal qual outras pessoas de sucesso (sic), pautamos nossas avaliações pelos resultados. E os resultados do Brasil são excelentes”.


Excelentes! Em termos de crescimento econômico, o Brasil registrou no ano passado uma das piores performances, provavelmente a pior, entre os principais países em desenvolvimento, como comentei em artigo publicado nesta coluna em dezembro (O presidente e os economistas, Agência Carta Maior, 2 de dezembro de 2003). Desde então, novas informações indicaram que o crescimento de alguns países importantes foi ainda maior do que se previa. Estima-se agora que a China, por exemplo, tenha crescido 9,1% em 2003. A estimativa do crescimento da Argentina também foi revista para cima, de 7,3% para cerca de 8 %.


No Brasil, o mercado de trabalho continua uma calamidade, pelo menos nos grandes centros urbanos. O desemprego e a informalidade aumentaram, os salários reais caíram. Os dados do IBGE, referentes às seis principais regiões metropolitanas do país, mostram que a taxa média de desemprego aberto aumentou de 11,7% entre março e dezembro de 2002 para 12,5% no mesmo período de 2003. A renda média sofreu redução de nada menos que 12,9% em termos reais. O número de empregados no setor privado com carteira assinada diminuiu em termos absolutos, passando a representar 43,5% do total dos ocupados em dezembro de 2003.


Esses resultados “excelentes” se devem, em larga medida, a políticas fiscais e monetárias exageradamente apertadas. Não há dúvida de que nas condições herdadas pelo governo Lula superávits fiscais primários expressivos e taxas de juro elevadas eram inevitáveis. No entanto, como se podia perceber já no primeiro semestre do ano passado, a dosagem aplicada foi excessiva. Os cristãos novos do new PT ficaram ansiosos, como comentou Soros, em obter a aprovação do mundo financeiro. Os trabalhadores brasileiros pagaram o pato.


Alguma recuperação da produção deve acontecer em 2004. Mas a retomada do crescimento, em ritmo suficiente para mudar a face do mercado de trabalho, não virá por geração espontânea. Dependerá da disposição do governo e do Banco Central de diminuir as taxas de juro básicas e o spread bancário, induzir alguma depreciação cambial, flexibilizar a política fiscal e ampliar o investimento público. Lamentavelmente, a área econômica do governo dá às vezes a impressão de que acredita já ter feito a sua parte, garantindo a estabilidade monetária e a confiança do mercado. Agora caberia aos empresários retomar os investimentos e impulsionar a economia. É a receita para manter o país na estagnação ou, na melhor das hipóteses, em ritmo de crescimento medíocre.


Mas a esperança não morreu. Soros e alguns outros integrantes representativos do mundo financeiro internacional começam a criticar o baixo dinamismo da economia brasileira, que não cresce de forma sustentada há mais de 20 anos. Afinal, quem vai investir numa economia cronicamente estagnada?


Em Brasília, a ortodoxia de galinheiro pode ser levada a rever alguns conceitos.


Paulo Nogueira Batista Jr., economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, é autor do livro “A Economia como Ela É …” (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002). Escreve às terças-feiras na Agência Carta Maior. E-mail: pnbjr@attglobal.net



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