Energia ficará mais barata para pequena empresa – O GLOBO

Análise do ILUMINA: Muita gente, ao ler essa notícia, que foi a manchete da primeira página do jornal, deve imaginar o seguinte diálogo:

– Alô, é da usina Armazém do KWh?

– É sim senhor.

– Quanto é que está o MWh de vocês?

– Atualmente estamos cobrando R$ 100 por MWh.

– Ok! Eu queria encomendar 20 MWh aqui pra minha padaria. Você pode entregar?

– Claro! Depois do seu pagamento, basta me passar seu endereço e um pacote de 20 vai chegar ai na sua tomada.

 

Essa é a impressão que uma reportagem como a abaixo pode passar para a sociedade. Nada como ser superficial para passar um retrato de algo que não existe.

Nem nos países de base térmica, onde não há a singularidade de hidroeletricidade com reservatórios isso ocorre.

No nosso sistema essa narrativa assume um tom de histórias de cinderela. Senão vejamos:

  1. Somos um país de clima tropical e isso significa hidrologias muito variáveis, portanto gerações de hidroelétricas muito variáveis.
  2. Quando temos um ano muito chuvoso, as hidráulicas geram muita energia e, portanto, seria uma sandice não substituir a oferta térmica por hidroeletricidade.
  3. Nesse cenário idílico do diálogo, usinas térmicas jamais seriam construídas no Brasil, porque o risco de não ter como vender porque sua geração não é necessária é muito alto.
  4. Assim, a primeira coisa que a reportagem poderia esclarecer é que nenhuma usina brasileira vende a energia que gera. Para viabilizar as térmicas, o “jeitinho” brasileiro foi inventar um certificado por usina que representa o pedaço da energia total do sistema atribuído a ela.
  5. Esse certificado não está nem no manual da turbina e nem do gerador. É uma conta de escritório, modelo matemático subjetivo que simula o funcionamento “médio” do sistema.
  6. Portanto, nenhuma usina pode dizer que é a geração dela que chegará ao cliente. Na realidade, não há compra direta dos geradores. No meio das complexas relações muitos “comercializadores” que atuam principalmente no curto prazo.
  7. Esse mercado livre já funciona com grandes consumidores e representa cerca de 25% do consumo total.
  8. Quantas usinas foram construídas para atender esse mercado? Zero! Por que?
  9. Abaixo a figura mostra o comportamento dos preços do livre e o das distribuidoras.

  1. A curva azul é o preço de referência no livre. A vermelha o preço médio do setor residencial no mercado das distribuidoras.
  2. Fora o susto de 2008, a energia (kWh) no livre esteve bem abaixo de 25% do preço do kWh para os “meros mortais” por quase 10 anos! Só depois de 2013 é que o mercado livre pagou preços semelhantes aos nossos. Com preços tão baixos, para que contratar usinas??
  3. Por que isso? Por defeitos do sistema. Quando a hidrologia é exuberante ou há sobra, só o mercado livre se aproveita. E dai? Sem problemas??
  4. Num país cuja demanda por energia pode crescer 20 TWh em um ano, o equivalente a 3 usinas de Furnas, a pergunta é quem contrata o longo prazo?
  5. Até agora, as distribuidoras é que garantiam a expansão com contratos. O livre ia de carona. Se o livre vai se expandir, a pergunta fica ainda mais forte. Quem garante o longo prazo?

Compra será direta de geradores  

Se mudança passar, 24 mil clientes terão economia de R$ 2 bilhões por ano

A reforma do setor elétrico em gestação no governo prevê que pequenas empresas e estabelecimentos comerciais poderão comprar energia diretamente dos geradores, sem passar pelas distribuidoras, o que permitirá reduzir custos. Especialistas dizem que, se o Congresso aprovar, até 24 mil empresas poderão ser beneficiadas, reduzindo seus custos de energia em R$ 2 bilhões por ano. Terão acesso ao mercado livre os que tiverem contas mensais de R$ 15 mil.

-BRASÍLIA- Após encaminhar ao Congresso Nacional a privatização da Eletrobras, o governo prepara uma ampla reforma na legislação do setor elétrico, com foco principalmente na forma como a energia é comercializada. A mudança mais importante será no mercado livre, no qual consumidores podem adquirir energia diretamente dos geradores. O projeto também inclui uma proposta para resolver o impasse bilionário do risco hidrológico (quando as usinas hidrelétricas produzem energia abaixo do previsto em contrato). E vai estender para transmissoras de energia, além da Eletrobras, um novo modelo para a indenização devida desde 2012. A reforma praticamente desmonta as mudanças adotadas durante o governo de Dilma Rousseff.

As mudanças previstas no mercado livre de energia devem beneficiar principalmente pequenas empresas e estabelecimentos comerciais. Segundo estimativas do setor, se as mudanças forem aprovadas no Congresso, até 24 mil empresas poderiam migrar para este mercado, com um potencial de redução de custos de energia de R$ 2 bilhões por ano.

No modelo brasileiro, a venda de energia é dividida entre dois tipos de mercado: o regulado (no qual os consumidores são abastecidos por meio das distribuidoras) e o livre. É este último que o governo quer alterar e permitir uma abertura lenta e gradual até 2026. No mercado livre, os contratos de compra e venda são negociados livremente entre consumidores e geradores. É possível, portanto, escolher de quem se vai comprar a energia. Nessa negociação, são definidos preço e duração dos contratos, de forma a tornar a compra da energia mais vantajosa para os consumidores.

Atualmente, há dois tipos de consumidores livres: os tradicionais e os especiais. No primeiro grupo, estão grandes consumidores, com contratos de energia acima de 3 mil quilowatts (kW), como montadoras, siderúrgicas e outras grandes indústrias. No grupo dos especiais, o contrato é de 500 kW a 3 mil kW. São empresas de pequeno e médio portes — como shoppings, supermercados e hotéis.

Agora, o governo decidiu abrir o mercado livre para todos os consumidores de alta tensão até 2026. Esse limite também deve recuar para 1 megawatt (mW) em 2020. A proposta é que os limites sejam reduzidos ano a ano, até chegar ao piso de 75 kW em 2026, ou uma conta mensal de cerca de R$ 15 mil nos valores de hoje. Isso vai permitir que pequenos comércios passem a contratar energia diretamente dos geradores. Dessa forma, o consumidor escolhe de quem vai contratar a energia, e dá direito a uma negociação de duração de contratos e de valores — o que deixa o preço da energia mais barato.

A explicação de técnicos do governo é que essa abertura gradual vai garantir a sustentabilidade do modelo. Apesar de ampliar o alcance, o governo decidiu não contemplar o consumidor residencial e de baixa tensão. O argumento é que não há dados que permitam avaliações mais profundas sobre o benefício em incluí-lo e falta informação a respeito do mercado livre. Por outro lado, o governo deve incluir um item na reforma para conduzir estudos sobre os efeitos de uma eventual abertura total do mercado, incluindo consumidores residenciais.

A Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel) fez projeções baseadas em uma abertura parcial do mercado livre até 2028. Segundo o estudo, as mudanças propostas permitiriam a migração de cerca de 24 mil empresas, com potencial de economizar R$ 2 bilhões por ano — uma redução custos de cerca de 15% em relação ao que é pago às distribuidoras.

A proposta está sendo finalizada pela equipe técnica do Ministério de Minas e Energia e deve ser encaminhada ao Congresso por meio de projeto de lei ainda neste mês. As linhas gerais do texto foram colocadas em consulta pública que recebeu dezenas de contribuições. Alguns pontos da reforma, contudo, já foram incluídos no projeto de lei que trata das regras para a privatização da Eletrobras. É o caso de mudanças no contrato de usinas que tiveram as concessões renovadas durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

O governo também incluiu na proposta os termos de um acordo para acabar com uma disputa bilionária em torno do risco hidrológico. Esse texto deveria ter sido publicado junto com a medida provisória 814, que permite a privatização da Eletrobras, mas acabou não saindo.

Historicamente, as hidrelétricas geravam energia acima do mínimo previsto nos contratos. Quando isso acontecia, elas vendiam o excedente no próprio mercado regulado ou a consumidores no mercado de curto prazo, no qual a energia é mais cara. Desde 2013, porém, com a seca e a escassez de água nos reservatórios, as hidrelétricas geram energia abaixo do mínimo previsto, tendo de comprar a diferença no mercado livre para honrar os contratos. Com o aumento da demanda, o preço dessa energia disparou; algumas geradoras entraram na Justiça e conseguiram liminares para não ter de pagar parte dessa conta adicional.

Essas ações judiciais têm feito com que liquidações de operações do mercado de eletricidade realizadas mensalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apresentem elevados níveis de inadimplência desde meados de 2015. As liquidações promovem pagamentos e recebimentos entre as empresas. Na operação referente a dezembro, a CCEE arrecadou R$ 1,97 bilhão dos R$ 9,49 bilhões contabilizados. Do valor não pago, R$ 6,04 bilhões (64%) estão relacionados com liminares do risco hidrológico.

O projeto traz os termos de um acordo para que as ações se encerrem, e o mercado seja destravado. O projeto permite estender por até 15 anos as concessões de usinas que decidam aderir à proposta e desistam das ações na Justiça. O Executivo quer tirar do risco hidrológico, de forma retroativa, o que não está relacionado com falta de chuvas. É uma compensação por medidas adotadas por governos anteriores que não estavam relacionadas à seca, como as limitações de transmissão de energia por atrasos em obras e subsídios dados às usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte. Neste caso, para obter o menor preço no leilão e tentar reduzir a tarifa, o governo permitiu que elas vendessem mais energia do que produziam à custa de outras hidrelétricas. A outra compensação será pela situação que ocorre quando o governo obriga as usinas a produzirem menos energia do que poderiam para preservar reservatórios.

O projeto também inclui a possibilidade de que as tarifas de energia elétrica de todos os consumidores do país variem de acordo com o horário do consumo da eletricidade nas residências e no comércio. A intenção é implementar tarifas mais caras nos horários de pico de consumo, como no fim da tarde, e preços mais baixos nos momentos em que a demanda por eletricidade é menor, como na madrugada. Essa medida está sendo implementada, aos poucos, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas não é prevista na legislação do setor.

O governo decidiu, ainda, estender para outras transmissoras além da Eletrobras uma mudança na forma como são pagas as indenizações devidas desde 2012, durante o governo Dilma. A dívida bilionária que os consumidores de energia pagam mensalmente a transmissoras poderá ter seu prazo prorrogado de oito anos para até o fim das concessões, em 30 anos. Na prática, isso reduziria a parcela paga por ano, mas pode ampliar o valor total desembolsado em até R$ 30 bilhões por causa das correções monetárias, como mostrou O GLOBO na semana passada. Hoje, essa mudança está atrelada ao processo de privatização, mas o Executivo vai permitir a adesão de outras concessionárias — como Cemig, Cteep e CEEE.

 

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