Furnas e sócios gastam R$ 419 mi em 16 eólicas que não saíram do papel – Estadão

Análise do ILUMINA: A manchete têm um sutil viés. Dada a frequência com que isso ocorre, o nosso comentário deve salientar essa tendência.

Se, por acaso, alguém compra um produto de uma empresa e ele não é entregue, certamente esse consumidor denunciará a empresa e seus sócios controladores. Estranhamente, na reportagem abaixo, o jornal Estado de São Paulo é célere em identificar o fracasso, não do controlador da empresa, mas do acionista minoritário, no caso, a estatal Furnas Centrais Elétricas.

Estamos tratando de complexos eólicos de Punau, Baleia e Pau Brasil – todos no Ceará e no Rio Grande do Norte que falharam em entregar a energia que foi planejada e onde Furnas é MINORITÁRIA.

Na verdade, esse viés revela outra “jabuticaba” brasileira. A estatal é minoritária, mas, dada sua expertise e estrutura administrativa, acaba sendo a “responsável” pelo sucesso do empreendimento. Afinal, que experiência concreta tem um banco na construção de eólicas? Portanto, o Brasil criou uma novidade em composição acionária. O sócio majoritário controla a empresa, mas não é responsabilizado por nada!

Como se sabe, com algumas exceções, órgãos de imprensa apoiam a privatização de quase tudo no Brasil. Portanto…

Nem o fato de que um dos sócios MAJORITÁRIOS ser a famosa J&F, a holding brasileira pertencente à família Batista, envolvida em suspeitas relações com o poder público, interessou ao jornal. Também não houve muito destaque para falência da empresa argentina Impsa, que devia fornecer 300 turbinas eólicas e deixou uma dívida de R$ 3,2 bilhões, em 2014. Também não houve muito interesse em questionar a razão da necessidade de parcerias com estatais por parte do setor privado tão reverenciado como empreendedor!

Como se pode perceber ao ler a reportagem, o importante é rotular o fracasso como uma “ineficiência” estatal. Afinal, a sociedade brasileira ainda pensa que o setor elétrico é estatal, quando, na realidade é MAJORITARIMENTE privado. A reportagem abaixo reforça esse engano.



Dinheiro não serviu para acender uma lâmpada sequer nos complexos no Ceará e no Rio Grande do Norte que a estatal planejava erguer com a J&F e o BMG

Especial

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

10 Setembro 2018 | 05h00

O crescimento da energia eólica no País esconde o fracasso de uma série de empreendimentos de Furnas Centrais Elétricas SA. A subsidiária da Eletrobrás detinha 49% de três complexos com 16 centrais eólicas cujos investimentos previstos somavam R$ 1,25 bilhão. Tudo devia estar funcionando até 2017. Ao todo, desde 2012, a estatal e seus sócios – a J&F e o Banco BMG – aportaram R$ 337 milhões nas empresas, mas o dinheiro não acendeu uma lâmpada sequer.

No fim, os sócios foram obrigados a pagar mais R$ 81,8 milhões de multas para desfazer os contratos de venda da energia que prometiam fornecer e, assim, não arcar com multas que chegariam a R$ 240 milhões. E assim tiveram as outorgas das 16 centrais cassadas pela Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os dados são da própria estatal. Furnas informou que o fracasso dos empreendimentos está ligado à falência da empresa argentina Impsa, que devia fornecer 300 turbinas eólicas no País por meio da Wind Power Energia (WPE) e deixou uma dívida de R$ 3,2 bilhões, em 2014. A estatal informou que ela e seus sócios pagaram por aerogeradores que não foram entregues.

Parte do pagamento foi feita pouco antes de a Impsa entrar com pedido de recuperação judicial, em 2014. O Estado apurou que JBS e Furnas alegaram que quem devia ter verificado a saúde da empresa eram as seguradoras que emitiram apólices para a Impsa, além das garantias oferecidas pelo BNDES. Como a empresa argentina apresentou as apólices, o consórcio não viu razão para não fazer os pagamentos. Um desses pagamentos envolvia R$ 170 milhões e foi alvo de uma disputa resolvida por meio de arbitragem na Câmara de Comércio Brasil-Canadá.

Furnas e seus sócios foram à Justiça para receber o seguro pela não entrega dos aerogeradores. Receberam R$ 112 milhões por meio de um acordo com a Zurich Seguros pelo complexo de Punau. E obtiveram outros R$ 69 milhões pelo atraso das obras em Pau Brasil. Um terceiro processo corre na Justiça sobre o complexo de Baleia – a disputa envolve cerca de R$ 120 milhões.

Os R$ 181 milhões em indenizações não cobrem o que foi aportado por Furnas e seus sócios nas Sociedades de Propósito Específico (SPEs) criadas para gerir empreendimentos. É que, somando aportes e multas, colocaram R$ 419,15 milhões nos complexos eólicos de Punau, Baleia e Pau Brasil – todos no Ceará e no Rio Grande do Norte.

“A Aneel não reconheceu a quebra da Impsa como motivo de força maior”, disse a advogada especialista no setor elétrico Laura Souza, do escritório Machado Meyer. E não prorrogou os prazos das obras. Se as empresas não tivessem participado do leilão de descontratação de energia, a multa seria maior.

Sigilo. No caso de Pau Brasil, apesar dos sócios aportarem R$ 97,34 milhões, relatório da Superintendência de Fiscalização dos Serviços de Geração da Aneel diz que, desde a insolvência da WPE, nenhuma alternativa de fornecimento de equipamentos foi apresentada, sendo que “as obras nem sequer foram iniciadas ou mesmo evidenciada a instalação de canteiro de obras”.

O fracassou frustrou a criação de empregos em Icapuí, no Ceará. “Estavam previstos 12 parques eólicos na cidade, mas só seis (da Vale) foram feitos”, diz o secretário de desenvolvimento e Trabalho da cidade, Iran Félix.

O BMG não se manifestou. A J&F informou que não pretende retomar os empreendimentos.

 

 

 

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