GSF – General Shaming Factor

Roberto Pereira D’Araujo

Vivemos uma época onde termos em inglês parecem atribuir um grau de sabedoria a quem usa. Hoje é difícil encontrar um texto da área econômica onde não se esbarre com “Compliance”, “CEO”, “Downsizing”, “Benchmark” e tantos outros.

Mas, no caso do Generating Scaling Factor (GSF), o anglicismo que vai nos custar quase R$ 10 bilhões, ele deveria nos encher de vergonha (Shame em inglês), pois revela a inacreditável colonização de mentes que foi disseminada no nosso setor elétrico.

O GSF é simplesmente a sequela de um mimetismo de modelos que não se encaixam no sistema físico brasileiro. Trata-se de um déficit de geração de energia nas usinas hidráulicas. Quando não conseguem gerar uma quantidade especificada por um certo modelo matemático, a “garantia física”, precisam comprar a diferença de outras usinas. É o chamado risco hidrológico. Quando um problema climático ou um erro de modelagem faz com que todas as usinas fiquem deficitárias, adivinhem de quem têm que comprar? Das caras térmicas! Adivinhem quem vai pagar? Você!

Imagine se fosse exigido das usinas eólicas um “risco ventania”! Prever afluências de rios brasileiros não é tão bizarro, mas envolve também muita incerteza dado que até questões planetárias sobre as mudanças climáticas estão envolvidas. Mas, o problema não é só esse!

O nosso sistema foi construído sobre rios de planalto e grandes reservatórios foram formados. No passado, quando esse volume de armazenamento equivalia a dois anos de consumo, essa incerteza permanecia dissimulada. Mas a demanda por energia dobrou em 20 anos e não conseguimos expandir a capacidade de reserva na mesma proporção, até porque não temos mais situações semelhantes às do passado. Portanto, a incerteza se ampliou. Mas, o problema não é só esse!

Como o território é de grandes latitudes, há hidrologias não coincidentes entre as regiões, o que é ótimo, pois um período seco no sudeste pode ser compensado por um período úmido no sul e vice versa. Por isso temos o sistema de transmissão em longa distância que fazem viagens virtuais de usinas por quilômetros. Para aplicar o mimetismo de sistemas de base térmica montamos uma espécie de “clube” das hidráulicas. Assim, usinas que têm sobra de geração cedem esse excesso para usinas que têm déficit sobre todo o território nacional. Portanto, é evidente que as linhas de transmissão são parte essencial desse clube. Quando essa expansão da rede não se dá como planejado, surgem os gargalos e o “clube” começa a ter déficits insanáveis. Mas o problema não é só esse!

O tal certificado de “Garantia Física” foi definido por um modelo de simulação em datas diferentes e gerou leilões onde preços foram definidos a partir daqueles certificados. Só que o sistema se alterou e os critérios de operação mudaram. Na realidade, esses certificados deveriam ser revistos, mas como representam interesses comerciais, não foram. As usinas não são responsáveis pelo certificado e, certamente, há um viés otimista neles. Mas o problema não é só esse!

Os donos das usinas não decidem a sua geração. Ao contrário de todos os sistemas competitivos reais, a geração de uma usina nada tem a ver com seus contratos de fornecimento. O grande exemplo dessa excentricidade mercantil brasileira foi o cancelamento dos contratos iniciais em 2003 que deixou usinas da Eletrobras gerando energia sem “vender” energia! É isso mesmo! No Brasil isso acontece! Portanto, o esvaziamento de um reservatório pode se dar independente de algum exagero nos contratos de venda. Mas o problema não é só esse!

O nosso sistema é singular. Como lida com um estoque de energia, é administrado por expectativas de futuro. Quando há uma redução de cenários otimistas, é preciso acionar as energias complementares, que, no nosso caso são usinas térmicas. No imaginário comum, térmicas parecem ser a grande “amiga” para os reservatórios. Verdade para as térmicas baratas. Com as térmicas caras o inverso ocorre. Ao se contratar térmicas a óleo e diesel, de custo de geração elevado, elas são computadas como oferta de energia, mas até que o sistema atinja o equivalente ao seu custo, quem gera no lugar delas são as hidráulicas. Portanto, como nos últimos anos houve uma expansão térmica de alto custo, o parque hidráulico assistiu impotente a mais uma obrigação. Gerar no lugar delas! Mas o problema não é só esse!

Os cenários não são sempre deficitários. Seja por bondade de São Pedro, seja por excesso de oferta, usinas hidráulicas também geram acima de sua garantia física. Basta dizer que o “clube” das hidráulicas gerou 253 GW médios acima do seu certificado de 2004 até 2012. Energia equivalente a 184 TWh ou 1/3 do nosso consumo total anual. Muita energia! A pergunta óbvia é: o que acontece quando esse saldo ocorre? Há algum tipo de compensação para o seu simétrico, o déficit? A inacreditável resposta é não! Essa energia hidráulica acima da garantia é liquidada por valores irrisórios no mercado livre. Traduzindo, as hidráulicas não compensam déficits com saldo.

Para evitar mais um “mas o problema não é só esse”, como sempre, nós, os consumidores, entramos em cena. Qual é a solução proposta para um déficit de GSF que já caminha para R$ 9 bilhões de reais? O período de concessão das usinas será estendido. Traduzindo, para disfarçar que não haverá aumento de tarifa além dos que já estão programados, nós vamos pagar por mais tempo.

Assim, estamos avançando celeremente para termos as maiores tarifas entre os países que contam com hidroeletricidade com um modelo desastroso. O problema é esse e é nosso! Ninguém aponta o modelo como desastroso, pois muitos se aproveitaram dos defeitos e, dessa confusão, duas vítimas: O consumidor e a Eletrobras.

Shame on you, Brazil!

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