Guerra judicial amplia ‘mercado secundário’ no setor elétrico – Valor

Análise do ILUMINA: Quem disse que energia não é mercadoria? Não só é mercadoria como está virando uma espécie de “mercado negro”.

  • A reportagem mostra a inadimplência bilionária que ocorre nesse nicho de mercado onde coisas incríveis acontecem sem a mínima transparência. Experimente ficar “inadimplente” com sua conta de luz para ver o que acontece!
  • Agravando o quadro, mas não sendo a única explicação, o GSF (Generation Scaling Factor), um dos anglicismos que adotamos ao implantar a fórceps um sistema incompatível com o mundo físico do setor brasileiro. Simplificadamente, um déficit de geração. 
  • As liminares obtidas pelas usinas que não conseguem gerar sua “garantia física” são totalmente justificadas, pois, o “certificado”, além de não ser responsabilidade exclusiva da usina, é um parâmetro repleto de subjetividades.
  • Sendo impossível explicar a GF, dada a sua complexidade, basta dizer que ela depende do custo do déficit, da taxa de desconto do futuro, da estrutura de custos do parque térmico, do critério de operação e da data da usina, já que o sistema se alterou significativamente nos últimos 20 anos.
  • Além disso, como já explicamos por diversas vezes, o GSF, agora negativo, passou por anos extremamente positivos, ou seja, as hidráulicas geravam muito acima de sua GF. Por incrível que pareça, o modelo brasileiro “energia é mercadoria” não fez compensações financeiras entre essas duas situações opostas.

Como as informações sobre o que acontece no setor são superficiais, a preferência fácil é dizer que há uma “ineficiência” da Eletrobras. A sociedade, já treinada diariamente, aceita muito bem a ideia de culpar uma estatal, mesmo com o setor MAJORITARIAMENTE PRIVADO E COM O SISTEMA DE MERCADO ESCOLHIDO E ACEITO PELOS AGENTES QUE, HOJE, RECLAMAM.

Fácil! A conta vai cair no bolso do consumidor, o Brasil continuará sendo o recordista de tarifas altas entre os países que contam com hidroeletricidade e FICA TUDO POR ISSO MESMO!


 

Por Camila Maia e Rodrigo Polito

O mercado à vista de energia, que todo mês faz o acerto entre devedores e credores na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), acumula uma inadimplência de R$ 6 bilhões até novembro, último mês de liquidação. A explicação para essa inadimplência bilionária é a guerra de liminares do déficit de geração hídrica (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês). Os devedores, amparados pela Justiça, não pagam seus débitos na CCEE, porque entendem que parte da exposição do GSF não é de responsabilidade exclusiva deles. Sem muitas alternativas, os credores encontraram em um “mercado secundário” a saída para não quebrar.

As empresas que têm créditos a receber na CCEE estão vendendo os recebíveis a investidores que passaram a financiar o setor e assumiram os riscos do calote. Isso tem ajudado a evitar a quebra dessas empresas menores, com menor caixa disponível para fazer frente ao risco. Em contrapartida, os investidores estão exigindo descontos maiores em relação aos créditos adquiridos.

Por exemplo, se um credor tem R$ 100 milhões a receber, pode vender por R$ 90 milhões para outro investidor que seja agente registrado da CCEE. Isso é feito por meio de um contrato na própria câmara. O investidor passa, com isso, a ser o credor dos R$ 100 milhões, com a expectativa de conseguir também algum tipo de juros e remuneração no recebimento, quando houver a normalização do mercado.

Segundo uma fonte, o desconto aplicado aos contratos de energia revendidos a outros agentes na CCEE chegou a uma faixa entre 12% e 13%, mas caiu recentemente, devido ao aumento da demanda por energia.

Quando há uma expectativa maior de que o governo vá conseguir derrubar as liminares – seja por meio de um acordo, ou pela via judicial -, a tendência é que o spread recue. O cenário é oposto quando aumenta a percepção de risco, e os agentes passam a exigir um desconto maior para ficar com os recebíveis.

Na última liquidação do mercado à vista de energia, feita no início de janeiro e referente a novembro, foram arrecadados R$ 2,5 bilhões dos R$ 10 bilhões contabilizados, inadimplência de 75%. Do total não pago, R$ 6 bilhões se referem às liminares do GSF. Como há também muitos credores com liminares garantindo a prioridade no recebimento dos créditos, aqueles desprotegidos receberam apenas 8% do que tinham direito.

A comercializadora do BTG Pactual é um destaque nesse cenário, ao ser atualmente credora de mais de R$ 1,5 bilhão dos R$ 6 bilhões protegidos por liminares, apurou o Valor. O banco tinha R$ 1,750 bilhão a receber na liquidação de novembro, mas embolsou menos de R$ 200 milhões, ficando ainda com R$ 1,575 bilhão a receber.

A maior parte da posição do banco se deve à sua estratégia de comercialização de energia. No início do ano passado, o BTG Pactual já previa que, devido à hidrologia, os preços de energia no mercado à vista iriam subir consideravelmente no segundo semestre do ano, e montou uma posição comprara para esses meses.

O cenário se concretizou, os preços subiram, e a comercializadora do banco acabou tendo um faturamento elevado com a venda da energia. No entanto, como as comercializadoras de energia não têm liminar que garanta a prioridade no recebimento dos créditos, o BTG acabou recebendo apenas uma parcela do que teria direito.

Uma fatia menor desses créditos foi comprada de outros agentes também credores, que não queriam ou podiam assumir o risco de esperar a normalização do mercado de energia. Outros agentes, como grandes comercializadoras que, assim como o banco, têm posição de caixa robusta e conseguem aguardar a derrubada das liminares, também passaram a comprar créditos com desconto.

Essa prática sempre existiu no mercado à vista de energia, pelo fato de que as liquidações são feitas sempre dois meses depois da negociação em si. Como é um mercado de baixa liquidez, os credores que precisam dos recursos imediatamente acabam vendendo os créditos para outros. Os descontos, porém, foram crescendo junto com a guerra de liminares do GSF.

Aqueles que compram os recebíveis com desconto, como é o caso do BTG, acabam agindo como agentes financiadores para outros menores, porque têm porte para aguentar a inadimplência das liminares por um período mais longo, na aposta de que, quando receberem, os valores serão ajustados por taxas de juros, além da recomposição da inflação.

Nos últimos anos, surgiram várias iniciativas que visavam desenvolver o mercado livre de energia, mas a baixa liquidez sempre foi um obstáculo. Segundo agentes ouvidos pelo Valor, também é necessária a criação de um ambiente mais robusto de garantias, com uma câmara de compensações (“clearing house”) que consiga lidar com a grande volatilidade dos preços de energia.

A judicialização e o crescimento da inadimplência relacionada ao risco hidrológico são prejudiciais ao mercado de energia, por afastarem potenciais investidores. Ao mesmo tempo, porém, o cenário acabou ajudando a desenvolver o mercado à vista, uma vez que muitos agentes tomaram medidas para limitar as perdas e até mesmo desenvolveram estratégias para lucrar com essa volatilidade.

Além da venda dos créditos para outros investidores, há outras iniciativas que deixaram o mercado à vista de energia com mais cara de um “mercado financeiro”. É o caso, por exemplo, de contratos semelhantes a derivativos, que são vendidos pelas comercializadoras aos seus clientes para protegê-los da volatilidade dos preços e da exposição ao risco hidrológico.

Enquanto não houver em ambiente mais seguro e com maior liquidez, porém, esse mercado terá um limitador. Até o momento, a maior parte dos contratos continuam sendo lastreados em contratos físicos de energia, sendo ainda registrados na CCEE.

 

  3 comentários para “Guerra judicial amplia ‘mercado secundário’ no setor elétrico – Valor

Deixe um comentário para pietro erber Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *