Hoje em Dia 18/07/99 Privatizações aumentam desemprego Elizeu Lopes Repórter O compromisso firmado pelo Governo federal com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para privatizar o setor elétrico …


Hoje em Dia 18/07/99


Privatizações aumentam desemprego


Elizeu Lopes Repórter


O compromisso firmado pelo Governo federal com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para privatizar o setor elétrico compromete a soberania nacional porque prioriza os interesses internacionais em detrimento dos interesses nacionais. A denúncia é da procuradora do Estado, Carmem Lúcia Rocha, integrante da Comissão Especial de Assuntos Avançados Constitucionais e Legais presidida pelo ex-procurador-geral da República José de Castro Ferreira, que analisa os aspectos jurídicos da privatização de Furnas. Carmem Lúcia adianta que a comissão, constituída pelo governador Itamar Franco, já chegou à conclusão que as águas situadas nos estados são bens dos estados. Ela acha que a venda de Furnas será difícil porque, pela primeira vez, os brasileiros conhecem um compromisso formal assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso com o Fundo Monetário Internacional. Condena a política de privatizações levada adiante pelo Governo federal e afirma que todas as empresas privatizadas já aumentaram os seus serviços. "A empresa privada não tem, como a empresa pública, a obrigação de garantir os serviços públicos essenciais, levando-se em conta a capacidade econômica de cada um", diz. Segundo Carmem Lúcia, o neoliberalismo beneficia apenas os grupos empresariais que ficam cada vez mais ricos, a economia mundial transformou-se num grande cassino, e a fome é incompatível com a justiça. Carmem Lúcia Rocha é procuradora do Estado desde 1982. É professora de Direito Constitucional da PUC-MG e membro da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Já fez, no Brasil e no exterior, mais de 200 conferências. Nasceu em Montes Claros, é solteira e formou-se em Direito na PUC em 1977.



A senhora participa da Comissão Especial de Assuntos Avançados Constitucionais e Legais (CEPMG) que analisa as privatizações, principalmente a de Furnas. Já existe um parecer?


Não. A comissão que é presidida pelo ex-procurador-geral da República, José de Castro Ferreira, acabou de ouvir autoridades como Aureliano Chaves, Pinguelli Rosa e Marcelo Siqueira sobre as causas e conseqüências das privatizações no setor de energia elétrica.


E o relatório, quando fica pronto?


Eu e o professor José Alfredo de Oliveira Baracho vamos entregar o relatório ao presidente José de Castro Ferreira para ele fazer a formalização final do parecer e depois entregá-lo ao governador Itamar Franco.


O que a comissão já concluiu?


Que as águas são do domínio dos estados porque, situadas em seus territórios, são bens dessas pessoas e não podem ser objeto de um cuidado exclusivo da União.


Quer dizer que as águas não são bens da União?


Não. As águas situadas no território dos estados são bens dos estados, conforme prevê o artigo 26 da Constituição Federal. São bens da União apenas os rios que banhem mais de um estado ou que sirvam de limite com outros países.


E quando os rios são da União, o Governo pode fazer o que quiser?


Não. Ele só pode agir articuladamente com os estados, onde estes bens fluviais se situam. Isto porque a federação brasileira, concebida na Constituição de 1988, concretiza-se na busca do equilíbrio entre os interesses nacionais, regionais e locais. O Governo federal sozinho não pode decidir sobre a sorte de comunidades que vivem desses rios ou à margem desses rios e que têm ligações mais diretas com os governos estaduais.


Toda a produção de energia elétrica do Brasil depende dos rios?


Quase toda, 98% dependem dos rios. Só 2% dependem de outras fontes. Desde a primeira Constituição Brasileira, a de 1891, a questão da energia é tratada constitucionalmente porque depende do rio que é um bem público.


O Governo quer privatizar Furnas. Quer dizer que o lago também será privatizado?


Será. As águas do lago vão passar a ser de uso dos novos proprietários. A nova empresa passará a usar um bem que é de todo o povo brasileiro para atender aos seus interesses.


Neste caso as águas deixarão de ser um bem público? Ninguém vai poder usá-las?


Sim. As águas deixam de ter o uso público. Ou seja, o empresário que vier usar essas usinas passa a ter um direito particular sobre um bem público. O pior é que os grupos que estão adquirindo as empresas que são privatizadas têm como objetivo o lucro, o que é legítimo para a atividade econômica. Mas o Governo tem o dever de zelar e garantir o ganho social.


Quer dizer que com as privatizações do setor energético as populações mais carentes correm o risco de ficar sem energia, não ter luz em casa?


Sim. Todas as empresas privatizadas já aumentaram os preços dos seus serviços. Logo, quem não puder pagar, fica sem o serviço. A empresa privada não tem, como a empresa pública, a obrigação de garantir os serviços públicos essenciais, segundo a capacidade econômica de cada um.


Com as privatizações o Estado está abrindo mão do seu dever de prestador de serviços públicos?


Lamentavelmente sim. O que o chamado neoliberalismo tem de mais perverso é transformar o estado do bem estar social em estado Herodes, que mata as suas crianças, não dando a elas condições mínimas de saúde e de educação. Os beneficiados são apenas os grupos de empresários, cada vez mais ricos, nesse grande cassino que se transformou a economia mundial. O Estado prestador de serviços tem o dever de garantir os direitos sociais fundamentais para que todas as pessoas tenham direito de igualdade. O desempregado não tem garantida à sua dignidade. A fome é incompatível com a Justiça.


As privatizações podem agravar a crise social?


As privatizações estão aumentando o número de desempregados. Também aumentaram o número de brasileiros pobres e miseráveis. Paralelamente, a dívida externa aumentou nos últimos cinco anos de US$ 70 bilhões para US$ 300 bilhões.


A política de privatizações do Governo Fernando Henrique Cardoso seria, então, um equívoco?


Na semana passada o governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB), dizia que não sabia quem tinha o comando do Governo Fernando Henrique Cardoso. Se nem ele que é do mesmo partido do presidente, o PSDB, amigo e companheiro do presidente sabe, o que dirá um de nós brasileiros.


Mas as privatizações são um equívoco?


Que é um equívoco, eu tenho a convicção que sim. Se é do Governo dele ou de quem tem o comando…..


O presidente garantiu, ao anunciar o programa de privatizações, que o dinheiro arrecadado seria para abater na dívida externa. Por que a dívida cresceu de US$ 70 bilhões para US$ 300 bilhões em cinco anos? Em primeiro lugar, porque as empresas estão sendo vendidas por um preço muito inferior ao anunciado anteriormente e, seguramente, muito abaixo do que elas valem. O caso mais escabroso é o da Companhia Vale do Rio Doce. Inicialmente foi anunciado que a Vale seria vendida por US$ 28 bilhões e a empresa acabou sendo privatizada por US$ 3 bilhões. Só para socorrer os bancos o Governo gastou R$ 25 bilhões. Os juros da nossa dívida externa estão aumentando com os novos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI).


Voltando ao caso de Furnas. O Governo vai conseguir privatizá-la?


Acho que vai ser uma batalha judicial. A assembléia geral, para cisão de Furnas, já foi adiada duas vezes por decisão da Justiça.


Mas o Governo vai conseguir privatizar Furnas?


No caso específico de Furnas a questão é muito mais grave do que de outras privatizações. Isto porque, pela primeira vez, os cidadãos brasileiros conhecem um compromisso formal firmado pelo Governo brasileiro com o FMI para privatizar o setor elétrico, em atendimento aos interesses do próprio FMI.


O que significa o compromisso com o FMI?


Significa o comprometimento da soberania nacional. O compromisso prioriza os interesses internacionais em detrimento dos interesses brasileiros. Agride o princípio federativo impondo aos estados restrições aos seus bens fluviais. Persistir numa política de privatizações que já legou ao Brasil o apagão (blecaute) de fevereiro e esta confusão inexplicável da telefonia é impatriótico.


A conclusão da comissão pode dar subsídios ao governador para questionar, ou mesmo impedir, a privatização de Furnas?


Acho que sim. Os estudos da comissão, até agora, são no sentido de considerar as águas públicas indisponíveis. Sendo a energia elétrica gerada por Furnas dependente dessas águas, não se poderá ensejar a privatização da empresa sem alterar o regime dos serviços de energia elétrica e o comprometimento do uso público das águas. Além do mais, o processo de privatização, como está sendo feito, não contou com a indispensável participação dos estados membros, principalmente Minas Gerais, tornando-o inconstitucional, porque afronta o princípio da autonomia estadual.


O acordo de acionistas feito pelo Estado com a Southern, empresa norte-americana que adquiriu 33% das ações da Cemig, pode ser alterado?


Pode porque o Estado de Minas continua fazendo parte da Cemig e a Assembléia Legislativa não autorizou a transferência de controle da empresa. Então, o Estado pode ajustá-lo. A meu ver, adequá-lo à legislação vigente.


A senhora disse que as empresas de energia e de telefonia, que foram privatizadas, estão aumentando as tarifas e o atendimento aos usuários piorou. O serviço público no Brasil estaria sendo desmantelado? O Brasil vive um momento muito grave por causa da condução da coisa pública, que é deficiente e não corresponde às necessidades básicas do povo em termos de saúde, educação, segurança e justiça. Nós, brasileiros, não somos um povo fadado ao insucesso até porque o Brasil tem tudo para dar certo. Temos o que poucos povos tem: chão, céu, sol e água. Só falta uma coisa para o Brasil dar certo. A fé do brasileiro nele mesmo e a sua consciência de que o cidadão é o responsável pela história do seu país. E cidadão é cada um de nós. Não é nenhum herói ou super-homem. Portanto, se ao cidadão brasileiro, nesse momento mais grave, parece impossível superar a crise, é bom que ele comece a acreditar e a realizar o impossível porque, como dizia Betinho, o possível de uma forma ou de outra vai acontecer.

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