Professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da USP e-mail: cbermann@iee.usp.br Resumo Este estudo avalia a estratégia que vem sendo desenvolvida nos últimos anos pelos setores industriais eletrointensivos, de assegurar o suprimento de energia elétrica através da autoprodução. São consideradas como atividades industriais eletrointensivas as indústrias de cimento, ferro-gusa e aço, ferro-ligas, não-ferrosos e outros da metalurgia, química, papel e celulose. Tratam-se de setores produtivos que se caracterizam por consumir uma quantidade muito grande de energia elétrica para cada unidade física produzida. A recente crise energética tornou extremamente agudo o problema do suprimento para os ramos industriais eletrointensivos. Nessa medida, o presente trabalho busca avaliar em que condições a autoprodução pode ser identificada como uma real possibilidade de suprimento para a atual e futura demanda destes setores. Via-de-regra, as empresas que compõem estes setores buscam nos empreendimentos hidrelétricos a eletricidade necessária para satisfazer suas necessidades presentes e futuras. O estudo analisa como a legislação atual permite a apropriação privada de um bem público o potencial hidráulico, para ser utilizada de forma privada, se contrapondo à noção de interesse público que deveria orientar o processo de expansão do sistema elétrico nacional. Apresentação Os setores industriais eletrointensivos desempenham um importante papel nos estudos de previsão de demanda de energia elétrica no país. O presente trabalho busca avaliar em que condições a autoprodução pode ser identificada como uma real possibilidade de suprimento para a atual e futura demanda destes setores. Ainda, é levantada a atual legislação com respeito à figura do autoprodutor e são analisadas as questões sociais e ambientais que envolvem os empreendimentos energéticos conduzidos pelas empresas eletrointensivas que buscam assegurar as condições de suprimento exigidas por seus processos produtivos. 1. As indústrias eletrointensivas no Brasil A significativa participação dos setores produtivos eletrointensivos no consumo de eletricidade pode ser verificada ao longo dos últimos trinta anos, conforme o trabalho de investigação desenvolvido por este autor na Tese de Doutoramento “Os limites dos aproveitamentos energéticos para fins elétricos: uma análise política da questão energética e de suas repercussões sócio-ambientais no Brasil” (BERMANN, 1991). Considerando a evolução da capacidade instalada de produção destes ramos industriais no período 1968-1989, buscou-se neste trabalho de pesquisa apontar a articulação de interesses que se estruturam em torno do perfil eletrointensivo do parque industrial do país. Demonstrou-se a inexistência de autonomia no processo de planejamento com relação a essa articulação de interesses, tornando mais fácil a transposição das necessidades das empresas para necessidades de interesse público, e através deste viés, para necessidades do Estado. Ainda, foi analisado o papel que desempenham os setores produtivos eletrointensivos no processo de ampliação do parque de geração de energia elétrica no Brasil. A hipótese básica que orientou a reflexão identificava os interesses articulados nas empresas que compõem os setores produtivos eletrointensivos no Brasil como um importante vetor neste processo. 1.1 panorama atual Segundo os dados consolidados mais recentes (BEN, ano-base 2000, 2001), o setor produtivo eletrointensivo é responsável por 27% do consumo final de energia elétrica no Brasil, algo em torno de 85 mil MWh. A Tabela 1 que se segue, indica os dados referentes à evolução no Brasil da produção de setores industrias eletrointensivos selecionados ao longo dos últimos 15 anos. Considerando o consumo específico de cada setor produtivo, dado pelo número de KWh consumidos para cada unidade produzida (em toneladas), estes dados indicam a importância destes setores em termos da sua significativa participação na estrutura de consumo de energia elétrica do país. Produtos Consumo específico – Alumínio primário: 15.000 – 16.000 kWh/t – Aço bruto: 550-840 kWh/t – Ferroligas: 3.300-13.500 kWh/t – Celulose: 410-580 kWh/t – Papel: 620-870 kWh/t
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Alumínio primário |
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Aço bruto |
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Ferroligas à base de: | ||||
Manganês |
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Silício |
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Cromo |
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Níquel |
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Nióbio |
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Outros |
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Celulose |
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Papel |
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- Fonte: BRACELPA-Anuários Estatísticos: 1997-2000, 2001; ABAL-Anuário Estatístico:2000,
- 2001; MME/SSM-Secretaria de Minas e Metalurgia-Anuário Estatístico: 1995-99, 2000;
- ABRAFE-Anuários Estatísticos: 1995-2000, 2001; IBS-Anuários Estatísticos 1997-2000,
- 2001.
- nota: Dados para 1986 e 1989 extraídos de BERMANN, C. – “Os limites dos aproveitamentos
- energéticos para fins elétricos: uma análise política da questão energética e de suas
- repercussões sócio-ambientais no Brasil”. Tese de Doutoramento. FEM/UNICAMP, 1991.
- 2001; MME/SSM-Secretaria de Minas e Metalurgia-Anuário Estatístico: 1995-99, 2000;
Observa-se que, ao longo dos últimos 15 anos, a produção brasileira dos setores industriais eletrointensivos praticamente dobrou, como consequência de uma política industrial de apoio e incentivo a esta forma de inserção no mercado internacional, baseada na produção para exportação de bens primários de baixo valor agregado. Dentre os setores selecionados, apenas o setor de ferro-ligas manteve a sua escala de produção.
1.2 perspectivas futuras
Ainda, considerando as previsões de consumo de energia elétrica dos setores industriais eletrointensivos indicadas no Relatório Analítico de Mercado-Ciclo 2000 elaborado pelo CCPE/CTEM (maio/2001), apresentadas na Tabela 2, observa-se que, no seu conjunto, os setores eletrointensivos estão empenhados num expressivo processo de aumento da escala de produção, o que torna crucial a questão do suprimento de energia elétrica necessário para atender esta crescente demanda.
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Alumínio |
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Siderurgia |
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Ferroligas |
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Papel |
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Celulose |
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Petroquímica |
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Fonte: CCPE/CTEM – Relatório Analítico de Mercado, maio/2001.
No citado Relatório, o Cenário para Autoprodução elaborado pelo CCPE/CTEM (maio/2001) considera as parcelas de autoprodução dos empreendimentos de geração hidráulica e térmica (inclusive cogeração), incluindo as parcelas de autoprodução das usinas com potência instalada até 50 MW, não despachadas pela operação. A previsão é de um incremento da geração em regime de autoprodução da ordem de 13.000 MWh para 2005, e de mais 12.000 MWh até 2010.
2. A crise energética e a autoprodução
A recente crise energética tornou o problema do suprimento para os ramos industriais eletrointensivos ainda mais agudo. Um recente estudo do BNDES mostrou que a indústria do alumínio no país, formada por sete grandes empresas, foi uma das mais afetadas com o racionamento. O estudo mostrou que elas têm restrita capacidade de autogeração de energia e são altamente dependentes da energia comprada de concessionárias estatais. A indústria do alumínio tem um índice de apenas 12,7% de autogeração, enquanto que os segmentos de estanho têm índice de 86,9%, zinco com 76,3% e níquel-cobalto com 29,2%.
Conforme o citado Relatório elaborado pelo CCPE/CTEM (maio/2001), que avalia as taxas de crescimento do consumo dos setores eletrointensivos do ano de 2000 em relação a 1999, o setor de Alumínio apresentou um crescimento de 2,2%, o setor Siderúrgico 11,0%, o setor de Ferroligas 17,4%, o setor de Papel 3,3%, o setor de Celulose 10,2%, e o setor da Petroquímica 9,0%.
Entretanto, a perspectiva de ampliação do suprimento através da autoprodução também impõe obstáculos.
Alguns são de natureza financeira, uma vez que os investimentos na geração de energia elétrica são de capital intensivo. Segundo os empreendedores, o modelo clássico de Project Finance – PPA parece não ser o mais adequado para os empreendimentos de autoprodução, devido às novas condições impostas pela reforma tributária que penalizam o autoprodutor, na medida em que um novo Imposto Seletivo incorrerá nos contratos de compra de energia, seja da rede, seja da Sociedade de Propósito Específico de um empreendimento, não podendo ser repassado no produto final, ao contrário do ICMS atual. Dessa forma, um Project Finance com PPA não oferece atrativo para o investimento em autoprodução. Ainda, são poucos os bancos comerciais no Brasil dispostos ao financiamento, concentrando a demanda desses Projetos sobre o BNDES (MELLO,1999).
Ou seja, é o dinheiro público gerido pelo BNDES que está sendo utilizado para assegurar a viabilização dos empreendimentos energéticos conduzidos pelos setores eletrointensivos.
Trata-se de fundos públicos (25% dos recursos do BNDES tem sua origem no FAT-Fundo de Amparo ao Trabalhador), concedidos em condições extremamente vantajosas para os tomadores dos empréstimos.
3. O contexto institucional
Até 1995, quando a reestruturação do setor elétrico brasileiro foi iniciada, o papel desempenhado pelo Estado era determinante para garantir os investimentos necessários para expansão da geração. Hoje o processo de reestruturação do setor determinado pela privatização das empresas do setor (distribuição e geração) impõe novos contornos, exigindo uma profunda reformulação das estratégias que vinham sendo até então utilizadas.
Sob o ponto de vista dos novos instrumentos legais criados no processo de reestruturação do setor elétrico, cabe assinalar a promulgação da Lei das Concessões 8.987/95 e do Decreto 9.074/95, que regulamentaram o artigo 175 da Constituição, com o estabelecimento de normas para outorga e prorrogação de concessões
A Lei 8.987/95, dispõe sobre o regime concorrencial na licitação de concessões para projetos de geração e transmissão de energia elétrica. Os prazos para as concessões de geração foram fixados para um horizonte de 35 anos.
Por sua vez, a Lei 9.074/95 criou a figura jurídica do Produtor Independente de energia elétrica, posteriormente regulamentada pelo Decreto 2.003/96. Ela foi modificada por outras duas novas leis: Lei 9.427/96 e Lei 9.648/98, que estabeleceram as condições para a outorga de concessão ou autorização para o produtor independente.
Os Contratos de Concessão, estabelecidos pela Aneel a partir de 1997 com as empresas de geração, poderiam representar um poderoso instrumento para garantir a expansão do sistema elétrico. Entretanto, estas não foram suficientes para assegurar o ritmo de expansão desejado.
Alguns problemas podem ser identificados, o que aponta a necessidade de uma avaliação em torno da questão das condições de suprimento de forma a assegurar o ritmo de produção dos setores industriais eletrointensivos.
Por exemplo, verifica-se nos dias de hoje uma política tarifária que ainda mantém os subsídios cruzados, o que é absolutamente indesejável para um contexto que se pretende saudável, de prevalência das relações de mercado .
4. Considerações a propósito do perfil eletrointensivo brasileiro
Uma primeira questão pode ser revelada pela análise do destino da produção dos setores eletrointensivos em 2000, indicada na Tabela 3.
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Alumínio |
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Ferroligas |
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Siderurgia |
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Celulose |
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Papel |
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- Fonte: SMM/MME – Anuário Estatístico: 2000, 2001; ABAL – Anuário Estatístico: 2000,
- 2001; IBS – Anuário Estatístico: 2000, 2001; ABRAFE – Anuário Estatístico: 2000,
- 2001; BRACELPA – Estatísticas do Setor: 2000, 2001.
- 2001; IBS – Anuário Estatístico: 2000, 2001; ABRAFE – Anuário Estatístico: 2000,
Estes dados confirmam a forma pela qual a produção industrial brasileira está se inserindo no processo de globalização da economia internacional, limitando-se ao papel de mero exportador de produtos básicos de baixo valor agregado e elevado conteúdo energético. Com respeito ao setor de papel e celulose, é a produção de celulose que apresenta uma significativa parcela destinada à exportação, enquanto que a exportação do papel, de maior valor agregado, é menos significativa.
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Alumínio |
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Ferroligas |
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Siderurgia |
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Celulose |
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Papel |
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Total |
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(*) Cálculo estimado.
Em termos quantitativos, a energia elétrica incorporada nestes produtos é significativa pois representa 7,8% do consumo total de eletricidade no país (ano-base: 2000). Considerando a energia total consumida no país, esta parcela representa significativos 7%. Ainda, esta exportação consumiu 48,3% da eletricidade e 42% da energia total contida nos produtos produzidos pelos quatro setores aqui considerados (BERMANN, 2002).
Um segundo aspecto pode ser verificado pelos dados referentes à geração de empregos relacionados à estas atividades produtivas.
A Tabela 5 apresenta a relação que pode ser estabelecida entre o número de empregos de cada setor industrial e o respectivo consumo energético. O número de postos de trabalho que cada planta industrial é capaz de absorver é dado por um milhão de kWh de consumo de eletricidade (GWh), e por toneladas equivalentes de petróleo (tep).
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Alimentos e Bebidas |
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Têxtil |
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Prod. Químicos |
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Papel e celulose |
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Siderurgia |
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Cimento |
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Ferroligas |
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Alumínio primário |
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Elaboração própria
Estes dados permitem identificar as atividades industriais que se caracterizam por serem intensivas no consumo energético e com capacidade extremamente reduzida de geração de emprego: alumínio, ferroligas, cimento, siderurgia, papel e celulose, e em menor medida os produtos químicos.
Tratam-se de processos produtivos que consomem energia de forma significativa, colaborando para a pressão sobre os recursos naturais, ao mesmo tempo que o número de postos de trabalho criados por unidade de energia consumida se contrapõe à retórica da “geração de empregos”, comumente utilizada por essas empresas.
As evidências assinaladas devem ser consideradas no sentido da formulação de uma política industrial no Brasil, no âmbito das políticas públicas, que possam reverter este atual quadro que associa alto consumo energético com baixa geração de emprego.
5. Os projetos de usinas hidrelétricas para Autoprodução
Entretanto, as questões sociais anteriormente indicadas não estão sendo consideradas pela atual política industrial e energética brasileira.
Os dados apresentados na Tabela 6, que relaciona as usinas hidrelétricas que foram licitadas pela ANEEL e que tiveram empresas eletrointensivas como vencedoras, demonstram que, pelo contrário, é crescente a participação dos setores eletrointensivos nos projetos de implantação de usinas hidrelétricas para uso exclusivo, em regime de autoprodução.
Para a construção desta tabela foram considerados apenas os empreendimentos onde é possível identificar, de maneira explícita, a participação de empresas eletrointensivas, seja em consórcios ou individualmente. A indicação do regime de exploração, ou do destino da energia gerada, é apresentada de acordo com o estabelecido pela ANEEL.
Vale ressaltar que muitos dos consórcios vencedores aparecem sem a identificação das empresas que os constituem. Nessa medida, a relação apresentada pode não incluir alguns empreendimentos onde as empresas eletrointensivas também se fazem presentes.
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UHE Estreito |
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| Alcoa Alumínio, CVRD, Camargo Correia, BHB Billiton, Tractebel |
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UHE Caçu |
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| Alcan Alumínio |
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UHE Barra dos Coqueiros |
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| Alcan Alumínio |
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UHE Traíra II |
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| Alcan Alumínio |
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UHE Santa Isabel |
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| Billiton Metais; CVRD; Camargo Corrêa; Alcoa Alumínio e Votorantim Cimentos |
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UHE Pai Querê |
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| CPFL-Geração Energia; Alcoa Alumínio; Companhia Estadual de Energia Elétrica-CEEE; DME Energética e Votorantim Cimentos |
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UHE Pedra do Cavalo |
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| Votorantim Cimentos |
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UHE Salto Pilão |
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| CPFL-Geração Energia; Alcoa Alumínio; Camargo Corrêa Cimentos; DME Energética e Votorantim Cimentos |
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UHE Serra do Facão |
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| Alcoa Alumínio (50,4%); CBA (17%); DME Energética (10,1%) e Votorantim Cimentos (22,5%) |
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UHE Foz do Chapecó |
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| CVRD (40%) e Foz do Chapecó Energia (60%) |
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UHE Capim Branco I e II |
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| Cemig Capim Branco Energia (20%); CVRD (46%); Com. e Agrícola Paineiras (17%); Comp. Mineira de Metais (12%) e Camargo Corrêa Cimentos (5%) |
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UHE Picada |
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| Comp. Paraibuna de Metais (99%) e Paraibuna Energia (1%) |
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UHE Barra Grande |
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| VBC Energia (44,7%); Alcoa Alumínio (31,6%); Valesul Alumínio (10,5%); DM Energética (7,9%) e Camargo Corrêa Cimentos (5,3%) |
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UHE Candonga |
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| Companhia Vale do Rio Doce (50%) e EPP Energia Elétrica (50%) |
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continua |
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UHE Pirajú |
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| Companhia Brasileira de Alumínio S.A. |
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UHE Porto Estrela |
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| CEMIG; CVRD; COTEMINAS e NES |
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UHE Campinho |
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| Cia. Paraibuna de Metais |
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UHE Serra Quebrada |
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| Alcoa Alumínio; Billiton Metais; Eletronorte; Eletrobrás; Camargo Corrêa Energia e CVRD |
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UHE Irapé |
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| Camargo Correa; Alcoa; CVRD; Cemig |
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UHE Canoas I e II |
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| CBA (50,3%) e Cesp (49,7%) |
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UHE Itá |
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| CSN; Cia. Cimento Itambé; Poliolefinas; Cia. Industrial Propileno |
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UHE Guilman Amorin |
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| Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira (50%); Samarco Mineração (50%) |
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UHE Dona Francisca |
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| Alcoa (18,2%); Camargo Correa (15,7%); Cia. Cimento Votorantim (13,1%); Grupo Gerdau (13%); Celesc (15%); Inepar (25%) |
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UHE Machadinho |
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| Alcoa (19,7%); Eletrosul (17%); Celesc 12,1%); Camargo Corrêa (4,6%); CBA (9,3%); Ind. Votorantin (7,9%); Portland Rio Branco (7,9%), Valesul (7,3%), Inepar , Copel (4,3%), e CEEE (4,9%) |
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UHE Igarapava |
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| Cemig (14,5%); Cia. Mineira de Metais (20%); CSN (6%); CVRD (35%); Eletrosilex (13%) e Mineração Morro Velho (11,5%) |
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UHE Pai Joaquim |
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| Cimento Mauá e Cia. Minas Oeste de Cimento |
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UHE Sobragi |
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| Cia. Paraibuna Metais |
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UHE Funil |
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| Cemig; Andrade Gutierrez; Samarco; Ferro Ligas Domyni |
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UHE Melo |
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| Valesul Alumínio e Billinton |
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UHE Ponte Nova |
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| Grupo Fiat e Alcan Alumínio |
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UHE Baú |
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| Samarco Mineração |
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UHE Pilar |
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| Grupo Fiat |
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- n.d.: dado não disponível
- Fonte: ANEEL – Programa Indicativo de Licitação de Concessões, 1999-2002, 2002.
- ANEEL – Superintendência de Gestão dos Potenciais Hidráulicos/SPH – Relatório de
- Acompanhamento de Estudos e Projetos de Usinas Hidrelétricas, 31/janeiro/2001.
- ANEEL – Banco de Informações de Geração, 2002
- Fonte: ANEEL – Programa Indicativo de Licitação de Concessões, 1999-2002, 2002.
Trata-se de um total de 32 aproveitamentos hidrelétricos, com uma capacidade instalada total de 11.247,5 MW.
Considerando o período 1998-2002, o número de usinas hidrelétricas licitadas pela Aneel, desde o início de suas atividades (1998), alcança um total de 50, sendo que 18 destas usinas envolvem a participação de empresas industriais eletrointensivas. Ainda conforme os dados da Aneel (2002), este conjunto de empreendimentos hidrelétricos agregariam 12.123,6 MW à capacidade de geração do País. Os 18 empreendimentos acima referidos representam 6.152 MW, ou cerca de 51% do total.
6. O Regime de Autoprodução e a atual Legislação do setor elétrico brasileiro
O expressivo crescimento da autoprodução como regime particular de exploração do bem público – o potencial hidráulico – que se verifica nos últimos anos, encontrou num arcabouço regulatório pleno de lacunas e de conflitos, as condições para sua questionável afirmação.
A gênese da atual situação pode ser encontrada na Lei no 9.074, de 07 de julho de 1995, em seu Art.5o, onde está indicado que é objeto de concessão, mediante licitação de uso de bem público, o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 10.000 kW, destinados ao uso exclusivo de autoprodutor, resguardado direito adquirido relativo às concessões existentes.
Ainda, no Art. 18. da mesma lei, é autorizada a constituição de consórcios, com o objetivo de geração de energia elétrica para fins de serviços públicos, para uso exclusivo dos consorciados, para produção independente ou para essas atividades associadas.
De acordo com a Lei no 9648, de 27 de maio de 1998, foi alterado o regime de gerador hídrico de serviços públicos de energia elétrica para o de produtor independente, por meio da outorga de concessão de uso do bem público (o potencial hidráulico) a título oneroso em favor da União, com a cobrança de 2,5% da receita anual a ser auferida no prazo de cinco anos.
Por sua vez, a figura do autoprodutor foi definida pelo Decreto no 2003, de 10 de setembro de 1996. O Art. 27 indica que a outorga de concessão ou de autorização a autoprodutor estará condicionada à demonstração, perante o órgão regulador e fiscalizador do poder concedente, de que a energia elétrica a ser produzida será destinada a consumo próprio, atual ou projetado.
O regime de autoprodução considera a geração de energia não como uma mercadoria de comércio (produtor independente), mas como um insumo para a atividade do autoprodutor, pois ele produz para seu próprio consumo. Dessa forma, segundo o princípio que o fundamenta, o autoprodutor deixaria de consumir a energia do sistema público, e este ganharia uma folga. Por essa via, ampliar-se-ia a oferta sem o emprego de recursos públicos.
Ainda, o Art. 28. do mesmo decreto prescreve que, mediante prévia autorização do órgão regulador e fiscalizador do poder concedente, será facultada:
I – a cessão e permuta de energia e potência entre autoprodutores e consorciados em um mesmo empreendimento, na barra da usina;
II – a compra, por concessionário ou permissionário de serviço público de distribuição, do excedente da energia produzida;
III – a permuta de energia, em montantes economicamente equivalentes, explicitando os custos das transações de transmissão envolvidos, com concessionário ou permissionário de serviço público de distribuição, para possibilitar o consumo em instalações industrias do autoprodutor em local diverso daquele onde ocorre a geração.
No entanto, para alguns juristas a própria licitação para autoprodução é passível de contestação. Conforme SOUTO (1998), “não cabe licitar o aproveitamento de um potencial admitindo a participação de concessionários de serviços públicos, produtores independentes e autoprodutores, já que estes últimos não podem repassar para as tarifas (porque não as cobram) os custos com a geração de energia; a energia é insumo para o autoprodutor e mercadoria para o concessionário de serviço e para o produtor independente”.
Entretanto, o autoprodutor, identificado como produtor de geração elétrica predominantemente destinada a seu uso próprio, pode comercializar, eventual e temporariamente, seus excedentes de energia, mediante autorização da Aneel.
Ainda, a Resolução Aneel no 371, de 29 de dezembro de 1999, regulamentou a contratação e comercialização de reserva de capacidade por autoprodutor e produtor independente para atendimento, total ou parcialmente da unidade consumidora conectada a suas instalações de geração por meio de rede elétrica de uso exclusivo. Foi definido como reserva de capacidade o montante de MW, requerido dos sistemas de transmissão e distribuição quando da ocorrência de interrupções ou reduções temporárias na geração do autoprodutor ou produtor independente, e que ela deveria ser contratada por um período mínimo de um ano e ser limitada a 30 MW, sendo também definida a fórmula de cálculo do valor mensal a ser cobrado nos contratos.
Mas a ANEEL, através do Decreto no 2003 já mencionado, acabou por atribuir ao produtor independente ou autoprodutor um desmedido benefício. Conforme o Art. 30 deste decreto, a requerimento justificado do interessado, o poder concedente poderá declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, de terrrenos e benfeitorias, de modo a possibilitar a realização de obras e serviços de implantação de aproveitamento hidráulico ou de usina termelétrica, cabendo ao produtor independente ou autoprodutor interessado promover, amigável ou judicialmente, na forma da legislação específica, a efetivação da medida e pagar as indenizações devidas.
Este encargo do poder concedente já havia sido definido pelo art. 29, parágrafos VIII e IX, da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, mas somente com a Lei 9648, de 27 de maio de 1998, em seu Art. 10o, ficou estabelecido que cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica.
Há que se questionar a legitimidade da expropriação para fins de atividades consideradas privadas, seja na condição de produtor independente ou para fins de consumo exclusivo. A argumentação utilizada para justificar tal providência se refere ao entendimento de que a implantação de unidades geradoras de energia elétrica, qualquer que seja o regime de exploração, redundam na ampliação da capacidade de atendimento à demanda nacional, atendendo portanto o interesse público envolvido. No caso específico da autoprodução, as novas unidades geradoras representariam a disponibilização de quantidades de energia que seriam necessariamente destinadas ao atendimento das necessidades desses segmentos industriais interessados. Ainda, o interesse público seria também observado pelo incremento das receitas públicas, geração de empregos e melhoria das condições de vida da população.
Entretanto, os dados apresentados no presente estudo revelam que tratam-se de empreendimentos que apenas asseguram a ampliação da capacidade de produção de cada uma das empresas eletrointensivas envolvidas. Dessa forma, não existe a decantada folga para o sistema público. Pelo contrário, as usinas hidrelétricas licitadas para o regime de autoprodução na verdade subtraem do sistema público a desejável ampliação da oferta.
Cabe também assinalar que a licitação de um empreendimento hidrelétrico é sempre precedida de decreto da Presidência da República, dispondo sobre sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização-PND, para os fins da Lei no 9.491, de 9 de setembro de 1997, que alterou os procedimentos relativos ao PND.
Na constituição do consórcio e na indicação da energia elétrica gerada, muitas empresas eletrointensivas aparecem como produtor independente, muito embora a destinação da energia gerada seja para o consumo próprio.
É o caso da UHE Serra do Facão, cuja licitação foi ganha por um consórcio constituído pelas empresas Alcoa (produtor independente), Votorantim Cimentos (produtor independente), CBA (autoprodutor) e DME -Depto. Municipal de Eletricidade de Poços de Caldas/MG (produtor independente).
No entanto, em petição à Secretaria de Acompanhamento Econômico (Cf. Parecer no 460-COGSI/SEAE/MF, 03/12/2001), as próprias empresas requerentes indicaram o interesse pela energia elétrica gerada pela Usina Serra do Facão da seguinte forma: para consumo cativo: 16,97% para a CBA; 22,5% para a Votorantim Cimentos; 50,43% para a Alcoa; e para comercializar, os 10,1% restantes para a DME.
Ou seja, a ANEEL não está observando, na elaboração dos contratos de concessão, a real destinação da energia que será produzida. Este procedimento acaba por favorecer as empresas envolvidas na concessão, na medida em que a energia, em princípio a ser gerada para o consumo próprio, pode se tornar uma fonte de renda a ser auferida pela comercialização da energia no sistema interligado nacional.
Apesar disso, em diversas oportunidades as empresas eletrointensivas têm se manifestado através de seus órgãos de classe (ABRACE; ABAL; etc.) solicitando a retirada da exigência da licitação para autogeração de energia elétrica. Para elas, a exigência definida pela Lei no 9.074/95, “desestimulou a realização de estudos por empresas interessadas em gerar a própria energia”.
7. Conclusões e Recomendações
A autoprodução, concebida para assegurar uma disponibilidade energética que é apropriada única e exclusivamente por uma empresa (ou por um consórcio de empresas), o faz em detrimento do interesse público.
O presente estudo demonstrou a amplitude com que as usinas hidrelétricas licitadas para o regime de autoprodução na verdade subtraem do sistema público a desejável ampliação da oferta. Este processo encontra na atual legislação as condições para sua questionável afirmação.
Faz-se necessária a revisão do atual arcabouço legal, notadamente no que se refere ao Decreto no 2003, de 10 de setembro de 1996, modificando o Art. 27 de forma a restringir a outorga da concessão a autoprodutor, condicionando a energia elétrica a ser produzida apenas e tão somente ao consumo próprio atual, e eliminando a possibilidade de outorga à demanda projetada. Ainda, o Art. 30 deste decreto também deve ser alterado, de modo a não incluir o autoprodutor como beneficiário do ato de declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação.
A atual legislação, que considera todos os empreendimentos de geração como produção independente, deve ser revista. Ao retirar o caráter de serviço público que prevalecia antes da reestruturação do setor, no caso das usinas hidrelétricas, ela permite que o bem público representado pelo rio possa ser apropriado para responder a necessidades de natureza privada, no sentido estrito do termo.
As empresas e o governo deverão respeitar os direitos das populações atingidas, não se utilizando do uso de pressão ou coação, para forçar as famílias a saírem das terras ou aceitarem as negociações. Trata-se de garantir os direitos das populações atingidas em assegurar a reconstrução das suas condições de vida.
Particular atenção deve ser dada aos contratos de fornecimento de energia elétrica estabelecidos entre a Centrais Elétricas do Norte do Brasil-ELETRONORTE e seus clientes preferenciais ALUMAR; ALBRÁS/ALUNORTE, cuja vigência expira em 2004.
Com a ALUMAR a ELETRONORTE celebrou o Contrato no PR/PPM-F.006/83 em 07/10/1983, de fornecimento à refinaria de alumina, iniciado em 01/12/1983, com vigência até 30/06/2004; e o Contrato no PR/PPM-F.001/80 em 09/09/1980, de fornecimento à redução de alumínio, iniciado em 07/04/1984, também com vigência até 30/06/2004, e cláusula especial de faturamento nos termos da Portaria MME-GM no 1654, de 13/08/1979.
Por sua vez, com a ALBRÁS a ELETRONORTE celebrou o Contrato no PR/PPM-F.002/80 em 19/11/1980, de fornecimento à refinaria de alumina e à redução de alumínio, iniciado em 01/07/1985, com vigência até 31/05/2004, e cláusula especial de faturamento nos termos da Portaria MME-GM no 1654, de 13/08/1979.
Estes contratos prevêm cláusulas especiais que definem limites tarifários correspondentes a 20% do preço internacional do alumínio. Ou seja, tratam-se de valores de tarifa impostos à empresa pública (Eletronorte) pelo mercado internacional, garantindo assim a pretensa “competitividade” da mercadoria energo-elétrica nacional. Estima-se um prejuízo de US$ 200 milhões por ano para a Eletronorte, por conta dos privilégios tarifários mantidos por estes contratos.
O futuro Governo deve se precaver das pressões que certamente serão exercidas pelas empresas beneficiadas, no sentido da manutenção de seus privilégios por mais tempo. Não faltarão ameaças às instâncias do aparelho estatal através de expedientes como “greve de investimento”, reduzindo a produção ou transferindo-a para o exterior, obrigando assim o Governo a agir na previsão de tais possibilidades para evitá-las.
Num sentido mais amplo, faz necessário uma reorientação da atual política industrial, de forma a restringir os investimentos no aumento da capacidade de produção das plantas industriais eletrointensivas para, posteriormente, reduzir a produção ou reorientá-la para o mercado interno, redirecionando para a exportação de bens de maior valor agregado.
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