Mais tiros no pé


No mundo das grandes empresas privadas, se um CEO (Chief Executive Officer) decide repetidamente fazer superávit de caixa adiando investimentos, perdendo mercado, não pagando dividendos, e ainda piora a relação dívida/receita da empresa fatalmente será demitido pelo conselho de administração. Mais grave ainda será sua situação se, nas apresentações ao conselho,mentir sobrea estratégiaefetivamenteaplicada na empresa. O governo, na sua esquizofrenia não tratada, obriga suas empresas exatamentea esse papel. Na primeira notícia, o surpreendentemente poderoso Joaquim Levy desmente o discurso do Presidente em Nova York. Fazemos nossos o comentários de Clóvis Rossi, logo a seguir.





Arrocho vai afetar estatais, alerta Levy (Tribuna da Imprensa 24/09/04)



BRASÍLIA – As empresas estatais federais poderão ter de fazer uma economia maior este ano para ajudar o governo a juntar mais R$ 4,2 bilhões para cumprir a nova meta fiscal. Apesar de o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ter declarado que o esforço adicional seria completamente absorvido pelo governo, a ajuda não está descartada. “A participação destas empresas é importante e não há razões para rejeitar, preliminarmente, uma participação maior das estatais”, disse ontem o secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy.


Já o ministro do Planejamento, Guido Mantega, afirmou que a nova meta de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) não passará a ser o “piso” das futuras metas fiscais.


As estatais, principalmente a Petrobras, sempre tiveram participação importante na política de ajuste fiscal. Dos R$ 71,5 bilhões previstos para serem economizados este ano, até a mudança anunciada na quarta-feira, R$ 11,5 bilhões seriam acumulados por essas empresas. Nominalmente, o governo ainda não sabe qual será a nova meta de 2004. O novo valor só será conhecido, precisamente, no fim do mês, quando o Instituto Brasileiro de geografia e Estatística (IBGE) divulgará o valor nominal do PIB, o que permitirá ao governo calcular quanto dinheiro precisará ser economizado para cumprir a nova meta.


Para Levy, a elevação da meta fiscal fortalecerá o ambiente de investimento no País. “Qualquer coisa que melhore o ambiente econômico só vai ajudar o investimento, que já está crescendo e vai melhorar ainda mais”, afirmou. Na avaliação do secretário, a decisão de aumentar o aperto fiscal não é contraditória ao discurso do governo Lula, que reiteradamente tem alertado para a necessidade de aumento dos investimentos para garantir a sustentabilidade do crescimento econômico. “Não é contraditório. É coerente com a necessidade da política econômica”, disse.


O ministro do Planejamento, por sua vez, negou que a mudança representará um novo nível de ajuste fiscal no País. “Não criamos piso nenhum. É uma situação específica deste ano”, afirmou Mantega. Para ele, o aumento do superávit primário (receitas menos despesas, sem contar gastos com juros) não foi adotado com o intuito de interferir na política de juros do Banco Central. Mesmo assim, o ministro admitiu, assim como Palocci, que a decisão terá seus reflexos na política monetária. “Não tem nada a ver com os juros, mas é claro que a decisão cria cenários melhores para todas as políticas”, afirmou.


Levy concordou com a análise. “Não sei dizer se abre espaço para queda dos juros, mas na medida em que fortalecemos a economia (o superávit maior) é um elemento de tranqüilidade e orientação para o crescimento”, disse.


Petróleo


Levy demonstrou preocupação com a elevação dos preços do petróleo no mercado internacional. “Nas última semanas, o preço tinha dado uma arrefecida e agora deu uma subida muito forte. Parece que houve uma deterioração no Iraque”, comentou o secretário. Segundo ele, esses são fatos novos que merecem consideração. Para o secretário, o mercado de petróleo entrou numa “direção menos benigna”, citando essa nova alta do petróleo como “alguns dos desenvolvimentos novos” que existem na área de preços.





CLÓVIS ROSSI (Folha de SP 24/09/04)



Bravata de súdito



SÃO PAULO – Do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao criticar o “novo colonialismo” em discurso nas Nações Unidas, em Nova York:


“Os antigos súditos converteram-se em devedores perpétuos do sistema econômico internacional”.


Bom, a partir dessa frase, o brasileiro de boa-fé acreditaria piamente que, na volta ao Brasil, o presidente daria ordens a sua equipe para começar a modificar a situação de “devedores perpétuos do sistema financeiro internacional”, certo?


Errado, porque os discursos em que Lula parece o Lula pré-eleição não passam de “uma homenagem protocolar ao passado”, para utilizar frase piedosa de editorial do jornal “O Globo” na edição de ontem.


Ao voltar ao Brasil, o que Lula fez foi o inverso: aceitou a tese de aumentar o já obsceno superávit fiscal primário (receitas menos despesas, fora juros), o que significa comportamento de súdito subserviente.


Com isso, dinheiro que deveria ir para os arquinecessários investimentos sociais ou em infra-estrutura vão em quantidade ainda maior para pagar uma dívida que todo o mundo sabe que é impagável.


O superávit fiscal gerado até agora não foi capaz de reduzir a dívida como porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto, medida da renda de um país). Pior: em dinheiro vivo, a dívida só faz aumentar.


Ao explicar que, com o dinheiro da economia adicional do governo, daria para fazer a transposição do São Francisco, a Folha usou uma comparação fraca.


O mais adequado seria dizer que, manter indefinidamente superávits fiscais extraordinários, significa não ter dinheiro para a transposição do Brasil da posição de país de desenvolvimento humano médio para país de desenvolvimento humano elevado, como deveria ser o objetivo férreo de qualquer governo e de qualquer cidadão decente.


Não é uma questão ideológica, mas de aritmética elementar, da qual o governo (e os fundamentalistas de mercado) foge sempre, a não ser na retórica para consumo externo.



Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *