MP destrava venda de distribuidoras, mas não resolve o ‘risco hidrológico’ – Valor

Análise do ILUMINA: Uma sociedade que permanece sem reação perante tantas terríveis notícias em áreas como a saúde, segurança, meio ambiente, transportes, educação, política e outros setores, não poderia deixar de ter o mesmo comportamento sobre o seu setor elétrico. A notícia mostra o que já se esperava, na calada da noite, nas últimas horas do ano, mais um passo na direção do encarecimento da energia.

Os países que mais produzem energia elétrica a partir de seus rios e têm as usinas hidroelétricas como base principal de sua matriz elétrica são Brasil, Canadá, Noruega e Venezuela. Como a capacidade de geração da Eletrobras já não é majoritária, sua privatização vai colocar o Brasil como o único que tem sua base elétrica sem ação estratégica do estado.

Não bastasse essa “jabuticaba”, a sociedade sequer sabe o que significa o “Generating Scaling Factor”, uma vantagem comparativa que foi transformada numa enorme injustiça energética.

A figura abaixo mostra a evolução de 2 preços de energia elétrica (MWh). A linha azul é o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças) no mercado livre. A linha vermelha é o preço médio cobrado apenas pela energia no setor residencial. A área verde mostra a diferença entre esses dois preços (*).

  • Os preços praticados no mercado livre não são de conhecimento público. O PLD é referido como “preço de referência”.
  • Como grande parte da indústria está nesse nicho, hoje o país não sabe qual é a sua tarifa média industrial.
  • O mercado livre, hoje, representa aproximadamente 25% da carga total. Contudo, vamos supor que apenas 10% da carga nesse mercado tenha a oportunidade de usar esse preço como referência.
  • De janeiro de 2003 até setembro de 2012, em média, R$ 800 milhões mensais é a fortuna que pode ter fluido do mercado cativo para o livre.

Por que isso tem a ver com a privatização da Eletrobras e com os aumentos de tarifa que nos esperam?

  • Porque o déficit de geração das hidráulicas é simplesmente a outra face da moeda desse longo período de benesses ao mercado livre.
  • O país conseguiu construir um sistema onde o mesmo parque gerador de energia gera saldos que resultam em energia quase gratuita, mas não capta sequer 1 real para reduzir a conta quando ocorrer déficits.
  • Esses quase 10 anos de energia barata não foram apropriados pela classe de baixo na nossa desigual sociedade. Foram capturados pelas grandes empresas.
  • Porque, mais uma vez, os consumidores cativos das distribuidoras terão que pagar uma conta advinda de um sistema que só gerou vantagens para uma parte exclusiva de consumidores.
  • Porque quem esteve na base desse verdadeiro “Bolsa Megawatt” era a Eletrobras, já que ela é proprietária das grandes usinas hidráulicas.

Apesar da percebermos a inutilidade de divulgarmos essas informações perante uma sociedade afogada em problemas, ainda achamos que, pelo menos para registro, alguém deva avisar.

(*) Essa diferença chegou a 40 vezes em 2003.


Camila Maia, Rodrigo Polito e Christiane Bonfanti

O presidente Michel Temer assinou ontem medida provisória que destrava a venda das distribuidoras da Eletrobras e permite início do processo de privatização da estatal. Ao mesmo tempo, porém, deixou de trazer uma esperada solução para a guerra de liminares que já envolve R$ 6 bilhões em valores não pagos no mercado livre de energia, referente à judicialização em torno do déficit de geração de energia hídrica (GSF, sigla em inglês para o fator de ajuste da garantia física das hidrelétricas).

A MP havia sido concebida pelo Ministério de Minas e Energia para tratar, principalmente, da questão do GSF, mas o texto assinado não trata disso. O texto dá o primeiro passo para a privatização da Eletrobras, ao revogar artigo da Lei 10.848, de 2004, que excluía a estatal e subsidiárias do Programa Nacional de Desestatização (PND). Na prática, isso vai permitir que os estudos para a modelagem da operação sejam iniciados.

Além disso, a MP faz alterações na legislação dos Sistemas Isolados – regiões no Norte não conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) -, criando condições para que a estatal garanta o recebimento de créditos de fundos setoriais para as distribuidoras, o que minimiza o endividamento a ser assumido pela holding.

Faltou, porém, a definição sobre o chamado risco hidrológico, o que pode agravar o movimento de judicialização do setor elétrico, segundo fontes ouvidas pelo Valor. “É uma má notícia e nos preocupa o fato de que não estamos resolvendo um problema importante e que pode disparar uma complicação econômica e financeira para o setor”, disse uma fonte.

O texto inicial da MP alterava também a Lei 13.203, criando uma solução para encerrar a judicialização em torno do GSF nos contratos do mercado livre de energia. Seriam expurgados do risco repassado às hidrelétricas alguns fatores que não são considerados “riscos hidrológicos” e que geram despesa na casa de bilhões de reais.

Entre esses fatores estão o deslocamento da geração hidrelétrica devido ao acionamento de térmicas mais caras, sem haver sinal econômico da necessidade disso, as limitações da rede de transmissão, devido a obras em atraso, o que afeta o escoamento da produção esperada das hidrelétricas, e também a diferença entre a garantia física (volume de energia previsto para ser produzido) de usinas na sua fase de motorização e os valores gerados de fato no período.

O cálculo seria feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com efeito retroativo até 2013. Caso aceitassem um acordo, os geradores abririam mão das liminares na Justiça, pagariam os montantes devidos e protegidos pelas decisões judiciais e, em contrapartida, receberiam a extensão do período de concessão de forma proporcional ao montante expurgado. Essa extensão das concessões teria limite de até 15 anos.

Até a liquidação do mercado de curto prazo de energia de outubro, feita no início de dezembro, havia quase R$ 6 bilhões em créditos não pagos devido às liminares que limitam os efeitos do GSF sobre as hidrelétricas. A previsão da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) no início de dezembro era que o GSF teria impacto total de R$ 40 bilhões no setor elétrico neste ano. O acordo previsto na MP reduziria esse efeito.

Há, porém, uma ala do governo contrária ao acordo, liderada pela própria Aneel. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou uma das liminares referentes ao GSF no dia 15, e a expectativa de que as demais liminares sigam o mesmo caminho ajudaram a reforçar essa posição. O problema é que a MP em questão não tratava apenas desse assunto, e não poderia ter sido apenas engavetada.

Um ponto urgente para destravar a venda das distribuidoras da Eletrobras envolve alterações na Lei 12.111, de 2009, que trata dos Sistemas Isolados. Essas alterações constam da MP. O texto, entre outras questões, trouxe uma solução para o descasamento entre a operação da termelétrica Mauá 3, da Amazonas Energia, e a construção do gasoduto que leva gás natural para a usina. Isso vai ajudar a aumentar o valor da usina que poderá ser vendida para abater parte da dívida da companhia – a mais endividada de todas as que serão privatizadas pela Eletrobras.

A venda das distribuidoras precisa acontecer até o fim de julho de 2018 e a Eletrobras está enfrentando dificuldades para elaborar uma modelagem para essa operação sem as alterações que a MP traria. O texto foi assinado contendo apenas essas alterações para viabilizar a privatização das distribuidoras, sem resolver o problema do GSF.

Essa decisão, porém, pode ter grandes implicações também na privatização da Eletrobras. O plano do Ministério de Minas e Energia para isso envolve a chamada “descotização” da energia contratada nesse regime, criado pela expresidente Dilma Rousseff em 2012 para baratear as tarifas. Nesse regime, as usinas recebem uma tarifa apenas para manutenção dos ativos, o que acaba gerando prejuízos à Eletrobras. No regime de cotas, o GSF é repassado à tarifa.

Se a energia for descotizada, a Eletrobras ficará livre para negociá-la a preços de mercado, mas terá que assumir o risco hídrico. Sem as alterações previstas na MP, o risco hidrológico será maior, o que afetará negativamente a avaliação do preço das ações da estatal. Outra implicação negativa é o risco de mais judicialização no setor.

O presidente da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini, reiterou sua preocupação com a necessidade de o governo chegar a um acordo sobre o risco hidrológico. “Se isso não sair, vamos continuar com essa incerteza de liminares e disputas judiciais. Eventualmente, até aqueles que não estão na disputa vão entrar.” A conversa de Sattamini com o Valor aconteceu antes da publicação da MP sem a solução para o GSF.

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