O GLOBO 02.06.97 George Vidor Dúvidas elétricasA modelagem que a empresa de consultoria Coopers & Lybrand está preparando, sob encomenda do Governo, para o setor elétrico – um dos próximos passos da …

O GLOBO 02.06.97




George Vidor


Dúvidas elétricas


A modelagem que a empresa de consultoria Coopers & Lybrand está preparando, sob encomenda do Governo, para o setor elétrico – um dos próximos passos da privatização – promete ser bem realista. Os consultores perceberam que a legislação brasileira ainda não oferece segurança aos futuros investidores, especialmente no que se refere à questão ambiental. Ainda existe o risco de uma hidrelétrica ser embargada no meio das obras.


Qual grupo privado iria se dispor a entrar nesse tipo de empreitada, cujo investimento sempre é da ordem de milhões de dólares ou reais, e exige anos para ser amortizado? Com tantas outras opções, é bem provável que não surjam muitos investidores interessados na construção de novas hidrelétricas, a não ser que o Governo se proponha a diminuir o risco do empreendimento. Nesse caso, os projetos somente deveriam ser licitados quando tivessem sido contornadas as principais restrições ecológicas – ou seja, depois de aprovada pelas autoridades uma espécie de relatório ou estudo preliminar de impacto ambiental.


Os consultores chegam a admitir um modelo em que o Governo tenha a iniciativa de começar as obras das hidrelétricas e só a partir de determinado estágio licitá-las para grupos privados. As desvantagens dessa proposta é que não se teria eventuais reduções de custos de um gerenciamento privado desde a fase de projeto ao início da obra.


De qualquer maneira, a experiência da hidrelétrica de Serra da Mesa mostrou que a questão ambiental se tornou de fato um complicador. Com a barragem pronta e a montagem dos equipamentos bem adiantada, o enchimento do reservatório ficou suspenso por decisão judicial em outubro do ano passado. O Governo teve de sair às pressas atrás de decisões legislativas para atender às exigências do juiz e não perder o momento ideal para fechamento das comportas (caso contrário o cronograma da hidrelétrica teria de ser adiado por um ano). Foi um sufoco. Serra da Mesa já não corre risco de ser interrompida, mas os ecologistas mais radicais continuam falando cobras e lagartos da usina.


Por causa disso, a concessão para a hidrelétrica de Canabrava, que é uma natural complementação de Serra da Mesa (ficará a 40 quilômetros a jusante e praticamente não precisará de reservatório) deverá ser licitada contendo alguns atrativos para os investidores privados, como, por exemplo, a garantia de compra da energia gerada pelo sistema integrado de Furnas.


Quando a Aneel, que será a agência reguladora do setor de energia elétrica, estiver funcionando plenamente, muitas das dúvidas aqui apontadas poderão ser dissipadas através de iniciativas concretas. Atualmente o modelo institucional do setor é confuso, com a Eletrobrás acumulando funções de holding das companhias federais de eletricidade, órgão de financiamento e também de planejamento. A Coopers & Lybrand vai propor que essas funções sejam desmembradas e assumidas em parte pela Aneel e por outras entidades governamentais. Com isso, o programa de privatização do setor elétrico poderá enfim deslanchar.



Para evitar contestações judiciais futuras, é bem provável que o Governo tenha de submeter ao Congresso Nacional uma ratificação da cisão da área nuclear de Furnas, que será incorporada à Nuclen, formando a Eletrogen. A cisão nada muda no programa nuclear, o que, em tese, dispensaria a exigência legal de autorização legislativa. Mas, antes que alguém do grupo de juristas adversários da privatização cisme que a soberania nacional está mais uma vez ameaçada e invente dezenas de pedidos de liminar, a prudência recomenda a consulta ao Congresso, de modo a não se interromper a montagem de Angra II ou a operação de Angra I por uma querela judicial estúpida.


A Eletrogen será uma empresa sem passivo oneroso, pois, ainda que o Tesouro Nacional possa contestar dados sobre o valor do chamado excedente nuclear (dívida que se obrigou a assumir), a Eletrobrás se responsabilizará por ele até que haja entendimento sobre os números definitivos.



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