O golpe das agências reguladoras.

Roberto Pereira D´Araujo

Infelizmente, dada a total falta de debates na grande mídia, é necessário colocar esse provocativo título em resposta ao artigo de Edvaldo Santana, ex-diretor da ANEEL que publica “GOLPE NAS AGÊNCIAS REGULADORAS” no jornal Valor https://valor.globo.com/opiniao/coluna/golpe-nas-agencias-reguladoras.ghtml. Texto pode ser lido no final.


Como se os aumentos tarifários tivessem apenas uma origem, o articulista volta a afirmar que a geração distribuída vai ser a grande vilã dos aumentos tarifários que ainda virão. Muita confusão com o termo “distribuída”, geralmente associado apenas à micro geração dos telhados fotovoltaicos.

No fundo, é tudo energia solar.

Eólicas e hidráulicas se aproveitam dos fluxos da natureza para, através do movimento cinético, gerar energia, mas, valem-se apenas de fluxos produzidos pelo sol na atmosfera e no estoque de água do nosso planeta. Enfim, energia solar distribuída pelo território e, claro, precisam pagar pelos fios.

Usinas térmicas queimam combustíveis fósseis ou biomassa para que turbinas possam girar e produzir o mesmo efeito cinético e eletromagnético que origina a corrente elétrica nas hidráulicas e eólicas. Considerando que o petróleo advém de materiais orgânicos soterrados há séculos, na realidade, é tudo originado do sol, distribuído pelo país e precisam pagar pelos fios.

A geração fotovoltaica é uma fonte de energia elétrica que não usa a energia cinética para produzir eletricidade. De certo modo, é uma forma de capturar a energia do sol sem intermediários. Assim, basta ter uma área ensolarada que é possível construir uma usina solar.

Se elas estiverem espalhadas pelo nosso imenso território, precisam ser conectadas ao sistema existente para entrar em sincronismo e participar da oferta de energia elétrica. Precisam pagar pelos fios.

O assunto está na pauta da mídia, pois uma série de conflitos e desinformações começam a surgir. Para mostrar que os artigos defendem interesses que não são públicos, vejam:

  • Até parece que a tarifa começou a encarecer agora. Vejam o exemplo da Light – RJ, que, segundo notícias, ameaça falir.

E não pensem que é fácil obter esses dados na página da ANEEL! Não há mais a publicação da série de tarifa média desde 1995, e, por isso, mostro apenas o exemplo da Light. A agência, que foi criada em 1996, não se sente responsável por informar o que ocorreu desde que o modelo mercantil foi implantado. Só publica a tarifa média de 2003 em diante.

  • Se fosse apenas uma omissão de informações, a gravidade seria menor. Mas há análises feitas pela própria ANEEL que demonstram uma tentativa de, enganosamente, mostrar que a tarifa se reduziu! 

No gráfico abaixo, a ANEEL usa o IGP-M para atualizar os dados tarifários dos anos anteriores a 2022. Como o IGP-M é influenciado pelo valor do dólar, os valores passados são inflados, fazendo parecer que a tarifa em 2022 é mais barata que a de 2010.

  • Quem já viu um amperímetro funcionando sabe que esse aparelho não precisa tocar no fio para medir a corrente que passa por ele.

A leitura se faz pelo efeito eletromagnético que o fio provoca no aparelho. Portanto, no amperímetro é induzida uma corrente elétrica que é medida. Assim, basta a proximidade de um fio com outro para que esse efeito ocorra. Esse efeito é conhecido há séculos e deveria ser motivo de preocupação e fiscalização da ANEEL. Agora, vejam a bagunça de fios dos nossos postes.

Os fios de telecomunicações correm em paralelo com o circuito de 220 volts que, por terem voltagem mais baixa, carregam correntes mais altas. Evidentemente há indução de uma corrente nesses fios de tele e perda de energia invisível nesse emaranhado. Onde esteve a ANEEL todo esse tempo? Que medidas independentes fez a ANEEL para diferenciar essas perdas de perdas comerciais (roubo)?


Voltando a questão do sol, para ilustrar os exageros sobre o recente crescimento da energia solar, a geração fotovoltaicas dos telhados tem sido comparada a Itaipu! Ora, em 2022 essa grande hidroelétrica gerou aproximadamente 6.000 MW médios ou 52.500.000 MWh. As grandes usinas solares, monitoradas pelo operador, somam aproximadamente 7.000 MW, geraram apenas 23 % da geração de Itaipu e 2% do nosso consumo. Nada de telhado fotovoltaico nesse número.

Esses dados servem apenas para mostrar que a geração solar está na primeira infância no Brasil. Enquanto o sol nos fornece apenas 2% do nosso consumo total, a Austrália já atinge 10,5%, Alemanha 9,7% e Espanha 9%. Estamos abaixo da média mundial de 3,2%. Portanto, é preciso explicar esse imbróglio.

É urgente não confundir os telhados fotovoltaicos que, ao invés de receberem o nome que realmente os diferenciam, são chamados de geração distribuída causando uma enorme confusão.

Existe outra importante diferença entre uma usina solar e um telhado solar. A evidente desconexão é que essa micro usina está dentro da residência do cidadão, no final da rede, e foi imaginada para atender as necessidades do proprietário.

Um telhado solar de 10 metros quadrados pode abrigar cerca de 4 placas fotovoltaicas. Em números aproximados, esse telhado vai gerar no entorno de 100 kWh/mês, ou 1,2 MWh em um ano, abaixo do consumo médio das residências brasileiras. Imaginem esse efeito nas periferias de baixa renda!

Portanto, uma conta simples mostra que, para gerar uma Itaipu, 43,75 milhões de telhados de 10 metros quadrados seriam necessários. Segundo o IBGE, mais da metade do número total de domicílios no Brasil! Tais afirmações não informam nada. 

A não ser em casos muito especiais, o telhado fotovoltaico mal consegue suprir o consumo da residência que cobre. Quando exporta alguma corrente, ela é mínima e se espalha pelo circuito de 220 volts que servem as ruas no Brasil. Quem consome essa exportação são os vizinhos que não têm telhados e pagam essa energia como se ela viesse de longe. Portanto, as distribuidoras não têm perdas com os vizinhos sem telhado. A geração de energia em dias quentes alivia a rede das distribuidoras, mas esse assunto está fora de pauta!

O que pode acontecer com a taxação dessa mini – micro corrente exportada é que os consumidores poderão instalar medidores bidirecionais dentro da residência para monitorar essa exportação “vilã”. Se alguém viajar, para não ser taxado, o melhor é desligar o inversor, o que equivale a desligar o sol. Só mesmo no Brasil!


Artigo do Dr. Edvaldo

Golpe nas agências reguladoras

Edvaldo Santana no Valor – https://valor.globo.com/opiniao/coluna/golpe-nas-agencias-reguladoras.ghtml

09/02/2023

No meu último artigo (“Contraste elétrico”, Valor 25 de janeiro) foi mostrado, com um exemplo, o quanto uma estratégia promissora, como a diversificação da matriz elétrica por meio da geração solar fotovoltaica, pode elevar o muro da desigualdade elétrica. A reunião pública da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ocorrida em 31 de janeiro, evidenciou que o cenário é ainda mais dramático.

A geração distribuída (GD) é a principal transformação do setor elétrico mundial nos últimos 15 anos. Cobriu uma lacuna. Deu protagonismo ao consumidor. E destaquei isso em pelo menos três artigos no Valor: “O falso dilema da energia”, em 8 de julho de 2019, “Subsídio, um deboche”, em 26 de novembro do mesmo ano, e “Transformações elétricas”, 26 de julho de 2022.

Mas são preocupantes os destinos da GD no Brasil, não pelo virtuosismo da sua expansão, que segue num ritmo surpreendente. Mas da alocação e do volume de subsídios, cujo lema é “quem não pode, paga por quem pode”. E preocupa sobremaneira o uso generalizado daquilo que George Akerlof e Robert Schiller, ambos vencedores do Nobel da Economia, chamam de “Economia da Manipulação”, ou “Pescando Tolos”, título do livro da dupla no Brasil. A “taxação do Sol”, que atraiu um presidente da República e grande parte de sua equipe econômica, é um exemplo.

Na reunião da Aneel do dia 31 por pouco não foi inaugurada mais uma dessas “pescarias”. Nas apresentações de empreendedores, ou integradores de GD, argumentava-se que uma tripla cobrança inviabilizaria os negócios. Mas esse ilusionismo foi logo desqualificado por técnico da Agência. A tripla cobrança nada mais era que a aplicação de três tarifas para três serviços distintos.

A associação das distribuidoras, na mesma reunião, foi ainda mais incisiva. Esclareceu o que só os mais envolvidos sabiam. Que aquela reunião tratava simplesmente de como repassar para os demais consumidores os custos associados aos benefícios que só alguns poucos terão.

E foi mais longe ao mostrar números contundentes e inesperados. Em quase 120 dias, terminados em 7 de janeiro de 2023, o pedido de migração de consumidores para a GD ultrapassou 32 GW, que equivalem ao consumo de toda Região Sul. Assusta a proporção de subsídios que disso pode resultar.

Mesmo que o ritmo de migração seja reduzido para 25 GW por quadrimestre, em cinco anos chegaremos a 375 GW, que, convertidos em kWh, seria o consumo de todo o Brasil previsto para 2033. Seria quase triplicada a superoferta de energia, hoje superior ao 20 GW médios. E tudo isso empurrado por subsídios desnecessários que, sim, aumentarão as tarifas. Algo como 6% na conta de luz – a cada ano.

A Aneel que, voluntariamente ou não, há mais de 10 anos perdeu parte de sua independência, tem resistido, por vezes de forma dúbia, a tamanha injustiça na alocação de riscos e custos. E não tem escondido que os pobres pagarão pelos ricos, o que ampliará o fosso da desigualdade elétrica. Essa tática não agrada aos políticos.

A reação do outro lado, porém, foi desproporcional. Em tom de inédita ameaça, em diversas das sustentações orais realizadas na reunião do dia 31, ficou taxativo que o caminho alternativo, caso o regulador não cedesse, seria o Judiciário ou o Legislativo.

 O Legislativo foi o caminho (previamente) escolhido. É o que se depreende da Emenda 054 à Medida Provisória 1.154. Por ela, deixa de ser da Aneel, como de todas as suas coirmãs, o papel de regulador, que passaria a ser de conselhos subordinados, no caso, ao Ministério de Minas e Energia. À Agência restaria o papel de fiscalizador, mesmo assim sem julgar os recursos decorrentes desses processos.

Se tal dispositivo for aprovado, o que é provável (veja adiante), decisões como as metodologias de reajuste e revisão das tarifas, ou do cálculo e rateio do risco hidrológico, serão definidas por um conselho político, o que aumenta a interferência e, com isso, o risco regulatório.

Ninguém estranhou o fato de o autor da Emenda não esconder, em entrevistas, que o estopim teria sido um posicionamento do regulador do sistema elétrico. Sua rixa (e de outros parlamentares) com a Aneel foi a motivação. Mas surpreende que uma picuinha ganhe tanta relevância. E o caso, ao que tudo indica, é exatamente a necessária e correta resistência do regulador ao crescimento dos subsídios às fontes incentivadas.

O deputado, como seus pares, costuma reclamar quando a tarifa é elevada, mas “esquece” que grande parte da justificativa estaria nos subsídios que ele e tantos outros se esforçam para criar e ampliar. Talvez não saiba, mas é um feliz usuário e incentivador da “Economia de Manipulação”.

Em 2003, as agências reguladoras eram fortemente criticadas. Eram tidas como “terceirização do Estado”, apelido nunca abandonado. Os partidos de direita e o Centrão, embora tenham aparelhado a maior parte delas, não se conformam por não usá-las ainda mais. E o momento é oportuno, pois pegam carona no equivocado questionamento da independência do Banco Central.

E o artifício utilizado pelos deputados nada tem a ver com mais um “decreto Tabajara”, como aquele encontrado na casa de um ex-ministro da Justiça. A Emenda 054 une um arco político que é, de uma só vez, ideológico, no caso da esquerda, e pragmático ou imediatista, caso das demais linhagens políticas. É, nestas circunstâncias, um poderoso golpe, com razoável probabilidade de ser concretizado.

 E os argumentos também se fundamentam na manipulação, como o golpe tentado em 8 de janeiro. Primeiro porque enganam ao dizer que a Aneel aumenta a tarifa por sua livre vontade. Depois porque é falsa a afirmação de que os subsídios à GD e às fontes renováveis são ainda necessários, nos montantes praticados, e que isso não aumentará a conta de luz. O desastre foi contratado. E sairá caro.

Edvaldo Santana é doutor em Engenharia de Produção e ex-diretor da Aneel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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