O Populismo do Slogan “Taxar o Sol” – Artigo do Valor

Análise do ILUMINA:

Roberto Pereira D’Araujo

Os artigos desses autores já são conhecidos do ILUMINA. Basicamente, defendem o domínio absoluto do mercado sobre o setor elétrico. Desde 1995, apesar dos diferentes governos que se sucederam, esse grupo tenta aplicar essa teoria ao sistema brasileiro. Sempre foram atendidos pelos diversos órgãos do setor. ANEEL, ONS, CCEE, EPE são instituições que atuam de forma compartimentada e, portanto, convenientemente fragmentada. Se esse conjunto de regras fosse comparado à construção de um prédio, ele já teria desmoronado, tal o desencaixe de decisões.

Até hoje conseguiram aumentos de tarifa, judicialização do mercado, falta de compromisso com a expansão da oferta e o sacrifício da Eletrobras para tentar remendar as diversas tentativas de fazer esse tal de “mercado” funcionar. Essa última performance vem a calhar, pois, evidentemente, esse grupo é favorável à venda da Eletrobras.

O que deixa o ILUMINA pasmo é a ousadia de fazer afirmações que só podem ser justificadas de duas maneiras. Ou os autores desconhecem o tema ou apostam que ninguém entende mesmo do setor e qualquer coisa pode ser escrita em nome da defesa de seus interesses. O trecho em questão está abaixo:

“A maior injeção de potência de GD nas redes não se reverterá na redução de geração termelétrica. A operação do sistema elétrico, realizada pelo ONS, utiliza a geração hidrelétrica para absorver as incertezas entre a operação em tempo real e a programada. Logo, a inserção de GD desloca a geração hidrelétrica, fonte cujo potencial energético também é renovável.

Na realidade o uso da energia solar causa exatamente o efeito contrário, aumentando a necessidade do uso de energia de geração termelétrica pelo sistema. Isso acontece porque a energia solar, apesar de suas inegáveis qualidades, é intermitente. Ou seja, quando uma nuvem cobre o Sol, ou quando anoitece, o sistema precisa de energia “firme” para atender a carga, papel este exercido principalmente por hidrelétricas e termelétricas.”

A estratégia básica para defender os interesses dos “Market lovers” é sempre tratar o sistema brasileiro como igual aos outros. A frase a inserção de Geração Distribuida desloca a geração hidrelétrica, que soa tão inocente, esconde o grande diferencial que os autores teimosamente tentam ocluir.

O que significa “deslocar geração hidroelétrica” no sistema brasileiro? Ora, só os muito desinformados desconhecem que o sistema brasileiro tem reservatórios equivalentes a uma capacidade de geração de mais de 200 TWh. Portanto, “deslocar geração hidroelétrica” significa simplesmente guardar água! Reservar água de uma geração que foi “deslocada” por energia solar, apesar da tentativa dos autores, jamais pode ser interpretado como um malefício, porque, como se sabe, os nossos reservatórios não estão cheios há mais de quatro anos.

Reserva só tem atingido o equivalente a 1 mês e meio de carga

A partir dessa simples constatação, a frase “aumentando a necessidade do uso de energia de geração termelétrica pelo sistema” soa como uma anedota, pois como convencer que mais água nos reservatórios, aumento causado pelo sol, implica em mais geração térmica?

Chega a ser cansativa a análise do resto. O que podemos dizer é que o Brasil desse grupo e da ANEEL vão conseguir algo inacreditável! Os donos de telhados solares, segundo os autores, malvados “ricos”, ao perceberem que vão pagar mais pela energia injetada, caso façam uma viagem, vão decidir que é melhor desligar suas fotovoltaicas, anulando o efeito benéfico de uma geração limpa e renovável sobre o sistema.

Talvez seja essa a intenção oclusa!


O Populismo do Slogan “Taxar o Sol” – Adriano Pires e Pedro Rodrigues

O debate sobre a taxação do sol vem trazendo a mesa uma serie de afirmações e propostas sem qualquer compromisso com a chamada honestidade intelectual. Aliás, o slogan “Taxar o Sol” e tão inteligente e mentiroso quanto o famoso “O Petróleo é Nosso”. Não existe nenhuma proposta de taxação do sol, assim como o petróleo nunca foi nosso. Na verdade, as propostas em estudo pela Aneel seguem a tendência da maior parte dos casos bem sucedidos na regulação da Geração Distribuída (GD) no mundo.

Caso a proposta apresentada pela Agência fosse aplicada, ao contrário do que muitos falam e escrevem, as taxas de retorno da GD ainda continuariam muito atrativas, na casa dos 16% para os usuários que geram energia no mesmo local de consumo. Desafio qualquer pessoa a entrar em um banco de investimentos e pedir um portfólio com um rendimento garantido desse tamanho.

É preciso também levar em consideração que a realidade socioeconômica brasileira é bastante distinta de países como os EUA, a Austrália e o Japão, o que nos traz uma grande obrigação quanto à busca por tarifas de energia mais baratas, reduzindo as quantidades de tributos e subsídios, beneficiando os consumidores.

A Aneel nunca anunciou taxar o sol, apenas abriu Consulta Pública para discutir a Resolução que trata da Mini e Micro geração, que tinha previsão de ser revisada desde a sua publicação em 2015.

A proposta, na verdade, protege a maior parte dos consumidores de energia elétrica que não tem recurso para instalar sistemas de painéis solares e que atualmente estão financiando os micro, minigeradores e fazendas solares. As estimativas da Aneel apontam que em 2021 esse subsídio cruzado chegará a R$ 1 bilhão e em 2027 esse valor chega a R$ 4 bilhões.

Os estudos apresentados na Abertura da Consulta Pública nº 25/2019 apontam que o tempo de retorno do investimento em GD passaria dos atuais de 4,5 anos para 6,5 anos, sendo que a vida útil dos painéis é de 25 anos.

É completamente absurda e fantasiosa a afirmação de que com a energia injetada no sistema pela GD, as distribuidoras deixariam de comprar energia das termelétricas. A maior injeção de potência de GD nas redes não se reverterá na redução de geração termelétrica. A operação do sistema elétrico, realizada pelo ONS, utiliza a geração hidrelétrica para absorver as incertezas entre a operação em tempo real e a programada. Logo, a inserção de GD desloca a geração hidrelétrica, fonte cujo potencial energético também é renovável.

Na realidade o uso da energia solar causa exatamente o efeito contrário, aumentando a necessidade do uso de energia de geração termelétrica pelo sistema. Isso acontece porque a energia solar, apesar de suas inegáveis qualidades, é intermitente. Ou seja, quando uma nuvem cobre o Sol, ou quando anoitece, o sistema precisa de energia “firme” para atender a carga, papel este exercido principalmente por hidrelétricas e termelétricas.

O pesquisador Scott Burger, do MIT Energy Iniciative, avaliou o impacto do aumento do uso de GD para os demais consumidores, levando em consideração diferentes tipos de renda. Ele aborda que existe o custo rateado por todos os consumidores, portanto uma redução marginal do que é consumido não irá necessariamente reduzir os custos de todo o sistema. Significa na verdade que, quando alguém que possui telhado solar paga menos, algum outro consumidor, que não possui painel solar, pagará mais.

Os dados analisados pelo pesquisador demonstram que a instalação de painéis solares está diretamente ligada à renda das pessoas. Sendo assim, consumidores com maior poder aquisitivo, possuidores dos painéis solares, acabam contribuindo menos com os custos fixos da rede. Portanto, quanto menos contribuem, mais os custos fixos são realocados para os consumidores de menor renda que não possuem painéis solares.

Em razão desse tipo de subsidio, o Estado americano da Califórnia, por exemplo, possui a tarifa cerca de 80% mais cara do que a média dos outros Estados americanos. É essa a referência que queremos para ao Brasil? Estudo do Professor Frank Wolak, da Universidade de Stanford, estimou um aumento de 2/3 dos custos de distribuição na Pacific Gas and Electric in California, entre 2005 e 2016, devido ao aumento dos telhados solares.

Não é apenas a questão da transferência de custos de quem possui mais renda para quem possui menos renda. A discussão é a transferência de determinados custos de quem opta por um telhado solar para quem não tem. Nessa discussão que precisamos manter o nosso foco aqui no Brasil.

Do ponto de vista regulatório, não tem o menor sentido se falar em “instabilidade normativa”. No caso da proposta de revisão da Resolução 482, a Aneel anunciou em 2015 que faria uma revisão da norma em 2019, visando equilibrar a alocação de custos aos consumidores. O tema foi contemplado na agenda regulatória da Aneel para o biênio 2018-2019, publicada em dezembro de 2017. Posteriormente, a revisão consta da Agenda Regulatória da Aneel para o biênio 2019-2020, publicada em dezembro de 2018. Nessa revisão todo o processo foi submetido a uma longa e ampla consulta pública, iniciada formalmente em 30 de maio de 2018, observando a previsibilidade e a transparência. Tanto é que decisão alguma foi tomada até agora pelo órgão regulador, que está hoje na fase de análise das contribuições recebidas da sociedade.

A proposta apresentada pela Aneel traz segurança para os consumidores que já possuem GD, ao estender as regras previstas nos atuais contratos. As mudanças viriam para futuras instalações. Portanto, é mentiroso o argumento de que qualquer mudança nas regras irá causar “instabilidade normativa”.

Não é demonizando a agência reguladora que iremos atingir a tão necessária e desejada estabilidade regulatória e jurídica. Os consumidores de energia no Brasil já foram vítimas de teses populistas que só contribuíram para o aumento das tarifas e essa história de taxar o sol é mais uma delas. E nesse debate a Aneel busca o equilíbrio entre os agentes do setor elétrico e demonstra preocupação com a situação dos consumidores brasileiros de menor poder político que não aguentam mais pagar subsídios na tarifa de energia elétrica.

Adriano Pires é economista e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura – CBIE

Pedro Rodrigues, advogado e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura

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