O setor elétrico brasileiro, a tormenta e a bonança. – Valor Econômico

Por Carlos Kirchner

Nunca se perdeu e se ganhou tanto dinheiro, comprando e vendendo energia elétrica como agora. A crise do setor elétrico, provocada pela estiagem, vem propiciando oportunidades para se tirar proveito de brechas do modelo setorial que enriquecem algumas empresas e “quebram” outras. Como tudo é feito às claras dentro de regras expedidas pelo governo e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), ninguém fica constrangido de ganhar tanto dinheiro.

Durante a greve de ônibus na cidade do Rio de Janeiro, os proprietários de vans resolveram cobrar R$ 10 pela viagem e a população se revoltou com a cobrança de preço tão escorchante. O que falar então de quem produz energia elétrica ao custo de R$ 20 por megawatt-hora e a vende pelo preço de R$ 822,83, com margem de 4.000% (quatro mil por cento)?

Para ganhar tanto dinheiro no setor elétrico nem é necessário colocar seu produto à venda. O modelo implantado pelo governo federal para o setor elétrico se encarrega disso: automaticamente vende sem contrato a energia gerada por meio de operações no mercado de curto prazo pelo valor do PLD (Preço da Liquidação das Diferenças) que se encontrar vigente.

O que falar de quem produz energia elétrica ao custo de R$ 20 por megawatt-hora e a vende por R$ 822,83?

O PLD é calculado toda semana por modelos computacionais usados no planejamento da operação do sistema elétrico e corresponde ao custo da termelétrica mais cara que esteja em operação, limitado a um valor estipulado anualmente pela Aneel, que para o ano de 2014, corresponde a R$ 822,83 por megawatt-hora. As termelétricas que estão sendo despachadas, ou seja, que se encontram em operação, sendo as mais caras as que utilizam óleo diesel como combustível, têm custo para produção de energia de até R$ 1.100,00 por megawatt-hora, o que explica o motivo do PLD estar hoje fixado em seu preço-teto.

Assim, o PLD é utilizado nas duas vias, ou seja, quem tem sobra de energia vende e ganha dinheiro. Quem tem falta de energia, ou seja, contratou menos do que consumiu, paga ou fica devendo, até pelo motivo que pode não ter como pagar.

Esta ciranda financeira produz o fechamento de várias indústrias que na condição de consumidores livres e com o fim de vigência de seus contratos de fornecimento de energia não encontram mais o produto para a compra. Continuar funcionando e sem contrato significa ter de pagar como preço o aqui “malfadado” PLD o que, a valor atual, inviabiliza sua atividade econômica produtiva.

De outro lado, tem indústrias que mesmo com contratos em plena vigência preferem paralisar parcialmente ou totalmente sua produção para ganhar dinheiro. Também é muito fácil: neste caso, a energia que deixa de ser consumida é paga no mercado de curto prazo pelo “bendito” PLD.

No final de 2012, algumas empresas geradoras que não aceitaram prorrogar as concessões, como Cemig, Cesp, Copel e Celesc, ficaram com montantes expressivos de energia sem contrato e descobriram que poderiam ganhar muito dinheiro simplesmente deixando de oferecer para venda esta energia – tanto para os leilões oficiais das distribuidoras, como para o mercado dos consumidores livres.

Em lugar de combater o mal com a redução compulsória e drástica do valor do PLD, o governo tem preferido os empréstimos públicos e privados para “tapar o rombo” bilionário das distribuidoras de energia. No final, quem pagará pelo empréstimo serão os consumidores. Parte do setor elétrico, representado por algumas empresas de geração e de comercialização, entusiasticamente agradecem.

Registre-se que a Aneel não vem fiscalizando o cumprimento da legislação de defesa da concorrência, nem monitorando os desvios de práticas de mercado anticompetitivas de agentes do setor de energia elétrica que “escondem” o seu produto.

A atividade produtiva de uma indústria que gera riquezas, contribui com tributos e sustenta famílias encontra-se hoje em risco. Ser consumidor livre virou uma grande aventura, pois ao encerrar a vigência de um contrato de compra e venda de energia, em tempos de PLD alto, ninguém que tem energia disponível quer mais firmar contratos já que a liquidação das diferenças propicia lucros muito maiores.

Os agentes geradores de energia elétrica, por se valerem de um bem público para consecução de suas atividades (rios, potenciais de energia hidráulica), não podem se desvirtuar, na prestação de seus serviços, dos fundamentos constitucionais que devem balizar as atividades econômicas, como vem ocorrendo.

Com efeito, ao se recusarem a celebrar contratos de longo prazo com os agentes que integram o mercado livre, e ao se negarem a ofertar energia em leilões para compra por distribuidoras de energia que integram o mercado cativo, as geradoras de energia elétrica acabam por cercear a livre iniciativa, e afrontar os princípios da valorização do trabalho humano, da função social da propriedade e da busca pelo pleno emprego.

Na medida em que se recusam a fornecer energia elétrica nos mercados livre e cativo, canalizando toda a sobra de que dispõem para o mercado de curto prazo (spot), as geradoras estão violando a ordem econômica, aumentando arbitrariamente seus lucros e cerceando a liberdade de iniciativa de inúmeras indústrias nacionais.

Os jornais relataram a “farra” de pagamento bilionário de dividendos extraordinários de algumas geradoras aos seus acionistas ao mesmo tempo em que se socorre as distribuidoras com mais empréstimos bilionários a serem amortizados pelos consumidores nos próximos anos.

Até quando poderá o modelo do setor elétrico se apoiar em bases tão vulneráveis e mercantis, que privilegiam ações especulativas e que desestabilizam o setor produtivo do país?

Carlos Augusto Ramos Kirchner é consultor em energia, diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP)e do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina)

 

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