O valor da Eletrobras – Artigo no Valor

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Joaquim de Carvalho e Roberto D’Araujo (*)

Demorou, mas finalmente a Eletrobras conseguiu se livrar das distribuidoras de energia elétrica do Norte e do Nordeste, que sempre foram exploradas por políticos, para empregar correligionários e parentes, quando não para coisas piores.

Agora a Eletrobras pode ser altamente rentável, desde que seja isolada da influência dos políticos e submetida a administradores profissionais, reconhecidamente competentes e honestos.

Depois de ter feito isto, o governo celebraria com a empresa contratos de gestão, nos quais, além de metas de eficiência, seriam fixadas as obrigações do governo e da estatal. Evidentemente, por esses contratos, o governo não poderia decidir pela Eletrobras, por exemplo, no sentido de comprar distribuidoras estaduais ou praticar tarifas abaixo do previamente calculado na base do custo + lucro, e aprovado pelas partes.

Devido à inadequação do modelo criado no governo de Fernando Henrique Cardoso com o objetivo (inatingível) de converter em commodity um monopólio natural como a energia elétrica, a Eletrobrás vinha tendo grandes prejuízos, por ter sido obrigada a arcar com os efeitos negativos do modelo. Tais prejuízos corresponderam a lucros astronômicos para as comercializadoras e outros intermediários não produtivos. A situação piorou muito com a Medida Provisória 579/12 da então presidente Dilma Rousseff, que obrigou a Eletrobras a vender energia abaixo do custo, numa frustrada tentativa de reduzir tarifas.

Entretanto, o fraco desempenho da economia fez com que a demanda por energia crescesse menos do que na década anterior. Mesmo assim, para afastar o risco de racionamentos, foi necessário implantar uma capacidade adicional da ordem de 2.200 MW (uma hidrelétrica do porte de Xingó), por ano. Para isto, o governo obrigou a Eletrobras a entrar, em condições muito desfavoráveis, como sócia de grupos privados, para a implantação de novas unidades geradoras. Isto contribuiu para mergulhar ainda mais a estatal na crise da qual só agora está saindo.

As hidrelétricas ainda pertencentes ao grupo Eletrobras (Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu) têm idades em torno de 30 anos, portanto, a maior parte do capital nelas investido está amortizado. Assim, a energia nelas gerada custa atualmente cerca de R$ 39/MWh.

O grupo Eletrobras responde por uma oferta da ordem de 170 milhões de MWh por ano. Eliminando-se os intermediários não produtivos, esta energia poderia ser repassada diretamente às distribuidoras, por uma tarifa de R$ 160/MWh. Portanto, o lucro do grupo Eletrobras pode chegar a R$ 20 bilhões/ano.

Em vez de privatizar esse extraordinário fluxo financeiro, o governo deveria destinar uma parte, digamos, 45%, para a própria Eletrobras, que aplicaria esta fatia na expansão do sistema elétrico e seu desenvolvimento tecnológico, com o apoio do Centro de Pesquisas da Eletrobrás (CEPEL).

Outros 45% iriam para o Tesouro Nacional – e os 10% restantes capitalizariam um fundo a ser criado no Banco do Brasil, cujas ações seriam vendidas ao público.

As termelétricas a carvão seriam desativadas, cedendo lugar aos parques eólicos – e as térmicas a gás ficariam de reserva, para casos de crise hídrica.

Aqui é importante lembrar a diferença que existe entre o espaço público e o espaço privado, assunto que os políticos e economistas brasileiros parecem ignorar.

O espaço privado é ocupado por empresas industriais, estabelecimentos comerciais, instituições financeiras e outras, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros. No espaço público ficam atividades não lucrativas, como a diplomacia, a segurança nacional, o policiamento, o ensino básico, a saúde pública, etc, além de certas “utilities”, vitais para as demais atividades e que são monopolizáveis.

Ora, a energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, as comunicações, a conservação dos alimentos, os estabelecimentos de ensino, ou seja, praticamente tudo. Assim, tarifas elétricas não devem ser formadas no espaço privado, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores.

Mais de 70% da eletricidade consumida no Brasil vêm de usinas hidrelétricas – e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios, ao lado de outras, importantes, como o abastecimento de água, a regularização dos rios, a irrigação, etc. Cumpre enfatizar que, além da manutenção das barragens propriamente ditas, todos os usos dos reservatórios requerem importantes despesas permanentes em preservação ambiental – e a experiência mostra que investidores privados relutam em fazer tais despesas. As tragédias de Mariana e Brumadinho reconfirmam isto.

O controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico. Por esta razão, até nos Estados Unidos as grandes hidrelétricas são públicas, embora algumas hidrelétricas menores pertençam a empresas privadas, mas a soma das capacidades destas é muito menor do que a das grandes hidrelétricas públicas.

Na campanha pela privatização das estatais elétricas, movida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, argumentava-se que o Estado não dispunha de recursos para expandir o sistema elétrico, papel que caberia à iniciativa privada – e prometia-se que, no ambiente competitivo do mercado, as tarifas ficariam mais baratas.

Hoje o sistema elétrico é majoritariamente privado. Só no segmento de geração, cerca de 60% dos ativos estão privatizados. No segmento de transmissão a Eletrobrás tem 48% das linhas, mas controla e opera apenas 11% delas. As principais distribuidoras também foram privatizadas.

O resultado dessa quase completa privatização foi o oposto do prometido. O setor privado investiu abaixo do esperado, obrigando a Eletrobrás a continuar atuando na expansão do sistema. E, em vez de mais baratas, as tarifas para o setor residencial subiram mais de 55% e as do setor industrial subiram cerca de 130% acima da inflação, levando inúmeros estabelecimentos industriais a fechar as portas, desempregando centenas de engenheiros e milhares de operários qualificados.

 

(*) Joaquim de Carvalho é mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP, e foi engenheiro da Cesp e diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear). Roberto D’Araújo, mestre em engenharia elétrica e ex-professor da PUC/Rio, foi chefe de departamento e membro do Conselho de Administração de Furnas e é diretor do Ilumina.

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