Fazemos nossa a análise de João Sayad. Não há mais como acreditar que o governo Lula fará o que prometeu. Quando a sociedade votou no PT não queria apenas mudanças. Desejava que elas fosse iniciadas imediatamente. Não aceita que, mais uma vez, venha se dizer que é necessário que o povo, principalmente a parcela mais pobre, espere mais um pouco. Não há mais tempo! Essa política mata cidadãos, aumenta a dívida social e deixa a sociedade sem esperanças e referências. As notícias abaixo mostram que, na prática, o único compromisso mantido pelo governo, foi com o setor financeiro. (Notícias da Folha de São Paulo e JB)
Lula fez menos investimentos e pagou mais dívida que FHC
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
OTÁVIO CABRAL
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
Em seu primeiro ano, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva realizou menos investimentos do que o seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, no último ano de seu mandato. No mesmo período, Lula também gastou mais no pagamento de dívidas do que FHC.
Sob Lula, a União investiu em 2003 R$ 1,8 bilhão, o equivalente a 0,24% do Orçamento federal do ano. Em 2002, FHC investira R$ 11,6 bilhões (1,5% do Orçamento).
Já no pagamento de amortização da dívida, Lula desembolsou R$ 412,9 bilhões no ano passado, ou 54,61% de todos os gastos do país. No ano anterior, esses gastos somaram R$ 349,6 bilhões (45,16% do Orçamento).
Os dados finais sobre a execução do Orçamento de 2003 acabaram de ser divulgados pelo Siafi, o sistema eletrônico de acompanhamento dos gastos federais.
Por esses dados, é possível ver que, no governo Lula, dos 1.411 projetos -entre obras e programas- previstos para execução em 2003, 78% receberam menos da metade dos recursos que estavam previstos no Orçamento. Desses, 548 (38%) não ganharam nenhum centavo.
Entre os projetos que não receberam dinheiro, estão obras para a contenção de enchentes, programa de expansão e melhoria do ensino médio (antigo segundo grau) -cuja falta de vagas é um dos gargalos do país na área educacional-, o combate ao tráfico de entorpecentes e pesquisas sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e Aids.
Investimento e dívida
Com base na divulgação dos dados do Orçamento, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), ONG de Brasília, elaborou um relatório chamado “Primeiro ano do governo Lula: reprise ou ensaio geral?”. O documento compara os gastos do primeiro ano do PT no poder (2003) com os efetuados no último ano do governo do tucanato (2002).
É fato que o documento compara o último ano de uma gestão que durou oito anos, comandada basicamente pela mesma equipe de técnicos e políticos, com a de Lula, que havia acabado de assumir a máquina pública. Ainda assim, chama a atenção a queda de gastos ocorrida entre 2002 e 2003.
No total, FHC gastou em 2002 R$ 774,2 bilhões. Já seu sucessor despendeu, até o fim de dezembro de 2003, R$ 756,2 bilhões. Os valores foram corrigidos pelo índice de variação dos preços médios (IPCA), medido pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Outro fato que chama a atenção e, de certo modo, explica a queda de investimentos do governo é o pagamento da amortização da dívida pública brasileira. FHC destinou 45,16% do Orçamento para esse fim; já Lula alocou 54,16% dos recursos do Tesouro.
Os dados do Siafi mostram que a amortização da dívida e o pagamento dos juros consumiram 62% dos recursos efetivamente usados (liquidados) do Orçamento, um percentual 8% maior do que o gasto em 2002 por FHC.
O pagamento da dívida impôs ao Brasil uma economia nos gastos públicos (superávit primário) equivalente a 4,25% do seu PIB (Produto Interno Bruto).
Menos da metade
Entre os programas que receberam menos de 50% do total do Orçamento, estão ações na área de segurança pública e de geração de emprego, duas questões que sempre encabeçam as pesquisas de opinião quando o assunto é a preocupação do brasileiro.
O programa de modernização da Polícia Federal, por exemplo, recebeu 41% dos recursos previsto, já o antidrogas contou com 32% do dinheiro orçado.
Ao longo de 2003, a taxa média de desemprego ficou em 12,3% (em 2002, foi de 10,5%), e a renda média da população sofreu redução de 12,9% em termos reais. Ainda assim, alguns programas de qualificação profissional, que poderiam elevar a renda de parte dos trabalhadores, não foram executados, como o Pronager (Programa de Organização Produtiva das Comunidades Pobres).
Outros programas do setor mal receberam recursos, como qualificação do trabalhador e geração de emprego e renda. O primeiro recebeu somente 25,7% do total, e o segundo, 4,54%.
Por setor
Com os dados finais do Orçamento também é possível verificar quanto o governo Lula gastou em cada setor. A área que teve mais gastos, proporcionalmente, foi trabalho, com 92,51% da previsão orçamentária, seguido do Legislativo, com 88,2%.
Áreas como saúde, educação, previdência social e segurança pública tiveram mais de três quartos de seus orçamentos realizados. Porém, foram desprezados os investimentos em urbanismo, saneamento e habitação. Esses setores, que já tinham poucos recursos previstos (menos de R$ 1 bilhão cada um), quase não receberam investimentos. O destaque negativo fica para habitação, com 1,82% do orçamento executado.
Fadiga e arrogância
JOÃO SAYAD
Somos filhos de três raças: brancos, negros e índios, que, combinados dois a dois, se tornaram mulatos (brancos com negros), caboclos (brancos com índios), cafuzos (índios com negros) e mamelucos (brancos com caboclos). São povos tristes.
Hoje, somos divididos em três grupos:
1) as elites modernizantes, que vivem a sensação de dever cumprido quando falam nos telefones celulares. E temem por suas conquistas quando falta luz, água e transporte. Votam no PSDB. Eram alegres, ficaram tristes;
2) as elites de ex-revolucionários que esperam novo modelo depois do fim da União Soviética e defendem, enquanto esperam, uma regra invertida: a ética na política, em vez de uma política que refaça a ética. Votam no PT. São alegres, mas estão tristes;
3) as massas distraídas pela televisão, pelos escândalos e, na semana passada, com o Carnaval. Durante o ano vivem a angústia existencial de uma escolha trágica -ou se convertem a uma religião que promete a bem aventurança dos pobres, pois ficarão ricos, ou aderem ao crime organizado. Votam em candidatos histriônicos ou em mitos criados por publicitários. São tristes, mas parecem alegres.
O dinheiro atemoriza os dois primeiros grupos quando assumem o governo -ex-revolucionários, treinados em “realpolitik”, viram monetaristas, tão convictos quanto os modernizantes. Tornam-se arrogantes.
Arrogância é considerar o próprio julgamento como definitivo e natural. O arrogante expressa seu juízo por meio de oração subordinada. “O país tem grandes carências de investimentos em infra-estrutura, educação e habitação, mas não tem dinheiro. Os juros são muito altos por causa da corrupção.” A oração subordinada transforma o juízo particular em universal.
Se a oração principal fosse “o país não tem dinheiro”, seria provocativa. O país gasta 9% do PIB com o pagamento de juros, imprime dinheiro para pagar juros e não tem dinheiro. O que é corrupção?
O país está fatigado. Fadiga é o convívio com o infinito, com o que nunca acaba, fim que nunca chega ao fim, o irritante assovio do pneu que se esvazia lentamente. Imaginava-se que, depois da cobrança de aposentadoria dos aposentados, a agenda neoliberal se esgotaria, por falta de assunto. Que o país poderia ser salvo sem revolução, sem novo modelo, sem reformas e com medidas simples: reduzir os juros e gastar o dinheiro público economizado com juros menores em estradas (o país vai parar), urbanização de favelas (as grandes cidades são grandes favelas que hospedam o crime organizado), melhorar a qualidade da universidade pública (que forma a elite de governantes e espanta os fantasmas que os assustam).
“Fadiga é vitalidade desesperada.” O país perde o fôlego e não sufoca, pois a redenção sempre está próxima. Desespera-se com o anúncio de promessas inócuas e difíceis de cumprir -a “política econômica não muda”, o país “não tem dinheiro”, “vamos fazer a reforma política”, a “reforma do Judiciário” e, logo mais, outra reforma da Previdência.
O Carnaval foi deprimente. Cinco dias cinzas de chuva fina sobre a cidade vazia. Estavam todos na avenida. Os mitos -as reformas, a modernidade e o dinheiro- foram os destaques criados pelas elites modernizantes; desfilaram nus para parecer reais; os carros alegóricos e fantasias foram pagos ou por empresas que querem publicidade ou pelo crime organizado -que não quer publicidade; sambas-enredo trataram de temas irrelevantes. A massa de pessoas reais seguia atrás, fantasiada de coisas que não existem, corpos suados, levantando os braços, cheia de vitalidade, desesperada, mas distraída com o Carnaval.