Pontos essenciais relacionados à privatização da Eletrobrás e subsidiárias – Artigo

 

O que poderá acontecer com a economia brasileira, caso essas privatizações venham de fato a ser feitas.

Por Joaquim Francisco de Carvalho *

  1. A Medida Provisória n.º 579/12, da presidente Dilma, arruinou a Eletrobrás, mas o desastre não começou aí. Na realidade, as políticas draconianamente impostas por Dilma Rousseff começaram a desestruturar o setor elétrico desde que o presidente Lula a colocou no Ministério de Energia. No entanto, a privatização agora proposta pelo governo Temer está longe de ser uma solução para os problemas causados pelos erros do Lula, da Dilma e do próprio PT.
  2. Objetivamente, a privatização da Eletrobrás é muito séria para ser colocada em termos de uma briga de torcidas, com privatistas de um lado e estatizantes do outro. A questão deve, isto sim, ser analisada no contexto da diferença que existe entre os conceitos de espaço privado e espaço público.
  3. O espaço privado é ocupado por corporações e empresas industriais, estabelecimentos comerciais, instituições financeiras e outras, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros para os acionistas. Neste espaço também podem ficar alguns serviços públicos, como os transportes, os correios, as telecomunicações e, em circunstâncias especiais, determinados segmentos do setor energético, tais como a geração termelétrica e a distribuição de energia.
  4. No espaço público ficam atividades não lucrativas, tipicamente estatais, como a diplomacia, a segurança nacional, o policiamento, o ensino básico, o saneamento e a saúde pública – além de certas utilities, vitais para as demais atividades e que sejam monopolizáveis.
  5. A energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, o comércio, as comunicações, a pesquisa científica, os hospitais, o lazer, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo. Assim, as tarifas de eletricidade impactam todos os custos da economia e constituem um eficientíssimo instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores – e evidentemente, também das famílias. Portanto, as tarifas elétricas não devem ser formadas no espaço privado, pois aí os empreendimentos têm entre os seus objetivos o de gerar máximos lucros para os acionistas, em curto prazo
  6. No caso do Brasil, deve-se ainda ter em conta que uma característica muito especial do sistema elétrico é a de ter a energia hídrica como principal fonte primária. Ora, a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios hidrelétricos, ao lado de outras, igualmente importantes, como o abastecimento de água, a irrigação, o controle de enchentes, a navegação interior, etc. Tudo isto implica grandes despesas permanentes em preservação ambiental e a experiência mostra que investidores privados não fazem tais despesas. Por esta razão, até nos Estados Unidos, onde o sistema é preponderantemente privado, as grandes hidrelétricas pertencem e são exploradas por empresas públicas, como a Tennessee Valley Authority, a North Western Energy Company e a Bonneville Power Administration, além de inúmeras prefeituras e cooperativas – e até pelo exército. As termelétricas, estas sim, são todas controladas por grupos privados, que controlam, também, as usinas nucleares.
  7. É verdade que a Eletrobrás está à beira da falência. Mas devemos reconhecer que as suas mazelas, como as de outras estatais brasileiras, se devem, principalmente, ao corporativismo e à interferência de políticos, que as usam para empregar protegidos, quando não para extrair benefícios pessoais à custa de atos criminosos contra o patrimônio público.
  8. No entanto privatizar a Eletrobrás e suas subsidiárias Furnas, Chesf e Eletronorte não resolve o problema. Mais inteligente e melhor do que isto seria despolitizá-las e submetê-las a administrações profissionais, supervisionadas por órgãos de controle integrados por representantes credenciados por associações e federações da indústria e do comércio (que são os maiores interessados na qualidade dos serviços e em manter as tarifas sob controle) e por especialistas de notória capacidade técnica, pertencentes aos quadros das próprias empresas. Esses órgãos de controle teriam assento nas reuniões das diretorias executivas, com poder de veto sobre decisões claramente descabidas, relativas a concorrências, contratações de pessoal, publicidade, etc.
  9. Supondo-se que a ingerência política e a corrupção sejam eliminadas da Eletrobrás e subsidiárias, é fácil avaliar o, digamos, “potencial lucrativo” das hidrelétricas ainda pertencentes à essas empresas. Estou falando só das hidrelétricas. Como praticamente todas essas hidrelétricas já têm idades em torno de 30 anos, o capital nelas investido já foi quase todo amortizado, de modo que seus custos de geração se resumem em custos de operação e manutenção, preservação ambiental, custos administrativos, seguros e tributos, totalizando cerca de R$ 35/MWh. Esta energia poderia ser repassada às concessionárias por uma tarifa de R$ 150/MWh.
  10. As hidrelétricas da Eletrobrás respondem por uma oferta da ordem de 130 milhões de MWh por ano, portanto o potencial lucrativo dessas hidrelétricas pode chegar a 16 bilhões de Reais/ano, ou seja, mais do que o valor pelo qual o governo espera arrecadar com a privatização.
  11. Em vez de abrir mão desse extraordinário fluxo financeiro, o governo deveria destinar uma parte – digamos, 40% – para uma “nova” Eletrobrás, já “despolitizada”, que aplicaria esta receita na expansão e aperfeiçoamento tecnológico do próprio sistema elétrico. Outros 40% reforçariam um “pacote” de medidas destinadas a reformar a previdência social. Os 20% restantes capitalizariam um fundo soberano a ser criado no BNDES ou no Banco do Brasil, cujas ações (autênticos blue chips) seriam vendidas ao público. As empresas estaduais que foram “federalizadas” em prejuízo da Eletrobrás, estas devem ser privatizadas.
  12. O governo afirma que as privatizações já realizadas fortaleceram e deram outro dinamismo ao setor elétrico. Sobre este ponto, é bom lembrar os argumentos empregados na campanha pela privatização das empresas de eletricidade, durante o governo do presidente FHC.
  13. Na época, dizia-se que essas empresas prejudicavam o desenvolvimento do país e que o governo não dispunha de recursos para expandir o sistema elétrico, papel que caberia à iniciativa privada. Prometia-se que, no ambiente competitivo do mercado, as tarifas ficariam mais baratas, e afirmava-se que, libertando-se da responsabilidade de administrar estatais, o governo poderia dedicar-se mais aos programas de ensino básico, saúde, segurança pública, etc.
  14. O resultado foi o oposto do prometido. Para começar, os programas de ensino e saúde pública continuaram à míngua e a segurança pública é um desastre.
  15. Quanto às tarifas, só entre 1.996 e 2.006 estas subiram mais de 77% acima da inflação. Antes de 1.966 as tarifas brasileiras eram as mais baratas do mundo. Hoje estão entre as mais caras. É por isto que inúmeras indústrias eletrointensivas, como a dos ferros ligas, a do alumínio e as da linha soda-cloro estão saindo do Brasil e deixando sem emprego milhares de operários e técnicos qualificados. Pode-se mesmo dizer que a privatização das empresas de eletricidade contribui para desindustrializar o Brasil e reconvertê-lo à condição de simples país agrícola e exportador de commodities, como era até meados do século XX.
  16. Por fim, os novos controladores das antigas estatais não se interessaram por expandir o sistema, preferindo reduzir investimentos e aumentar tarifas, para maximizar seus lucros. Como muitos desses controladores eram grupos estrangeiros, as remessas de lucros começaram a sobrecarregar as contas externas. E as expansões da capacidade do sistema continuaram a ser subvencionadas pelo Estado, por meio de generosos financiamentos do BNDES.
  17. Convém ainda lembrar que as privatizações começaram na década de 1.990, durante a qual o Brasil vendeu 26 empresas de eletricidade. E o processo continuou nos anos seguintes. Hoje, o setor elétrico brasileiro já é em sua maior parte privado.
  18. Exceto a Eletrobrás e as estatais estaduais Copel, do Paraná, e Cemig, de Minas Gerais, o setor elétrico brasileiro é preponderantemente privado. O que sobrou é objeto da cobiça de grupos geralmente estrangeiros, paradoxalmente estimulados pelos atuais responsáveis pelo setor energético. Haja vista a pressão feita sobre a Cemig, que recentemente foi forçada pelo governo Temer a se desfazer de três hidrelétricas de grande porte. A Cesp, de São Paulo, que era a mais importante das estatais estaduais, foi desmembrada e quase toda vendida, a preços irrisórios, na década de 1.990.  Sobraram então as estatais federais Eletrobrás e suas subsidiárias Furnas, Chesf e Eletronorte.
  19. Para falar apenas do segmento de geração de energia elétrica, que é onde a Eletrobrás e suas subsidiárias têm o principal de suas atividades, a capacidade brasileira total está em torno de 145 GW, sendo que a Eletrobrás tem apenas 29% disto, ou seja, cerca de 43 GW.
  20. Manter isto no âmbito estatal é de alto interesse estratégico, em primeiro lugar porque dá ao governo um referencial para as tarifas de geração. Em seguida porque a Eletrobrás e suas subsidiárias detém um acervo tecnológico representado pelos pesquisadores do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) e por centenas de engenheiros e técnico altamente qualificados, cujo know-how é de um valor incalculável. Perder isto contribuirá para acelerar o processo de retorno do Brasil à condição de país agrícola e exportador de commodities, que já mencionei.
  21. A meu ver, um governo digno deste nome, deveria preservar o que restou do sistema elétrico estatal na forma de uma “nova” Eletrobrás, que reuniria numa única empresa as subsidiárias Furnas, Chesf e Eletronorte. Esta empresa operaria basicamente no segmento de geração, com suas hidrelétricas. As termelétricas a carvão ou a óleo deveriam ser desativadas e aquelas a gás natural ficariam como reserva (back up) para entrarem em operação em caso de emergência hídrica.
  22. É claro que os governos do Paraná e Minas Gerais também devem preservar o que resta da Copel e da Cemig.
  23. Tudo isso, repito, requer que a ingerência política e a corrupção sejam eliminadas das empresas de eletricidade, o que significa afastar delas os políticos e pelegos que qualquer profissional do setor elétrico sabe quem são, os quais sempre usaram a Eletrobrás e as estatais estaduais para empregar protegidos ou, mesmo, para os mais torpes atos de corrupção.

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* Joaquim de Carvalho é mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP. Foi engenheiro da CESP; diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear); presidente do IBDF (atual Ibama), vice-presidente da Finep e chefe do setor industrial do ministério do planejamento.

 

 

 

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