Pré-Sal ou Pré-Sol? – Artigo no Valor

Roberto Pereira D’Araujo – Diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético – ILUMINA

http://www.valor.com.br/opiniao/5170028/pre-sal-ou-pre-sol

 

Alguns leitores irão considerar as comparações que vou fazer um tanto exageradas. A intenção é essa mesmo, porque, em matéria de mudanças tecnológicas, o paradigma tem sido a surpresa. O que era um exagero ontem, hoje, é realidade.

A descoberta do pré-sal foi uma conquista da Petrobras e significa um benefício para a economia brasileira. Uma área de aproximadamente 150 km quadrados da costa brasileira pode produzir quase 1 milhão de barris de petróleo por dia. Isso significa 44 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep) por ano, uma unidade bastante conhecida das áreas de planejamento energético.

Evidentemente, a produção do pré-sal não é para ser usada para a produção de eletricidade, mas, vamos cometer esse abuso apenas para poder ter uma vaga ideia do tema que proponho. Esses 44 milhões de tep, assumindo a eficiência de 39%, equivale a 204 TWh/ano, uma quantidade fantástica de eletricidade, pouco menos da metade do nosso consumo anual.

Apesar dessa vantagem, o futuro que nos espreita não parece ser o do petróleo, mas sim o do kWh. As grandes indústrias automobilísticas já acenam com a entrada do carro elétrico, cuja eficiência energética é muito superior à do motor a combustão. Na outra ponta, surgem as placas fotovoltaicas que, a partir da luz solar são capazes de gerar eletricidade, uma verdadeira “estreia” tecnológica dado o domínio da velha energia cinética nessa conversão (turbinas hidráulicas e térmicas). Ainda na infância técnica, seus números já surpreendem.

Apesar do título do artigo, não se está propondo cobrir a costa marítima com placas solares. A intenção é apenas fazer uma reflexão sobre o que significa uma área equivalente à do pré-sal. Os valores usados nos projetos fotovoltaicos no Brasil oscilam entre 0,7 kWh/dia e 1,5 kWh/dia para cada metro quadrado. No valor mais baixo, 150 km2 equivale a 37,8 TWh/ano, quase 20% da energia associada ao pré-sal.

O número já é impressionante, mas considerando que a produtividade das fotovoltaicas é crescente, ninguém deve se surpreender com valores ainda maiores no futuro. Para um indicador ainda mais espantoso, basta considerar que toda a carga brasileira seria produzida por 2.142 km quadrados, 10 % da área do estado de Sergipe! Quem estiver desconfiado e quiser conferir esse curioso dado para os Estados Unidos, basta procurar por “Elon Musk Debuts the Tesla Powerwall”  no Youtube para assistir o presidente da Tesla constatar que bastariam 27.000 km quadrados, 10% do estado do Colorado para atender toda a carga americana!

Mas, então, qual é o problema dessa novidade tecnológica? Estamos perante uma guinada espetacular nas fontes primárias de energia? Finalmente teremos uma fonte de energia elétrica que brilha quase todos os dias e não depende de energia cinética de turbinas?

Claro que é preciso reconhecer que esse avanço também traz grandes desafios. Depende do sistema existente e de como ele vai “perceber” a entrada dessa produção de eletricidade. Se essa geração for distribuída, quando o sol nasce, para o grande sistema, ela vai produzir uma demanda que vai se reduzindo lentamente.

Para visualizar, pensem na silhueta de um animal. Atualmente, num dia típico, a curva que mostra a evolução média do nosso consumo total parece uma “silhueta de camelo” com duas corcovas.  Um aumento pela manhã, uma redução na hora do almoço e um novo aumento à tarde. Essa curva vai mudar para a “silhueta de um pato”, pois vai ocorrer a redução da necessidade de energia do sistema durante o dia e, obviamente, um retorno à noite.

O problema surge no pôr-do-sol, quando a carga volta a subir numa rampa íngreme. Para qualquer sistema, essas variações súbitas de carga são um problema. Mas, para os de base térmica, o desafio é bem maior, pois usinas térmicas não “gostam” muito de alterar sua geração em curto espaço de tempo. Esses países estão angustiados até com geração solar em excesso, pois não dá para ficar desligando e ligando térmicas. Já se cogita uma limitação da energia solar de tal modo a evitar o vale profundo da carga nas “costas do pato”. Essa energia extra seria jogada fora? Claro que não e, por esse motivo, já há uma corrida tecnológica para viabilizar baterias.

E o Brasil? O nosso sistema é muito diferente dos outros, pois, além de ser predominantemente hidroelétrico, dispõe de grandes reservatórios capazes de guardar a carga de cinco meses de consumo. Outra vantagem é que usinas hidroelétricas são como “torneiras”, próprias para suportar variações rápidas de carga. Por enquanto, a nossa lógica predominante é controlar esse estoque com complementação térmica. Com a entrada da geração eólica, que já tem uma capacidade de 12 GW, já temos um novo personagem para ajudar a controlar essa grande caixa d’água.

Aqui, lentamente e atrasado, o sol vai entrar na equação. Além do risco de racionamento, as tarifas brasileiras estão incrível e inexplicavelmente altas. Ao contrário do que afirmam alguns especialistas, nossa lógica continuará a ser a de controle de um “estoque”. A energia que os telhados vão possibilitar deixar de consumir do sistema durante o dia pode ter dois efeitos: Uma redução da geração térmica complementar ou um aumento do estoque de água nos reservatórios. Ambas decorrências também podem ocorrer, mas isso é exatamente uma estratégia global do sistema que precisa ser estudada.

Por isso é tão incompreensível que, justamente agora, o Brasil esteja a ponto de privatizar a Eletrobras. Será que esquecemos que essa empresa é a criadora do CEPEL (Centro de Pesquisas em Energia Elétrica), o único centro de pesquisa do assunto no país? Além das pesquisas em energia solar, o CEPEL é o criador do modelo matemático que faz a coordenação das fontes de energia nesse nosso singular sistema, justamente o que necessitamos! Ao contrário do que parece que irá acontecer, ele precisaria ser urgentemente fortalecido. A privatização da nossa empresa estratégica, com ínfimos efeitos fiscais, parece nos levar na direção oposta.

Lamentavelmente, o Brasil, ocupando uma geografia tão ensolarada, está correndo o risco de uma vergonha planetária.

 

 

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