Privatização e crescimento.

Roberto Pereira D´Araujo

É um desafio tratar de algumas questões num país com tantas desigualdades sociais que já se manifestam em casos crescentes de criminalidade e violência extrema. Medidas estruturais que enfrentem a pobreza, educação, saúde, organização urbana e transporte público, entre outros, são imprescindíveis, mas ainda insuficientes. Outros temas ficam parecendo desconectados da grave realidade, mas, na verdade, são parte de um todo onde impera um enorme déficit de informação.

Algum sinal positivo só pode vir através do crescimento da economia, que, além dos empregos criados, diminuiria o déficit público com redução nas taxas de juros, um dos assuntos do momento.

Nas discussões sobre soluções, as privatizações se destacam nas pautas da grande mídia. Certas críticas são classificadas como posições ideológicas, mas quem frequentemente coloca o tema na “berlinda” é a própria imprensa. O discurso tem sido mantido por mais de trinta anos, sem reconhecer que, de 1990 até 2022, o Brasil privatizou e concessionou 150 empresas, sendo o recordista no mundo. Se há um mínimo de curiosidade, o que se pode fazer é examinar os resultados dessa longa experiência. É essa análise que se apresenta aqui.

No governo Sarney (1985 – 1990) as privatizações são classificadas como “tímidas” em comparação aos outros períodos iniciados a partir da década de 90, mas, segundo dados do BNDES, 18 estatais foram privatizadas, entre elas: Aracruz Celulose, Sibra, Caraíbas Metais e a Companhia Brasileira de Cobre (CBC).

O governo Collor (1990 – 1992) focou a venda em 3 setores: Siderurgia, Petroquímica e Fertilizantes: Usiminas, Piratini, CST, Acesita, Petroflex, Copesul, Álcalis, Nitriflex, Fosfertil são alguns exemplos. E qual foi a performance da economia brasileira nesse período? Segundo dados do FMI ou do Banco Mundial, o PIB brasileiro caiu 3,7% enquanto a média mundial se expandia com 7,2%.

O governo Itamar Franco (1992 – 1994) vendeu a Embraer e a Companhia Siderúrgica Nacional e, nesse período o Brasil cresceu 7 %, mas o mundo crescia 12,5%.

O governo Fernando Henrique (1994 – 2002) privatizou 80 empresas de muitos setores. Vale, Telebras, Embratel, bancos, diversos portos, muitas distribuidoras estaduais de energia e a Gerasul da Eletrobras. Nesses 8 anos o PIB do Brasil aumentou cerca de 20%, mas o PIB médio mundial cresceu 32%.

O governo Lula (2003 – 2010) fez uma mudança na forma das privatizações através do formato de concessões. As usinas do rio Madeira (Jirau e Santo Antônio), Teles Pires e muitas outras foram concessionadas com a participação minoritária da Eletrobras. Diversas concessões de trechos rodoviários foram implementadas. O mesmo processo foi feito para alguns aeroportos, tais como os do Galeão e Viracopos. Nesses 8 anos o PIB brasileiro cresceu cerca de 38% e o mundo cresceu 40%. Entretanto, essa melhor performance foi insuficiente para compensar as perdas anteriores.

O governo Dilma (2011 – 2016) manteve a política de concessões de transporte rodoviário e linhas de transmissão, mas privatizou o IRB-Brasil Resseguros e continuou a concessão de aeroportos existentes, como Guarulhos, Cofins e Brasília. Nesse período o PIB brasileiro se elevou em 2% enquanto o mundo cresceu 25%.

O governo Temer (2016 – 2018) retomou privatizações nos moldes da década de 90. Usinas, portos, aeroportos e rodovias, mas não conseguiu concluir a maioria dos projetos em sua administração. Foram vendidas a Eletro Acre e a Ceron. O Brasil cresceu seu PIB em 3% enquanto o mundo cresceu 8,8%.

Finalmente o governo Bolsonaro (2018 – 2022), sob um discurso totalmente privatista, vendeu Eletrobras, Companhia Docas do Espírito Santo, BR Distribuidora e Liquigás. O Brasil cresceu 5% e o mundo 10%.

Se esses dados não são suficientes para nos advertir que algo de muito errado se deu nesse trajeto, certamente não deciframos o processo de privatização. Na verdade, esses resultados nem deveriam nos surpreender, pois a venda de ativos prontos não implica necessariamente em formação bruta de capital fixo. Se novos investimentos não forem exigidos, o capital se retrai. Afinal, os recursos financeiros não são ilimitados e, se parte do capital é usado apenas para transferência de propriedade, nada novo é construído.

Não se trata de demonizar a privatização. Dentre todos esses exemplos, alguns setores deveriam ser privatizados mesmo. Por razões históricas, o estado foi obrigado a atuar em muitos setores que, se não existissem, comprometeriam a economia gravemente.

Todavia, outros setores envolvem questões da geografia, da água, da ocupação territorial, do transporte, e outras demandas. O caso da Eletrobras é ponto extremo desse descaminho, pois até o planeta tenta nos ensinar. Nenhum país de significativa participação de hidroelétricas privatizou totalmente seu setor elétrico. Estados Unidos, Canadá, Rússia, Índia, China, Suécia e Noruega são os membros desse seleto clube de privilégio geográfico que o Brasil acaba de ser o único a se desligar.

A Eletrobras privada é uma incoerência com a própria história, pois apenas 8% das nossas usinas hidráulicas nasceram de iniciativas privadas. A grande maioria foi adquirida de empresas estatais.

Em termos de valor, uma comparação com a Duke Energy nos Estados Unidos, que tem a mesma capacidade instalada, revela uma grande perda, pois a Duke vale US$ 82 bilhões e o controle privado da Eletrobras custou R$ 33 bilhões, menos de um décimo do valor da Duke.

Desde a adoção do sistema mercantil que impôs um grande mimetismo de sistemas de base térmica, a evolução da tarifa de energia elétrica brasileira mostra um encarecimento que ultrapassa o dobro da inflação desde 1995, mesmo com o sacrifício da Eletrobras na intervenção da Lei 12783/2013. Furtos de energia em ascensão mostram que a população mais pobre não está mais conseguindo encaixar e conta no orçamento doméstico.

Se esses números e fatos não trazem um mínimo de atenção da sociedade, então a situação é muito mais grave do que se imagina.

 


Fonte de dados:

Comparação de crescimento entre países:

 https://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD

Dados históricos das privatizações: 

https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/processos-encerrados/Privatizacao-Federais-PND

  3 comentários para “Privatização e crescimento.

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