Reestatiza já, Lula!

Artigo de Rui Costa (*)

Em 08 de dezembro de 2022, o grupo temático de Minas e Energia da transição do novo Governo Lula declarou em entrevista coletiva que existe uma dívida de cerca de 500 bilhões de reais acumulada durante o mandato de Bolsonaro e a gestão anterior a ser paga pelo consumidor de energia elétrica. Essa dívida é composta de encargos assumidos pela União Federal em razão de contrapartidas exigidas pelo Congresso para aprovar o projeto que autorizou a privatização da Eletrobras, descotização das  usinas da Eletrobras em função da privatização, conta emergencial das termoelétricas, inclusive aquelas inseridas como jabuti no processo de privatização da Eletrobras, contratação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), com reserva de mercado nos leilões de energia, incluída também pelo Congresso Nacional no projeto de privatização da Eletrobras , finalmente, custos resultantes da escassez hídrica e da conta covid-19. Não se pode também esquecer as centenas de milhões de reais exigidas pelo Congresso Nacional a pretexto de “recuperação das bacias hidrográficas” para aprovar a medida provisória que privatizou a Eletrobras.

Considerando que o custo de geração de energia por meio de usinas hidrelétricas já amortizadas é muito baixo, essa transferência de custos astronômicos ao consumidor é muito grave porque serão pagos pelo consumidor ao longo de vários anos em sucessivos governos. Isso impacta fortemente o custo de vida de uma população em sua grande maioria pobre que luta contra diversos problemas e dificuldades, sobretudo a fome e a miséria. Além disso, o setor produtivo nacional e de grandes consumidores também sofrerão sérias consequências, uma vez que a energia elétrica é insumo essencial para a produção industrial do país e o desenvolvimento econômico. Sem energia elétrica barata e de um serviço de qualidade prestado pelo Estado, será muito difícil alcançar pleno desenvolvimento econômico e social. Até mesmo o combate à fome e à desnutrição de nossas crianças fica ameaçados, quando o cidadão despossuído se vê obrigado a transferir suas parcas rendas às concessionárias de energia elétrica.

A Eletrobras é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do país no próximo Governo Lula. Para recuperar esse braço tão importante para o crescimento econômico do Brasil e para retomar investimento no setor de energia elétrica capaz de gerar empregos e renda, por meio do desenvolvimento de novos projetos de produção de energia, é indispensável que o Estado brasileiro reestatize a Eletrobras. Juridicamente, como tem sido publicamente exposto pelo Professor de Direito Econômico da USP Gilberto Bercovici, existem diversos instrumentos para a reestatização da Eletrobras, incluindo a encampação da Eletrobras. Outros sugerem que, dentro de uma lógica de transição energética, seria mais fácil e pragmático realizar uma fusão com a Petrobras ou uma incorporação pela Petrobras. Entre eles, estão o economista Luiz Gonzaga Belluzzo e o Senador Jean Paul Prates.

É possível mesmo afirmar que, mais do que equivocada, essa privatização pode ser considerada criminosa já que beneficiou, com a complacência da gestão Bolsonaro, minoritários que se encontravam estrategicamente instalados na companhia. Vale lembrar que bem antes mesmo da privatização da Eletrobras, a empresa já contava com 15 bilhões de reais em seu caixa, o que era suficiente para retomar plenamente investimentos em geração e transmissão de energia. Esse dinheiro foi represado durante muito tempo até a privatização da companhia. Levando-se em conta de que a empresa foi, na prática vendida, por meio de uma operação de aumento de capital, dos quais participaram trabalhadores brasileiros com cerca de 6 bilhões de reais originários do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), dá para se ter a real dimensão de que a privatização se deu em troca de praticamente nada em favor de investidores nacionais e estrangeiros poderosos e de um amplo conglomerado de grandes bancos e fundos de investimento. Isso, por si só, já deveria ser objeto de uma profunda investigação por parte do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, bem como de outros órgãos de controle. Infelizmente, apesar das muitas irregularidades levantadas pelo Ministro do TCU Vital do Rêgo, durante a exposição do seu voto contrário à privatização, esta foi indevidamente aprovada pela maioria daquela Corte de Contas em prejuízo dos interesses nacionais e do povo brasileiro. Uma empresa que era estimada em mais de trezentos bilhões de reais, se considerada usina a usina, foi praticamente doada a bilionários e especuladores da Bolsa de São Paulo. Até hoje, não se sabe publicamente quem comprou ações da Eletrobras em grande quantidade na operação de aumento de capital.

A reestatização da Eletrobras é relevantíssima para o aumento da expansão da oferta de energia elétrica a preços módicos no país mediante o aproveitamento de potenciais hidráulicos na região Norte do Brasil, a exemplo das hidrelétricas do Rio Trombetas e do Tapajós, por meio de novas tecnologias que mitiguem eventuais questões ambientais. Adicionalmente, precisa ser resgatada a construção de usinas binacionais com países vizinhos da América do Sul, por exemplo, Garabi com a Argentina, e as usinas a serem construídas com a Bolívia e o Peru. Isso não só potencializaria a segurança energética e a compra e venda de energia entre os países da região, como também possibilitaria a integração econômica e a interconexão energética. A Eletrobras é a única empresa brasileira de energia elétrica com capacidade técnica e econômica para levar adiante esses projetos dentro de uma visão moderna de sustentabilidade e de transição energética por meio de energias renováveis que ajudem a mitigar as mudanças climáticas.

Membros importantes da equipe de transição em Minas e Energia do Governo Lula atribuíram a responsabilidade pela decisão de reestatizar a Eletrobras ao próprio futuro Presidente e ao Ministro de Minas e Energia a ser escolhido. Esperamos que Lula, de acordo com os seus discursos no passado e com o Programa de Governo aprovado pelo povo brasileiro nas eleições, reestatize a Eletrobras e garanta energia barata e de qualidade para todos, de modo a recuperar a nossa soberania energética e assegurar a segurança energética do Brasil com desenvolvimento econômico e social.

 

(*) Rui Costa, advogado e especialista em regulação de energia elétrica

 

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