Trata-se de um setor não isonômico. Empresas estatais podem decidir muito pouco sobre seu próprio destino. A crítica da Ministra sobre tarifas altas das estatais está mal dirigida. Na realidade, deveria ser uma auto-crítica. Não vamos maquiar a realidade: As tarifas são altas porque, tanto os contratos iniciais como as tarifas de transmissão estão indexadas ao IGP-M e este já apresenta um diferencial de 40% acima do INPC. É simples!
Tudo isso foi decidido no modelo do governo anterior, o mesmo que causou o racionamento. Porque continua? Qual foi o momento recente onde algum dirigente de estatal participou da definição de qualquer parcela do preço de energia no Brasil? Porque o governo não começou sua reforma exatamente pela distorção de preços relativos que “elegeu” todos os serviços públicos privatizados como “especiais”? Seria apenascoincidência? Se as tarifas estão altas, não se quer ou não se pode alterar o índice de correção, porque não se examina como se formaram os preços dentro das estatais? Existem contratos “intocáveis” com empresas privadas na formação desse preço? Porque o governo não tem essa mesma coragem demonstrada contra as estatais, no caso dos contratos de self-dealing e no caso dos imorais contratos de parceria entre a Petrobrás e algumas multinacionais, onde só a estatal assumiu os riscos? Onde está a isonomia?
Desejar que as estatais tenham comportamento de mercado sem tratar da isonomia desse setor é no mínimo estranho. A Eletrobrás, por exemplo, carrega o peso das distribuidoras “federalizadas”, que lhe foi imputado no governo anterior. Será que ainda é preciso lembrar a necessidade de fazer superávit primário?
Tudo isso termina no bolso do consumidor, o único santo.
‘Ninguém é santo’ (Globo 13/09/04)
Mônica Tavares
BRASÍLIA. A ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, afirma que vai recorrer às secretarias de Defesa Econômica (Ministério da Justiça) e de Acompanhamento Econômico (Ministério da Fazenda) para evitar preços elevados nas tarifas de energia elétrica. Nem as empresas estatais serão poupadas. Citando dados do mercado financeiro, a ministra diz que Furnas e Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia, de São Paulo) são exemplos de empresas públicas que têm preços altos. “Ninguém aí é santo”, resume. Em entrevista exclusiva, Dilma afirma ainda que, até dezembro, serão feitos quatro leilões de 55.500 megawatts de usinas já instaladas. Esse volume equivale a 75% do total de que o país dispõe hoje. Se esses leilões não fossem realizados nos próximos três anos, diz ela, poderia haver problemas de abastecimento devido à ausência de investimentos. Os leilões são um sinal para os investidores, garante. Dilma reforça ainda que, nesses processos de licitação, haverá uma “preocupação imensa de evitar o conluio”. A ministra também quer montar um modelo regulatório que garanta o abastecimento e a redução progressiva de tarifas do gás natural. A idéia é permitir que a indústria consuma o gás natural que fica parado nas termelétricas.
Qual o desafio do setor elétrico depois do marco regulatório?
DILMA ROUSSEFF: Temos um cronograma apertado a cumprir porque pretendemos fazer o leilão de energia existente (de usinas já construídas) antes de licitar a energia nova. Consideramos uma política prudente em relação aos investidores que eles, que já estão no Brasil, tenham prioridade na contratação.
Quando esses leilões vão acontecer?
DILMA: Até o fim de dezembro. Cerca de 55.500 MW de capacidade ficarão sem comprador até o início de 2005. Serão quatro leilões, três de oito anos e um de cinco anos. O que diferencia o leilão é a data de entrega da energia. Começa entregando em 2005, outro em 2006, 2007 e 2008.
Qual a vantagem desse formato?
DILMA: Nos primeiros anos, o preço é baixo (porque sobra energia), nos seguintes o preço é mais alto (porque a procura cresce). Quando o contrato é de oito anos chega-se a um preço na média. Estamos fazendo um esforço para que o leilão seja o melhor possível, porque ele significa um sinal de estabilidade do país.
Não há problemas na área ambiental?
DILMA: Estamos tentando viabilizar as licenças prévias necessárias para os leilões de energia nova, que serão no primeiro semestre de 2005. A meta é realizar entre janeiro e fevereiro para ter fôlego.
O Meio Ambiente já informou que o tempo das licenças será o deles…
DILMA: Isso não significa que queremos atropelar a legislação. Queremos que haja prazos compatíveis com as necessidades do país. O governo vai instituir um comitê de gestão integrada dessas usinas, que vai compatibilizar os tempos dos ministérios com os tempos do país.
Quais usinas poderão participar do leilão de energia nova?
DILMA: Aquelas construídas e em operação a partir de 2000, mas ainda descontratadas na data da publicação da lei, e também aquelas com outorga, em construção ou em processo de licenciamento, mas descontratadas. E as usinas que chamamos de novas/novas (que ainda não foram construídas e para as quais sequer foi feita a concessão).
Investimento novo só o de usinas não licitadas?
DILMA: Não, das 45 usinas chamadas de novas têm algumas que sequer iniciaram a construção. Em Estreito, não tem nenhuma obra feita e corresponde a 1.087 MW. O leilão não pode passar de abril, porque é para entrega em cinco anos. O país precisa disso para 2009. Principalmente com crescimento econômico de 4,5% a 5%.
Com o crescimento do PIB, qual será o aumento do consumo de energia?
DILMA: Se você tem 3% de expansão do PIB, o aumento de consumo vai ser de 4,5%. Qualquer variação na distribuição de renda pode dar uma elasticidade maior, porque uma das primeiras coisas que as pessoas consumirão são eletrodomésticos.
As variações de consumo são grandes?
DILMA: Se eu tiver só um aumento de 3% no consumo eu estou em uma posição, se eu tiver aumento de 6%, em outra. Dá uma diferença de quase 10 mil MW.
Como foi a negociação com os agentes do setor do novo modelo energético?
DILMA: Chegou a um ponto da discussão em que eles pediram para a gente arbitrar. Por isso, quando alguns geradores começam a fazer certas críticas, eles estão fazendo uma crítica incorreta. Tudo foi negociado.
E os preços das estatais?
DILMA: Eles falam muito que as estatais baixam o preço. Teremos nos leilões a preocupação imensa de evitar o conluio. As tarifas não atestam que os preços privados e os das estatais são diferentes. Têm estatais com preços bastante altos.
Quais estatais?
DILMA: Furnas e Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia, de São Paulo), citando dados do Banco Pactual. Vamos fazer uma fiscalização muito grande tentando evitar a formação de preços e de monopólio. O espírito do modelo é da competitividade. Vamos inclusive chamar a Secretaria de Defesa Econômica e a Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ninguém aí é santo, porque santo está no céu. Empresas têm por objetivo a rentabilidade e queremos que as estatais tenham comportamento de mercado.
Serão leiloados quantos megawatts no ano que vem?
DILMA: Estamos calculando que serão 9.800 a 10 mil MW de capacidade. Energia suficiente para atender ao mercado até 2010. Em todos os casos, haverá leilão.
A senhora pode adiantar qual será a próxima meta do ministério?
DILMA: Agora que já matamos um pouco este leão, vamos dedicar esforço ao modelo do gás natural. Passa a ser prioridade. Vamos desenhá-lo, abrir a discussão com os agentes. A questão do gás também estará baseada nos dois princípios: segurança do abastecimento e modicidade tarifária (preços mais baixos). Tem que agregar também o conceito de competitividade com outros combustíveis.
Como é o mercado do gás no país?
DILMA: Temos um mercado de gás incipiente. O gás natural está na matriz dos estados desde 2000, com a construção do gasoduto Bolívia-Brasil. A termelétrica teve um papel muito grande, porque consome em determinado ponto uma quantidade muito grande. Uma térmica de 400 MW consome 2,2 milhões de metros cúbicos/dia. A GM consome 200 mil metros cúbicos/dia. O consumo industrial é disperso.
Mas por que usar o gás na indústria?
DILMA: O uso importante do gás é o industrial, é com ele que podemos aumentar a produtividade. Tem uma quantidade enorme de termelétricas no Sudeste e no Nordeste, mas funcionam pouco, só quando não tem água ou há alguma limitação (no restante do tempo, o gás fica sem uso). Isso pode permitir que eu venda o mesmo gás duas vezes. Só que eu tenho que fazer isto de forma explícita. Estamos formatando o modelo para oferecer o gás termelétrico para as indústrias (quando as térmicas estiverem ociosas), o que resultará num preço mais barato para a térmica e também para a indústria.