Um debate que vale a pena Roberto, Gostaria de deixar claro que minha opinião sobre o Brasil não é (nem nunca manifestei que fosse) algo relacionado a desalento. Muito pelo contrário, acredito que a "e …

Um debate que vale a pena



Roberto,


Gostaria de deixar claro que minha opinião sobre o Brasil não é (nem nunca manifestei que fosse) algo relacionado a desalento. Muito pelo contrário, acredito que a "energia potencial" é imensa, mas precisa ser transformado em "energia cinética" para representar alguma coisa. E logo. Jeito tem, sim, e com certeza não é prioridade porque vai "sangrar" quem atualmente é da "classe dominante". Teoricamente, é por ter esperança de que as coisas mudem para melhor que pensei em escrever-lhe, já que uma organização capacitada tecnicamente pode (e deve) levar aos governantes opiniões, sugestões e estudos (até mesmo isso) que comprovem ineficácia ou possíveis problemas com as políticas adotadas ou soluções possíveis.


Um ponto que merece atenção foi quando vc concordou que nos últimos 15 anos as estatais estiveram na lama, como currais políticos e poços de corrupção. Se vc se lembrar, antes desse período houve o governo Sarney e, ainda antes, ditadura militar no país. Vc vai me desculpar, mas as estatais que vc considera como benfeitoras para a sociedade devem, então, ter existido na época de JK ou Getúlio Vargas. Ou vc acha que as estatais e os contratos da época da ditadura foram muito melhores e mais confiáveis que esses de hoje? Vc diz, também, como se fosse surpresa, que existem estatais americanas. É claro que existem, mas no mesmo molde das daqui? Ou mais parecidas com a EDF (ou a Petrobras), que vai além da fronteira de seu país em busca de novos mercados para explorar?


Outro ponto que parece não ter ficado bem explicado é a necessidade de regulamenteção pelo governo. Isso não significa, em absoluto, que sua função é preparar as estatais para venda, muito pelo contrário. Teoricamente, regulamentação significa determinar rumos, estabelecer políticas prioritárias e, principalmente, verificar o cumprimento das determinações. Daí termos ministérios (definidores de políticas em sintonia com os planos do governo) e agências (para verificar a adoção das medidas necessárias para que se atinja a determinação da política e, caso necessário, punir quem negligenciá-las). É óbvio que esse tipo de agência regulamentadora é de extrema importância e deve ser apolítica e independente: ela deve punir e fiscalizar, inclusive, as estatais (como a ANP faz com a Petrobras em casos de vazamento ou imperícia, como a ANATEL faz com as concessionárias de telecomunicações, impondo metas e prazo para seu cumprimento). Pode parecer que a existência de uma agência apolítica não tenha nada a ver com governo, mas não se pode esquecer que as agências são federais e não podem ficar vinculadas à pessoa do ministro, daí ser apolítica e independente. Uma informação que pode ser interessante é a classificação de risco de investimento do setor de telecomunicações (AA), considerado altamente regulado pela ANATEL, ser menor que a classificação de risco de investimento no Brasil (BB-).


Uma afirmação sua me chamou a atenção: vc diz que a geração poderia ser feita pela iniciativa privada desde 1995 ou antes ("tinham e têm possibilidade"). Bem, poderiam e deveriam são situações diferentes. Vc há de convir que se fosse estipulado no edital de concessão que, por exemplo, em até 5 anos 10% da energia devesse ser suprida pela contratante, sob pena de pesadas multas (como um percentual de uma usina que suprisse os 10% contratuais, progressivo, que tornasse o não cumprimento do contrato caro demais para ser feito), a situação hoje seria bem diferente. Daí estabeleço, de novo, a falta de preparo dos governantes brasileiros em geral, que, acho sim, fazem parte da evolução. Atrelando-se a necessidade de geração à exploração do contrato de distribuição de energia, a situação ficaria muito diferente, mesmo. Como isso não foi feito, contou-se com a "bondade" dos fornecedores de energia. Como os burocratas não sabiam, esse tipo de boa ação nunca seria feita, uma vez que gerar energia é caro e o investimento só pode ser amortizado em muito tempo. Ou seja, empresas sangue-sugas, como a EDF, não fariam esse investimento de maneira nenhuma. Da incompetência em criar contratos, surgiu a garantia de lucro para concessionárias, construção de praças de pedágios e não de passarelas e daí por diante. Outra afirmação que fiz no meu e-mail anterior é que o Estado também deveria exercer a função de regulador. Assim, achei que ficasse claro que o Estado também pudesse exercer o papel de fornecedor de energia elétrica através de suas empresas (estatais) para corrigir e até eliminar distorções de preço, mantendo a iniciativa privada, sempre ávida por lucro, nos trilhos. Uma outra situação que não deve ser esquecida é a capacidade de investimento. Hoje, segue-se uma política de "mercearia", onde não sai mais dinheiro que entra (o superávit primário, que vive batendo recordes). Ou seja, até mesmo a capacidade de investimento de Furnas, que vc quantificou em US$300 milhões (essa quantia, por ano, representa US$1.5 bilhão desde 1995; não é muito?), ficou comprometida: o lucro (e conseqüentemente parte da capacidade de investimento) deveria ir para o governo. Assim, pode-se chegar à conclusão de que o Estado, hoje, não tem capacidade (caixa) para investir em expansão ou modernização do sistema elétrico, o que faz com que a iniciativa privada seja a única opção possível. De novo, se as concessionárias de distribuição fossem obrigadas a aumentar a oferta de energia por contrato, a situação seria diferente… Não podemos nos esquecer de que em dada época o sistema elétrico foi estatizado, já que a única instituição com poder econômico suficiente para arcar com as pesadas despesas de ampliação, normalização (estabelecimento de freqüência única) e modernização do sistema era o Estado. Como dito antes, o Estado, hoje, está falido. Unindo tudo isso, só posso concluir que, por incrível que pareça, os inventimentos mais pesados devem partir da iniciativa privada, mas com a fiscalização rígida de agências governamentais. O governo deve, ainda, manter usinas estratégicas com capacidade de geração suficiente para regular o mercado, tendo como meta, também, a obtenção de lucro operacional. Não se pode esquecer que a opinião do "pai" do modelo atual é de que se faz necessária uma revisão do modelo ("o modelo não era bem esse"), não uma mudança de modelo. O que faltou foi maior rigidez nas políticas de concessão, no atrelamento aos interesses do país.


Um detalhe: o pessimista não sou eu, não… Não acho, mesmo que se siga nessa direção, que chegaremos ao ponto que a Argentina chegou. Nem acho que o preço da energia ficará tão caro que impossibilitará a produção no Brasil…


Outro detalhe: a dívida do Brasil hoje é, em sua maior parte, vinda do sistema financeiro (juros, dólar…) e não de manutenção de empresas. Dizer que a penúria do governo é devida às estatais seria irresponsabilidade. Mas, por longos anos, elas foram deficitárias e contribuíram para reduzir o poder econômico do Estado, até o ponto em que estamos hoje: falido e sem "balas na agulha" nem credibilidade…


Sobre a Noruega, concordo contigo. O mesmo pode-se dizer dos americanos, franceses, japoneses, alemãos, ingleses… Lá, o que é público tem dono: todos; aqui, o público não era de ninguém, a não ser de quem chegasse primeiro (talvez ainda seja assim, mas um dia muda…).


Quanto à ABUC, o que vc disse tem muito a ver com o meu primeiro texto… Ou se está no jogo, ou se está fora.


Um abraço,


Christiano.


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