Um modelo para não ser seguido

Abaixo a Ilumina publica um artigo traduzido do SPECTRUM ­ IEEE dos Estados Unidos ­ REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO NA INGLATERRA: UM MODELO PARA NÃO SER SEGUIDO ­ que expõe a série de impasses e desequilíbrios econômicos e operacionais que resultaram da desregulamentação da indústria de energia elétrica, submetendo-a à manipulações do livre mercado. O artigo apresenta argumentos que demonstram, de forma lógica, a natureza diferenciada das concessionárias de energia elétrica, que às caracterizam como “monopólios naturais” e também os abusos econômicos a que foram ( e ficam) sujeitos os consumidores de energia elétrica do Reino Unido e em outros países onde o modelo inglês foi seguido e implantado, como os Estados Unidos, Brasil etc.

Nos Estados Unidos, o caso mais grave de manipulações e abusos econômicos dos consumidores ocorreu na Califórnia. Conforme artigo na revista TIME de 25 de junho de 2001, durante o ano de 2000, o “livre mercado” de energia, inaugurado no Estado em anos recentes, permitiu um aumento do faturamento global do Estado, para energia no atacado, de US$ 7 bilhões em 1999 para US$ 27 bilhões em 2000, prevendo-se ainda que poderá chegar a US$ 55 bilhões em 2001. O artigo do TIME cita ainda o pronunciamento do Governador da Califórnia sobre a “enorme transferência de riqueza dos simples cidadãos da Califórnia para os ricos barões em Houston, Charlotte e Atlanta” e também os vultosos bonuses dos executivos de empresa, como principalmente, ENRON e EL PAS0.


No caso da ENRON, o bonus chegou a US$ 123 milhões em opções no ano 2000. Tarifa de energia elétrica aumentou cerca de 4 vezes e gás natural no Sul da Califórnia chegou, no final do ano 2000, a mais de 2,5 vezes a média americana. A revista americana BUSINESS WEEK ­ Edição Latino-Americana, de 6 de Agosto de 2001 contém artigo semelhante sobre o caso da Califórnia. O artigo da revista TIME menciona ainda: “os princípios de mercado livre do presidente Bush, espelha os interesses financeiros de seus partidários na indústria de energia: altos executivos que estão realizando dezenas e centenas de milhões de dólares em opções, enquanto suas companhias triplicam seus lucros. O artigo cita ainda o enfraquecimento da FERC ­ Comissão Federal de Regulação da Energia dos Estados Unidos que inclue entre seus 4 membros e presidente, um novo membro, nomeado por Bush, com suporte do presidente do conselho da ENRON.


Agostinho Ferreira


REESTRUTURAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO NA INGLATERRA: UM MODELO PARA NÃO SER SEGUIDO.


Por: Theo Macgregor, Mac Gregor Consultoria de Energia.


O modelo de desregulamentação da industria de energia elétrica que foi adotada nos Estados Unidos, durante os últimos 10 anos, é um fracasso. O modelo, estabelecido na Inglaterra em 1991, foi concebido e criado num processo não democrático, sem participação pública e transparência de informações sobre os dados dos custos subjacentes às tarifas.


Embora os preços internacionais do petróleo e gás natural tenham despencado e o emprego no setor elétrico reduzido em 50 porcento, preços de geração no Reino Unido permaneceram tão acima do custo de produção que, literalmente, levaram as empresas geradoras de energia a não saber o que fazer com todos seus lucros. Em um único ano, uma das DUAS EMPRESAS GERADORAS que foram criadas ­ National Power ­ pagou a seus acionistas dividendos que excediam o valor de todas as ações da empresa na época da privatização.


A privatização do que era um monopólio do governo resultou em uma empresa de transmissão e 12 distribuidoras regionais: RECs ­ Regional Elétric Distribution Companies. Estas eram consideradas monopólios naturais, sujeitas a regulamentação, enquanto que as geradoras logo seriam competitivas e não necessitariam de regulamentação: OFFER ­ Office of Electricity Regulation ­ foi estabelecido para estabelecer limite de preços ( price caps) para as distribuidoras ( RECs) e controlar o comportamento monopolista por parte das geradoras. Eventualmente, o OFFER forçou duas empresas a se desfazerem de um número significativo de usinas mas, mesmo assim, os preços ( de energia) ficaram bem acima dos custos ( de produção).


Um professor da Universidade de Brimingham, Stephen Littlechild foi nomeado como primeiro diretor ­ geral do OFFER. Ele instituiu o sistema de “Power Pool bidding” que, supostamente, submeteria as geradoras aos preços de mercado e às levaria à competir. Oito anos depois, uma investigação conduzida pela OFFER, levou às seguintes condições:


“Havia forte evidência de que os preços do “Pool” estavam sendo manipulados; que os participantes do “pool” estavam se utilizando das regras para se beneficiarem comercialmente; e que a majoração dos preços no atacado significou preços mais elevados para os consumidores finais. E, finalmente que o processo de manipulação dos preços estava se acelerando”.


Quando Littlechild criou o “British Power Pool”, a teoria era simples: cada dia, as empresas geradoras fariam suas propostas para suprir energia à rede nacional, para cada meia hora do dia seguinte. As propostas de menor preço supririam o sistema e consumidores se beneficiariam da competição na forma de preços mais baixos. Mercados e não regulamentação, estabeleceriam assim os preços de energia elétrica.


Infelizmente, o sistema Britânico de tarifação de energia elétrica com base no mercado, se tornou o modelo para reestruturação ( do sistema elétrico) ao redor do mundo, inclusive nos Estados Unidos. O modelo tem se espalhado, não obstante seu fracasso em realizar o que era suposto que realizasse: especificamente, reduzir preços para os consumidores.


Realmente, depois de quase uma década de tarifação pelo mercado, tarifas para consumidores residenciais na Inglaterra em 2000 eram 44% mais altas que nos EEUU, tendo aumentado consideravelmente desde 1989 quando a privatização foi estabelecida.

EFICIÊNCIAS ECONÔMICAS CONFORME O MERCADO


O argumento principal apresentado pelos economistas para promover desregulamentação e competição de mercado na tarifação de energia elétrica, é que o mercado promove eficiências econômicas.


Conforme a argumentação, uma vez livre da regulamentação, preços aumentam ou diminuem conforme a demanda: sinais adequados de preços, promoverá uso eficiente e conservação de energia; usinas serão constituídas quando e onde necessárias e a necessidade de regulamentação será reduzida.


Na Grã-Bretanha, como na California e em outros lugares onde a tarifação de energia elétrica com base no mercado foi implantada, a teoria esta se chocando com a realidade. No Rio de Janeiro, Brasil, por exemplo preço depois da privatização saltou 400 por cento, 40% dos eletricitários perderam seus empregos e as luzes se apagaram.


No mundo real, mercados de energia elétrica são fáceis de serem monopolizados e manipulados para que a teoria possa funcionar. Com exceção de regulamentação de tarifas, não existem conjuntos de regras outros controles que possam prevenir os violentos aumentos de preços e variações que são endêmicos aos mercados.


A indústria elétrica incorpora todos os elementos que eram usualmente ( e às vezes ainda são) chamados de “monopólio natural” : não existem bons substitutos por que: somente um provedor pode distribuir eletricidade eficientemente; barreiras para entrada no mercado são grandes ( custos de capital extremamente altos e barreiras de localização, entre outras); eletricidade não pode ser economicamente armazenada: eletricidade é uma necessidade: demanda é notoriamente preço inelástica e sinalização de preços entre supridores é externamente fácil.


De fato, um dos primeiros proponentes da desregulamentação em várias industrias (transportes rodo- ferroviário, aéreo e energia elétrica), Alfred kahm, um economista da Universidade de Cornell e antigo presidente da Comissão de Serviços Públicos do Estado de Nova York, agora diz: “Eu estou preocupado com a singularidade do mercado de energia elétrica. Sempre tive dúvidas sobre a eliminação da integração vertical ————; pode ser esta a indústria na qual funcionou razoavelmente bem.


Na Grã-Bretanha, o custo adicional para simplesmente desenvolver e operar o novo mercado atacadista de energia durante os primeiros cinco anos foi de 726 milhões de libras esterlinas (aproximadamente US$ 1,1 bilhões) incluindo extensas modificações após apenas dois anos de implantação. Após cerca de uma década de preços altos e manipulação do mercado, a Grã-Bretanha gastou, adicionalmente, mais 100 milhões de libras esterlinas para eliminar o “Power Pool” e instituir o New Electricity Trading Arrangements (NETA) ­ Nova Formulação do Mercado Elétrico, que supostamente irá fomentar negociação tipo “comodities” no mercado atacadista de energia da Grã-Bretanha que vale 7,5 bilhões de libras esterlinas.


A indústria elétrica propriamente dita gastou muito mais porque as empresas tiveram que instalar sistemas de computação para controle das transações elétricas afim de capacitá-las a participar. Entretanto, consolidação da indústria resultou em apenas seis empresas verticalmente integradas que servem 12 das 14 regiões do país. A maior parte dessas companhias servem seus próprios consumidores, o mercado de contratos bilaterais está desaparecendo e não há incentivos para venda no mercado “spot”.


MAIS REGRAS E REGULAMENTAÇÃO DO QUE ANTES


Contrário ao modelo do “Power Pool”, onde a geração era despachada centralizadamente (semelhante ao sistema da Califórnia, com exceção de que a compra de energia no mercado futuro para fazer “hedging” contra aumento de preços é permitido). NETA permite auto-despacho, ou seja: permite que as companhias geradoras enviem energia para onde desejarem. Noventa porcento do intercâmbio ocorre no mercado bilateral, onde o comprador contrata diretamente com o supridor e sobre o qual não existe informação disponível para o público. O restante ocorre no Intercâmbio de Energia, cujo balanço de fluxos é realizado pelo operador do sistema. O processo de determinar os balanços e anúncio dos preços finais pode demorar meses, durante os quais todos os envolvidos no processo desconhecem o que está ocorrendo.


NETA entrou em operação em 27 de março de 2001 de forma que é ainda muito cedo para saber se irá fomentar competição e baixar os preços para os consumidores. O custo do sistema mais o aumento do preço do gás natural no Reino Unido, pode, na realidade elevar os preços, conforme Simon Harrison, diretor da Mott Macdonald, consultores de energia e Martin Harley, presidente da TXU Europa, um importante gerador e supridor no Reino Unido.


Assim, longe de simplificar a tarifação de energia elétrica e eliminar regulamentação, mais regras e regulamentações do que jamais existiram foram criadas e implementadas desde que iniciou-se o processo de reestruturação da industria de energia elétrica e, mais ainda, esta sendo diariamente exigidas. Essas regras e regulamentações ­ assim como a estrutura do novo intercâmbio de energia (NETA) ­ foram projetadas e implementadas sem a necessária participação daqueles atingidos pelas mudanças.


Durante o processo de privatização em 1990, o governo Britânico estabeleceu o “Conselho de Consumidores” para, supostamente, proteger o interesse público com preços de eletricidade justos e razoáveis. Entretanto, membros desse conselho eram nomeados pelo próprio órgão regulador. Assim, os membros do Conselho sempre emitiam pronunciamentos em apoio ao regulador e nunca se opuseram seriamente às suas decisões sobre preços. Recentemente, à guisa de reforma reguladora, o governo Britânico anunciou que o regulador não mais indicaria os membros do conselho, em vez, o governo central selecionaria algumas organizações de consumidores para rever documentos, ditos “confidenciais”, fornecidos pelas empresas de energia elétrica. Eles ainda teriam pouca influência e outras partes interessadas ainda não tem direito de participar do processo.


Mesmo quando os Estados Unidos começaram a desregulamentar preços de energia elétrica no atacado, e, em alguns estados iniciou-se também a desregulamentar tarifas no varejo, uma grande diferença entre a reestruturação na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos permaneceu: nos Estados Unidos, os legítimos interessados participam plenamente dos processo.


Outra diferença é que, em vez de permitir que as empresas declarem que seus dados de custo são confidenciais e não podem ser compartilhados, concessionárias americanas são obrigadas a fornecer informações aos órgãos reguladores e ao púbico, permitindo assim a determinação de tarifas “justas e razoáveis”.


Os princípios de regulamentação democrática foram recentemente desafiados pela maneira como a Comissão Federal Reguladora de Energia (FERC) gerenciou a tarifação no atacado no Oeste e outras partes dos Estados Unidos e pela estrutura de mercado criada na Califórnia. A esperança para restauração de tarifação razoável se apoia no fato de que os cidadãos afetados pelos resultados ( dos acontecimentos na Califórnia) estão agora participando das decisões sendo tomadas: por meio de demandas judiciais, negociação e legislação.


Na Grã Bretanha, como na maioria dos países ( fora o Canadá), regulação democrática é uma contradição em termos. Os altos e voláteis preços inerentes aos mercados totalmente livres de controle se tornarão comuns na indústria elétrica dos Estados Unidos também ­ a menos que a participação pública e a transparência das informações continuem a ser prática normal na tarifação da energia elétrica.

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