Uma proposta indecorosa

Uma proposta indecorosa

O Brasil tem uma elite que se pós-graduou nas escolas da nova economia que ensinam o neo-liberalismo e a globalização. Até ai tudo bem. Afinal, todos os países latinos americanos fizeram o mesmo e, através dessa elite, estão aplicando exatamente a mesma receita macro-econômica. Não se pode esperar muita imaginação e criatividade nesse pessoal. Entretanto, o que é grave é que a elite brasileira parece que não fez todos os deveres de casa e portanto, entendeu errado o que foi ensinado.


Um dos mais reluzentes representantes dessa elite é o atual secretário de energia do ministério do mesmo nome. Sua postura nos últimos acontecimentos no Congresso e em debates na TV, é o da arrogância agressiva. Dá aulas e brada seus títulos acadêmicos com a maior naturalidade, não mostrando nenhum constrangimento pela situação que o país irá passar, fruto de um modelo que ajudou construir.


No último debate no programa Roda Viva pontificou em alta voz teses altamente discutíveis como se fossem verdades supremas. Uma delas, está no centro da proposta que está colocada para os Brasileiros para a “solução” dessa crise energética. No fundo, ele, um funcionário público, pago pelos nossos impostos, é o “porta-voz” de uma proposta indecorosa! Trata-se da idéia de que os sistemas energéticos, todos, sem exceção, devem adotar o sistema de sinalização econômica baseado no custo marginal internacional. Os preços de geração no Brasil seriam muito baixos, desestimulando os investimentos das novas usinas à gás, salvadoras da nossa penúria energética.


O conceito do custo marginal é simples, apesar do nome que não explica nada. Muito simplificadamente a tese é que os consumidores devem pagar não o custo passado dos investimentos, mas sim, o custo das novas instalações. Tudo muito lindo, pois quem poderia ser contra a viabilização da expansão? Afinal, cobrar dos consumidores um preço que cubra os custos de instalações futuras é o mínimo para garantir a continuidade do suprimento em um cenário de expansão da demanda.


Entretanto, para que essa teoria não cause prejuízos à sociedade, impõe-se ao poder público uma obrigação. É preciso saber se as unidades programadas estão sendo consideradas com um mínimo de lógica econômica. As usinas mais baratas devem ser construídas antes de opções mais caras, pois num cenário de expansão da demanda como o brasileiro, quem garante que não estaria ocorrendo o inverso? Sob essa inocente aparência academica, um verdadeiro assalto poderia ser praticado contra o consumidor. Evidentemente, esse governo não está interessado nessa responsabilidade, e, mais do que isso, destruiu o sistema de planejamento que ordenava as usinas por ordem de custo. Hoje o “custo marginal” brasileiro está uma bagunça!


Ora, o Brasil é reconhecido mundialmente por sua riqueza hídrica. Os rios brasileiros, a maioria do tipo planalto, quando represados formam grandes reservatórios capazes de armazenar 4 a 5 anos de afluências. Como a força da gravidade é gratuíta e a água ainda vem dos céus, a energia elétrica é intrinsecamente barata. Isso possibilitou que tivessemos uma “camada” de energia, a gerada pelas empresas estatais, que custa hoje algo entre US$ 20 e US$ 25/MWh. Mesmo se entregassemos a construção do setor hidráulico brasileiro ao juiz Lalau, ainda assim teríamos energia barata. Essa é uma vantagem comparativa que o Brasil tem. Se eletricidade fosse petróleo, o Brasil seria a Arábia Saudita. (Ver gráfico)



Por incrível que possa parecer, ainda existem projetos hidroelétricos cujo custo da energia produzida está estimado em aproximadamente US$ 15/MWh. Comparem esse custo ao das usinas a gás, no entorno de US$40/MWh.


O que está ocorrendo no Brasil é curioso. O secretário de energia está propondo que o Brasil abra mão dessa imensa vantagem comparativa, invejada no mundo todo, e alinhe seus preços internos não ao valor marginal brasileiro, mas sim a um custo marginal globalizado, lá dos países centrais que não têm essa riqueza natural que o criador nos deu. Sugiro ao secretário tentar convencer os países árabes que existe uma grande vantagem em alinhar o preço interno do seu óleo diesel, que lá, custa US$ 0,10 por litro, aos custos marginais do diesel no mercado internacional.


Se a Arábia Saudita fosse aplicar ao seu petróleo, o modelo de reestruturação do setor elétrico brasileiro, em poucos anos teria racionamento ou se transformaria em importador de óleo.


O Brasil é o único país sub desenvolvido que tem a proporção mostrada no gráfico. Apenas os Estados Unidos e Canadá tem proporções semelhantes.



Roberto Pereira d’Araujo


Diretor do ILUMINA – Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico




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