Valor 20/03 Mudanças nas agências podem reduzir investimento privado Roberto Rockmann , De Brasília As mudanças que o novo governo pretende fazer na estrutura e na esfera de atuação das agênc …

Valor 20/03


Mudanças nas agências podem reduzir investimento privado

Roberto Rockmann
, De Brasília


As mudanças que o novo governo pretende fazer na estrutura e na esfera de atuação das agências reguladoras estão sendo observadas de perto por especialistas do setor de energia. Apesar de acreditarem que há espaço para progressos na área, muitos dirigentes de empresas temem que as alterações contribuam para se tornarem mais um sinal negativo aos investidores. À espera de indicações mais concretas do que virá, novos recursos para o investimentos no segmento devem ficar em segundo plano.


Há dois temores principais nas rodas empresariais. O maior é o de que a discussão torne-se política e que a nomeação dos diretores siga esse caminho. Informações não confirmadas de que o governo estuda uma fórmula para que os mandatos dos dirigentes poderiam coincidir com os do Executivo preocupam. A pergunta que fica é: se muda o presidente, a agência pode mudar, ou seja, o investidor teria de lidar com mais um fator de incerteza a cada eleição presidencial.


Portanto, mais interessante do que criar novas regras, seria tornar as atuais mais eficazes, deixando claro o papel e as atribuições dos órgãos reguladores.


Embora entendam que o papel das agências precise ser reformulado, muitas vezes aproveitando sinergias entre elas, há preocupações de que elas sejam esvaziadas. A intermediação feita pelas agências entre Estado e empresas estaria perdida.


Nesse ambiente de incertezas, agravado pela intenção de criação de um novo modelo, os investimentos no setor elétrico devem ficar abaixo do previsto inicialmente. A Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdid) projetava que o fluxo de capital ao segmento ficaria em US$ 16 bilhões entre 2002 e 2004. Agora esse montante não deve nem chegar a US$ 10 bilhões no período.


Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o clima também é de incertezas. "O momento é delicado, estamos sentindo bastante", afirma um funcionário da agência. O contigenciamento de recursos por parte do governo reduziu em 70% o orçamento de mais de R$ 200 milhões do órgão regulador. "Hoje a autonomia da diretoria é uma das poucas coisas que restam. Com ela em xeque, o cenário fica muito complicado", afirma.


Não bastasse isso, a agência vive hoje em meio a um fogo cruzado com as distribuidoras de energia elétrica, que lutam para mudar os critérios que definem a revisão ordinária de tarifas.


As preocupações não chegam apenas ao setor elétrico. Depois de o governo ter colocado à Agência Nacional de Petróleo (ANP) na berlinda, empresários do setor de petróleo e gás também têm ficado temerosos de mudanças. A ANP é vista com bons olhos, ainda mais como um agente fiscalizador do poder da Petrobras. Modificações na sua estrutura poderiam tornar a presença estatal mais forte em um setor que ensaia os primeiros passos de liberação do mercado.


Nas últimas semanas, o governo tem emitido sinais de que deve mudar a estrutura das agências. Uma das preocupações principais é retirar o poder delas de fixar as tarifas. Estudo da Universidade de São Paulo, elaborado pelo professor e atual diretor de gás e energia da Petrobras, Ildo Sauer, aponta na direção de dar às agências o poder apenas de fiscalizar contratos.


O trabalho, visto por muitos especialistas como um esboço do possível novo modelo do setor elétrico, foi leitura de fim-de-semana de muitos executivos.


"É preciso que o setor de infra-estrutura tenha sinais de longo prazo, se vejam problemas por dez anos", afirma o presidente de uma empresa que opera no setor. "As agências precisam ser livres, avessas às disputas políticas", afirma o executivo de uma grande companhia elétrica.


Valor 20/03


Cortes adotados pelo governo neste ano já reduziram dotação para Aneel

De Brasília


Em meio a um fogo cruzado do novo governo, que tem pretende alterar suas funções e mesmo as atuais diretorias, as agências reguladoras tentam tocar o dia-a-dia de suas funções. Na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), um alto funcionário diz que o clima está tenso e que muitos estão sentindo o ambiente confuso e delicado.


Segundo ele, há três problemas. Primeiro, a autonomia dos diretores, um dos pilares das agências reguladoras, está sendo colocada em xeque. O que gera desconfiança e medo aos dirigentes, que procuram evitar contato com a imprensa, com medo de promover polêmicas com representantes do governo.


Outro problema, segundo ele, é que o contingenciamento de recursos por parte do governo vai reduzir o orçamento que a Aneel trabalha nesse ano. O fato de também não possuir um quadro próprio de funcionários é outro problema. Estudo do Banco Mundial (Bird) sobre o órgão regulador brasileiro também aponta que a agência precisaria investir em recursos humanos e na formação de profissionais de carreira.


Ao mesmo tempo, a Aneel vem sofrendo fortes pressões de empresas de distribuição de energia elétrica. Alegando estarem sendo prejudicadas pelos critérios da revisão ordinária de tarifas definidos pela agência, as elétricas buscam na Justiça e com o governo modos de atenuar a decisão, melhorando a remuneração de seus ativos.


A Justiça Federal já deu ganho de causa à Aneel, mas as empresas continuam buscando mudar a definição do órgão regulador.


O processo de revisão ordinária de tarifas já começou. Os primeiros valores de algumas empresas já foram anunciados. Empresas como a CPFL e a Cemig estão entre as primeiras que terão suas tarifas reajustadas, o que deve ocorrer na primeira semana de abril. Até lá o confronto não deve parar.


A agência procura não responder sobre a questão, evitando entrar em polêmicas. Na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a estratégia não é diferente. Na segunda-feira, o ministro de Comunicações, Miro Teixeira, afirmou que o governo não permitiria o reajuste das tarifas em julho das operadoras fixas, se elas insistissem em corrigir os preços pelo IGP-DI, como está nos contratos de concessão. A agência preferiu não comentar o assunto na segunda-feira. (RR)



Projeto de lei do PT limita poder das agências

Evandro Éboli


BRASÍLIA. A deputada Telma de Souza (PT-SP), da base parlamentar do governo, apresentou ontem um projeto de lei que amplia o controle do governo sobre as agências reguladoras e que, se aprovado, vai alterar totalmente a relação entre as agências e o Executivo.


Pelo projeto, a prerrogativa de fixar os preços de tarifas públicas volta a ser do Executivo, acaba a estabilidade dos diretores e o presidente da República passa a ter o poder de demitir os integrantes dos conselhos das agências a qualquer momento.


O projeto contou com o aval da Casa Civil. Descontente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito a interlocutores que tem sido surpreendido com seguidos reajustes de tarifas públicas, sem poder fazer nada.


– A autonomia dessas agências não pode se sobrepor ao Executivo. O regime é presidencialista – justifica a deputada Telma de Souza, que já foi prefeita de Santos.


Atualmente, os conselheiros das agências só podem ser demitidos por improbidade administrativa, condenação penal ou descumprimento de contrato de gestão.


Para a deputada, as agências brasileiras funcionam baseadas em modelos estrangeiros, especialmente na doutrina americana, que concede elevado grau de independência desses órgãos frente ao Poder Executivo.


– Essa teoria é insustentável porque sonega aos governantes eleitos pelo voto direto qualquer interferências nas políticas de governo – afirma a deputada Telma de Souza.


Entre o apagão e a invasão de terras


ASSIM COMO O PLANEJAMENTO, A REFORMA AGRÁRIA É UMA FUNÇÃO PÚBLICA INTRANSFERÍVEL

ROLF KUNTZ



Há uma fórmula simples para travar o Estado brasileiro, bagunçar a economia e criar uma porção de impasses legais. Basta somar os erros cometidos pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e aqueles que ameaça cometer o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo FHC entregou ao setor privado, por falta de planejamento, funções que só podem caber ao setor público. Errou, sobretudo, ao tratar as privatizações como solução de um problema fiscal. O governo Lula ainda não resolveu quais são as funções do Estado, nem como diferenciar, na área pública, os papéis de planejamento e regulação. Para avaliar os erros do governo anterior, basta pensar na crise do setor elétrico e no problema das tarifas de serviços de utilidade pública. Para perceber os perigos à frente, basta pensar nos impasses que o MST poderá criar, se as autoridades federais confundirem militância com gestão pública. Ou no que poderá ocorrer com os investimentos em infra-estrutura, se as tarifas e preços monitorados passarem a ser administrados politicamente.

Um dos primeiros atos do presidente Lula, depois de se acomodar no Palácio do Planalto, foi declarar que as agências reguladoras têm excesso de poder.

Diagnóstico errado: se há um problema, não está no poder das agências, mas nos contratos de concessão de serviços e no abandono do planejamento pelos ministérios. A situação encontrada pelo novo governo decorreu de três falhas: 1) a privatização dos serviços ocorreu antes da regulação dos mercados; 2) as concessões foram tratadas principalmente como formas de alimentar o Tesouro e de reduzir o endividamento do setor público. Deu-se muita ênfase à receita dos leilões e pouca importância ao que ocorreria a partir dali; 3) não se cuidou de garantir o cumprimento de metas de investimento e de universalização dos serviços. Um dos principais problemas da regulação, como observou Diogo Coutinho num excelente ensaio, é conciliar a lógica do lucro privado com os objetivos da prestação de serviços públicos. No caso brasileiro, o governo fracassou diante desse desafio. O problema permanece: a menos que pretenda reestatizar os serviços privatizados, o poder público terá de tentar de novo aquela conciliação. Se optar pela administração política de tarifas – uma velha e desastrada experiência -, haverá um novo fracasso. Só com muito sangue frio e prudência se pode combinar a regulação – a necessária atuação do Estado – e o respeito às condições em que o interesse privado pode produzir seus frutos.

Um erro, pelo menos, o novo governo parece empenhado em não repetir: o abandono do planejamento. Certas funções são intransferíveis. Uma das mais importantes é definir objetivos nacionais, estabelecer estratégias de longo prazo e coordenar as ações necessárias. Na maior parte dos casos, não faz muita diferença que os investimentos sejam realizados pelo setor público ou pelo setor privado, desde que se garanta a sua realização. Não é uma tarefa trivial, nem um exercício mágico de voluntarismo. Contra esse tipo de engano alguns setores do governo – só alguns – parecem vacinados.

Nem todos, no entanto, parecem perceber a natureza das funções do Estado.

Desde a posse do ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, fala-se em mudar a Medida Provisória 2.183, que proíbe, por dois anos, a vistoria e a desapropriação de terras invadidas. Pressionado, o ministro disse que não pretende propor mudança "neste momento", apesar de sua posição "contrária ao mérito dessa MP". Essa posição revela um grave equívoco.

Aquela MP, ao contrário do que dizem seus críticos, não é uma punição aos invasores, nem uma restrição a direitos, a menos que se julgue que a invasão seja um direito do MST ou qualquer outro grupo. Também não tem sentido alegar que se trata de invasão de terras improdutivas e que a Constituição atribui uma função social à propriedade.

Nenhum desses argumentos elimina um dado fundamental: reforma agrária é uma política pública e só o poder público tem autoridade para decidir que terras serão vistoriadas e determinar, segundo critérios técnicos e legais, sua desapropriação. Nenhum indivíduo particular ou grupo privado pode exercer esse papel. O MST é um grupo privado, assim como a UDR ou qualquer outra associação que venha a ser formada por proprietários ou não proprietários de terras. Não cabe ao MST, portanto, escolher terras para desapropriação, nem decretar quais propriedades o poder público deve considerar improdutivas. Da mesma forma, não cabe a um particular, sozinho ou em grupo, resolver quem deve submeter-se a julgamento e qual deve ser sentença de um tribunal. Quem não entende essa restrição não sabe o que é governo, não entende a diferença entre público e privado e não tem condições de exercer uma função estatal.

Qualquer grupo que pretenda forçar a desapropriação de uma área, por meio de invasão, ofenderá menos o proprietário do que o Estado, pela usurpação de poder. É isto que o presidente Lula precisa entender, ao tratar do assunto – se é que já não entendeu. Se admitir que se confunda militância com função pública, o presidente comprometerá sua autoridade e estimulará todo tipo de pressões ilegais contra a administração pública. Se não tiver autoridade para reprimir um invasor de terras, não terá moral, também, para reprimir uma grande empresa que abuse do poder econômico ou para combater a ação de cartéis.

"Privatização, Regulação e o Desafio da Universalização do Serviço Público no Brasil", em Regulação, Direito e Democracia, coletânea organizada por José Eduardo Faria.

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