Roberto Pereira D´Araujo (*)

O artigo abaixo foi publicado no dia 25/09/2024 no Valor Econômico 

No mesmo dia, mandei uma carta ao Valor argumentando que, ao contrário do texto, nas últimas décadas, o Brasil privatizou mais 100 estatais.  

Abaixo, a carta enviada:  

O Dr. Nilson Teixeira, antes de escrever o artigo “Estatais prejudicam o país”, deveria consultar os dados do BNDES e do FMI. Nessas últimas três décadas o Brasil vendeu mais de 100 empresas públicas. O crescimento do PIB brasileiro ficou bem abaixo da média mundial como está evidente no site do FMI. Muitas das empresas privadas que o autor cita, são simplesmente ex-estatais que, pelos dados, não contribuíram o suficiente para o país conseguir escapar dessa quase inércia da sua renda. Caso queira conferir, https://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD/BRA. 

Acho que os dados mostram que o Brasil não sabe privatizar. 

Roberto Pereira D´Araujo 

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A carta só foi publicada na versão impressa dois dias depois e com uma mudança inacreditável. Ao invés de manter o link do FMI, que sustenta a com dados a carta, alterou o link para https://bit.ly/3THIl1C, que pode levar a um erro.  

Leiam o artigo do Dr. Nilson, que, evidentemente não respeita nem aspectos históricos indiscutíveis e depois do artigo, acessem a enorme quantidade de evidências dessa lamentável posição de um PhD.  

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Estatais prejudicam o país 

A atual intervenção na economia também tem sido marcada pela reintrodução de várias políticas que fracassaram nas últimas décadas 

Por Nilson Teixeira 

25/09/2024 05h01 · 

Uma das pautas mais equivocadas do governo é a defesa da maior intervenção do Estado na economia, com membros influentes da atual gestão vendo o fortalecimento das empresas públicas como a melhor forma de alcançar o desenvolvimento e de proteger os interesses do país em um mundo globalizado. 

Essas alegações não são, porém, suportadas pelas evidências. Países com mais estatais não apresentam maior soberania, maior justiça social nem economia mais estável. Ao contrário, nações desenvolvidas são caracterizadas por uma presença dominante de firmas privadas, com estatais, quando muito, focadas em poucos setores. Ademais, a pandemia atestou que as empresas privadas em momentos de crise respondem de forma mais rápida e eficiente do que as empresas públicas, como, por exemplo, no caso do desenvolvimento de vacinas. 

O afã pelo fortalecimento das estatais resulta do devaneio de que as firmas privadas, ao buscarem a maximização dos lucros, investem menos do que se estivessem focadas no crescimento e no bem-estar da sociedade. As críticas à privatização da Vale, da Eletrobras e da Petrobras Distribuidora estão alinhadas com a ilusão de que o controle privado reduziu os investimentos e o atendimento à população. O desejo de controlar a Petrobras é parte desse cenário, ainda mais quando a empresa não faz parte do cômputo do resultado primário. 

Alegações de que as estatais alavancam o crescimento e atendem melhor a sociedade não têm apoio na realidade 

As alegações de que as estatais alavancam o crescimento sustentável e atendem melhor os interesses da sociedade não têm sustentação na realidade. Ao contrário, o crescimento per capita irrisório acumulado desde os anos 1980, com duas décadas perdidas, se deu com recorrentes políticas de intervenção na economia e nas empresas públicas, gerando déficits contínuos na maioria das estatais e corrupção em muitas delas. 

A eficiência da economia seria certamente maior caso muitos dos investimentos patrocinados pelos governos não tivessem ocorrido; várias empresas públicas, como Codevasf e Valec, tivessem sido fechadas; e estatais, como Petrobras e subsidiárias, Banco do Brasil, BNB, Itaipu e Correios, tivessem sido privatizadas. Essa conclusão advém da observação de que as empresas públicas têm pior performance e investimentos menos eficazes. 

Um exemplo de fracasso é a reinauguração do antigo Comperj – polo petroquímico no Rio de Janeiro, lançado em 2006 e orçado em US$ 6 bilhões. A ideia inicial foi abandonada em função do custo atualizado de US$ 30 bilhões. Mesmo já tendo sido consumidos US$ 13 bilhões, só uma parte do projeto será implementada e, ainda assim, serão necessários investimentos até 2029 para o seu pleno funcionamento. 

Os malfeitos na Petrobras incentivaram a aprovação da Lei de Responsabilidade das Estatais em 2016, com a introdução de novo estatuto jurídico e de garantias de maior transparência nas compras, licitações e contratos dessas empresas. A norma estabelece para cargos no conselho de administração e na diretoria de estatais a quarentena de 36 meses anteriores à nomeação para políticos que disputaram eleições, pessoas em cargos de indicação e dirigentes partidários ou sindicais. As regras ditam que essas posições sejam ocupadas por profissionais com notório conhecimento e experiência compatível com a atuação da empresa. 

Todavia, a Lei tem sido contornada com frequência, com canhestras justificativas para burlar a exigência de notório conhecimento sendo sempre acatadas. O STF manteve, por exemplo, nomeações do atual governo para a direção e conselhos de administração de estatais que não respeitam a legislação sob a fraca alegação da existência de liminar de março de 2023. Na maioria das vezes, os nomes indicados incluem políticos, ministros, membros de direção partidária e ocupantes de cargos em gabinetes de parlamentares, tendo por objetivo garantir interferência política para seus “padrinhos” e prover remuneração adicional para seus ocupantes – valores não são sujeitos ao teto constitucional. 

Mesmo não sendo benéfico para a sociedade nem para os acionistas das empresas, o governo oferece posições em estatais para assegurar apoio de políticos, que pedem desde a diretoria “que fura poço” da Petrobras até a presidência e as diretorias da Caixa. Apesar dos malfeitos na Petrobras, o atual governo não se acanha e acata indicações políticas até para cargos técnicos na empresa, o que tende a gerar decisões pouco alinhadas às boas práticas. 

Além do viés intervencionista, as críticas às empresas privatizadas e a interferência na atuação das empresas adicionam custos à economia. Não há ganhos, por exemplo, nas críticas à operação da Vale e, muito menos, à remuneração de seu principal executivo. Seria mais útil se o governo tentasse, por exemplo, eliminar privilégios imorais, como os pagamentos anuais acima do teto constitucional de pelo menos R$ 4,5 bilhões com penduricalhos para magistrados, conforme dados da Transparência Internacional – valor atenderia 550 mil famílias por ano no Bolsa Família. 

A atual intervenção na economia também tem sido marcada pela reintrodução de várias políticas que fracassaram nas últimas décadas, como: compras de estatais com limite mínimo para conteúdo nacional ou com produção doméstica, aquisições do governo direcionadas para produtos nacionais de informática e comunicação, e financiamentos privilegiados para aquisição de bens de capital produzidos localmente a preços maiores do que no exterior. 

Essa intervenção e o fortalecimento das estatais estão na contramão do que efetivamente precisa ser feito. O governo deveria adotar regulação eficiente para alinhar os objetivos das empresas aos da sociedade, focar mais na melhoria da educação para aprimorar a qualidade da mão de obra, reduzir o protecionismo para estimular a competição e incentivar a pesquisa para incorporar mais tecnologia. Ao mesmo tempo, a retomada da desestatização livraria o Estado de obrigações que tiram o foco das políticas públicas mais relevantes. Essa seria a melhor forma de assegurar maior contribuição das empresas para o desenvolvimento e o bem-estar social. 

Nilson Teixeira, Ph.D. em economia, escreve quinzenalmente neste espaço. 

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A seguir mostramos apenas uma parte das mais importantes estatais vendidas no período mencionado: 

Siderurgia – Usiminas, Cosinor, Piratini, CST, Acesita, CSN, Cosipa e Açominas. 

Petroquímica – Petroflex, Copesul, Copene, Polisul, Petroquímica União, Polipropileno, Álcalis, e mais 19 pequenas indústrias. 

Fertilizantes – Indag, Fosfértil, Goiásfértil, Ultrafértil, Arafértil. 

Elétrico – Escelsa, Light, Gerasul, CERJ, COELBA, Cachoeira Dourada, CEEE, CPFL, CEMAT, Energipe, Cosern, CELPE, CESP Paranapanema, CESP Tietê, CEMAR, Eletropaulo, COPEL, Eletrobras. 

Transportes – Malhas da Rede Ferroviária Federal, Mafersa, Ferroeste, Metrô, Conerj, Flumitrens, Menezes Cortes.  

Mineração – Caraíba, Vale do Rio Doce. 

Portos – Santos, Capuaba, Sepetiba, Rio, Angra, Salvador, mais de 15 Aeroportos. 

Financeiro – Meridional, Banespa, BEG (Goiás), BEA (Amazônia), BEM (Maranhão), BEC (Ceará), BEMGE (Minas), Bandepe (Permanbuco), BANEB (Bahia), BANESTADO (Paraná). 

Gás – CEG, Riogás, COMGÁS, Gás Nordeste e Gás Sul. 

Outros – EMBRAER, DATAMEC, IRB Brasil Seguros, 

Telecomunicações – CRT (Rio Grande do Sul), TELESP, Telecentro Sul, Tele Norte Leste, Embratel, Telemar. 

EBC, Lotex, Codesp, Emgea, ABGF, Serpro, Dataprev, CBTU, Trensurb, Ceagesp, Ceasaminas, Codesa, Ceitec, SABESP.  

Para ler a lista completa, que inclui também as concessões ao setor privado, basta consultar https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/projetos-encerrados/historico 

Finalmente, comparando o crescimento do PIB brasileiro com a média mundial, obtido do link do FMI.

 (*) Engenheiro Eletricista – M. Sc. Engenharia de Sistemas – Ex membro do conselho de administração de Furnas.