Furnas não era só um prédio em Botafogo – Artigo

Roberto Pereira D’Araujo

Quando se ouve a notícia sobre a anunciada mudança de sede de Furnas para o centro do Rio através de uma das mais importantes rádios da cidade, infelizmente, se percebe a preocupante superficialidade da reportagem sobre o real significado dessa decisão.

O principal comentário foi sobre o impacto que essa mudança de sede significaria para o bairro de Botafogo, com tantos restaurantes e serviços, que, segundo a explicação, sofreriam sem a presença da empresa que está há décadas na Rua Real Grandeza.

Quem dera se essa notícia significasse apenas uma redução de demanda por almoços no bairro. Na realidade essa mudança está associada à um desmonte da empresa que, lentamente, vai abandonando seu papel histórico com uma enorme redução de quadros e se preparando para ser vendida.

Como se sabe, estamos imersos na filosofia do estado mínimo. Só que, no Brasil, essa forma de pensar não é sequer parecida com qualquer experiência mundial. Aqui, há uma crença de que, vendendo instituições estatais, reduz-se o efeito maléfico do estado! Isso significa dizer que a sociedade brasileira reconhece que o estado é nocivo e continuará nocivo. A venda de empresas estatais tenta apenas reduzir os malefícios e pagar uma parte da dívida desse mesmo estado!

A sociedade brasileira sequer está informada que, se não fosse Furnas, provavelmente não teríamos criado a indústria automobilística, pois o país não tinha a energia necessária para a metalurgia necessária para esse e outros setores.

Em 1955, John Cotrim, um excelente engenheiro, passou a integrar a equipe de governo de Juscelino Kubistchek. Em 28 de fevereiro de 1957, assinou o decreto 41.066 e criou uma das maiores obras do seu governo: a Central Elétrica de Furnas, com sede em Passos, Minas Gerais. Toda essa transformação, ao contrário do que muitos pensam, necessitou muito estudo e muito trabalho.

A geografia brasileira e o conhecimento dos seus rios possibilitaram que o setor elétrico, comandado pela Eletrobrás, desenvolvesse um sistema integrado de transmissão e geração que é único no mundo. Só para ter uma vaga ideia, esse sistema  consegue transportar grande quantidade de energia entre regiões distantes mais de 2.000 km. A usina de Itumbiara no rio Paranaíba é a 9ª maior usina brasileira. Pois, figurativamente, é como se 5 usinas como essa pudessem ser deslocadas pelas quatro regiões desse país continental evitando o uso de fontes térmicas. Que país tem esse sistema?

Como convencer a sociedade brasileira de que, sem Furnas e Eletrobrás, o Brasil estaria mais atrasado do que já está e seus cidadãos pagariam muito mais caro pela sua eletricidade? Como convencer o cidadão que o “pujante” capital brasileiro só atua com muito BNDES e Eletrobras?

Hoje, toda essa história está prestes a valer zero. O próprio presidente da Eletrobrás, frequentemente, acusa a sua própria empresa como “cabide de emprego”. Mesmo mostrando com dados que, comparada com grandes empresas mundiais, a empresa, é a que tem o menor índice empregado por capacidade de geração, o argumento é inútil. Esse é o mundo da desinformação.

Quem realmente conhece os “bastidores” sabe que a crescente deterioração das empresas do grupo Eletrobrás foi causada exatamente por defeitos do modelo de privatização e mercantilização. Não fosse a Eletrobrás, os investimentos seriam insuficientes para atender a crescente demanda por energia. A tarifa seria ainda mais alta! A desinformação é de tal ordem que o brasileiro ainda pensa que sua cara e insegura eletricidade é estatal, quando, na realidade, já se pode dizer que o setor elétrico brasileiro é privado.

Essa sequência de políticas suicidas já dura mais de 25 anos e perpassa vários governos teoricamente adversários quanto ao papel do estado. Na realidade, as empresas não são de estado brasileiro. São de governos. Como exemplo podemos dizer que a Eletrobrás, em seus 57 anos de existência teve apenas dois presidentes originados de sua própria equipe. Transformá-las em instituições verdadeiramente de estado é possível através de contratos públicos que limitem o que os governos podem exigir das empresas e vice-versa. Os Estados Unidos praticam isso. Mas o Brasil prefere colocar esse assunto debaixo do tapete.

Também não adianta dizer que a privatização de Furnas colocará o Brasil como o único sistema com predomínio hidroelétrico que privatiza suas usinas. Também não adianta dizer que a experiência da onda de privatização da década de 90 só aumentou a dívida pública e a carga fiscal. Será que adianta chamar a atenção sobre o impacto no bairro de Botafogo?

Obs: Quem quiser se aprofundar sobre as razões do desmonte de longo prazo, consulte   http://www.ilumina.org.br/e-ai-brasil-vai-ficar-por-isso-mesmo/

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