Solução para risco hidrológico embute custo a grande consumidor de energia – Valor

https://www.valor.com.br/brasil/6329623/solucao-para-risco-hidrologico-embute-custo-grande-consumidor-de-energia

Análise do ILUMINA: O gráfico abaixo mostra a diferença entre a geração de todas as usinas hidráulicas do sistema e a sua “garantia física” total. Essa grandeza, garantia física, não é física e nem garantida, uma vez que a hidrologia depende de fatores climáticos, que, num país de clima tropical como o nosso, é bastante variável.

Mas o Brasil gosta de imitar outros sistemas e, na década de 90, resolveu criar um “certificado” para cada usina brasileira. Um modelo matemático criou uma espécie de cartório que “emite” um valor de energia para cada usina antes mesmo delas serem construídas.

Assim, como a hidrologia é muito variável e, em algumas situações, precisamos de muitas térmicas e, em outras, poucas, cada usina recebe um certificado que representa a “cota-parte” da usina no total. Portanto, usinas podem receber um certificado que nem sempre corresponde à sua geração.

O que vemos abaixo é que de 2004 até 2013, as hidráulicas geraram acima desse seu certificado (área verde). De 2013 até 2018, geraram bem abaixo (área vermelha). Geralmente, em qualquer sistema que conta com alguma lógica de longo prazo, saldos podem gerar fundos para compensar déficits. Por exemplo, hidráulicas poderiam capturar parte da receita da venda nos períodos de saldo para compensar possíveis prejuízos no período de déficit. Quando a própria organização do mercado não prevê isso, uma das formas de fazê-lo é um seguro.

A energia de saldo da área verde, que gera kWh da mesma forma do que qualquer outra, foi “liquidada” no mercado livre por valores ínfimos. Ou seja, as usinas hidráulicas, geralmente as mais antigas e pagas pelos consumidores, na prática, subsidiaram o mercado livre com energia barata por quase 10 anos. A área vermelha, momento onde as hidráulicas não conseguem gerar seu certificado por diversas razões (*), produz déficits bilionários, pois energia associada à água tem que ser substituída por energia fóssil das térmicas. A má notícia é que esse prejuízo dos geradores será ressarcido. A maior parte será paga pelos consumidores brasileiros estendendo-se as concessões até que se reduza o dano. Pior! Como uma série de eventos foram expurgados do déficit dos geradores hidroelétricos, uma parte dele será pago pelos consumidores através de encargos.

A notícia abaixo é apenas mais uma demonstração de que o modelo de mercado adotado no Brasil é o responsável por grande parte da elevação tarifária dos últimos 25 anos. Enquanto isso, continua aumentando o desmatamento da Amazônia, que tem efeito direto no nível de chuvas no sudeste e no déficit de geração. Aguardem outras más notícias.

(*) A geração pode ser reduzida por: 1 – Hidrologia mais seca, 2 – Uso de térmicas muito além do estimado por diversas razões (inclusive elétricas), 3 – Importação de energia, 4 – Baixo nível de reservatórios (uma razão não mencionada na reportagem).


Rodrigo Polito

Comemorado por praticamente todo o mercado de energia, o projeto de lei (PL) 10.985, aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados e que inclui uma solução para a judicialização do risco hidrológico (conhecido como GSF, no jargão do setor), traz, porém, penduricalhos que podem elevar o custo da energia. A constatação é da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), que reúne gigantes da indústria do país, como Vale, Gerdau e Ambev. A entidade, no entanto, não sabe estimar de quanto pode ser essa elevação.

Uma análise criteriosa do documento, feita por técnicos da entidade, indicou a existência de itens que geram aumento dos Encargo de Serviço do Sistema (ESS), cobrado de todos os consumidores do país, para cobrir custos decorrentes da manutenção e da confiabilidade do sistema nacional.

Além de propor uma solução para o fim da judicialização do risco hidrológico, o PL sugere alguns pontos para reduzir a exposição de geradores hidrelétricos a despesas relativas ao fator de ajuste de garantia física (GSF) provocadas por fatores alheios à operação das usinas. Na prática, trata-se da produção de energia hidrelétrica em quantidade menor que a prevista, por motivos que fogem à capacidade de gerenciamento das usinas.

A Abrace, contudo, encontrou itens no projeto que sustentam uma cobrança inadequada de ESS para ressarcir hidrelétricas. O documento, por exemplo, prevê a cobrança de ESS para qualquer acionamento de termelétricas mais caras sem justificativa técnica e econômica – conhecido como despacho fora da ordem de mérito.

Também é prevista a cobrança de ESS nos casos de importação de energia elétrica, independentemente do preço da energia importada e do momento em que foi definido o acionamento da importação. Segundo análise dos técnicos da Abrace, mesmo se o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determinar a importação de energia mais barata, o que reduziria o custo de operação do sistema brasileiro, os consumidores serão obrigados a pagar ESS para compensar geradores hidrelétricos.

Outro ponto diz respeito ao mecanismo de resposta da demanda, que permite que grandes consumidores reduzam seu consumo por determinado período de tempo para contribuir para a estabilidade do sistema, evitando blecautes. De acordo com o PL, a energia não consumida pelos consumidores que participam de algum mecanismo de resposta da demanda será valorada a um preço de referência que será cobrado dos consumidores e transferido para os geradores hidrelétricos em forma de compensação.

Segundo o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, esses itens já constavam da redação antiga de solução para o GSF, da qual ele participou quando era secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia. Na versão anterior, porém, esses itens dependeriam de regulamentação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que poderia discutir de forma técnica previamente com o setor e calibrar essa cobrança.

O executivo explicou que a associação abriu mão de discutir a retirada desses itens do PL votado na semana passada, em reconhecimento da urgente necessidade de equacionamento do problema do GSF para o setor, responsável pela inadimplência de R$ 7 bilhões no mercado de curto prazo de energia. A associação, porém, pretende agora sensibilizar o presidente Jair Bolsonaro para vetar esses itens que geram aumento do ESS. “É importante voltarmos à normalidade do mercado, mas os geradores [hidrelétricos] tiveram um ganho excessivo [no projeto de lei]”, afirmou Pedrosa.

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