A Possibilidade de um Novo Racionamento de Energia Elétrica Exige Muita Atenção nas Decisões Políticas – Artigo

Eng Renato Queiroz (1) e Embaixador Mário Augusto Santos (2)  

Será que os consumidores estão bem informados sobre a atual situação do setor elétrico nacional?

Será que todos os industriais, comerciantes e consumidores residenciais entendem que, caso não chova nos próximos 45 dias nas regiões onde estão situados os nossos principais reservatórios das usinas hidrelétricas, o fantasma do racionamento de energia elétrica pode se materializar?

Será que há uma percepção política de que, em caso de racionamento, as consequências econômicas e políticas poderão ser mais graves do que quando do racionamento de 2001? Afinal, basta imaginar um racionamento nessa situação de forte crise econômica, de insegurança pública e de incertezas do quadro político futuro.

O estoque de água na Região Sudeste, que corresponde a 70% da capacidade nacional de acumulação, na semana passada, estava em apenas 17,7% do total. Na hipótese de uma continuidade da tendência de queda nos próximos 45 dias, o Sudeste deixaria de produzir eletricidade para abastecer o Sistema Interligado Nacional. Os estoques de água nas outras regiões não conseguiriam substituir essa situação do Sudeste visto que todas as demais – com exceção da Região Sul, que responde apenas por 7% do estoque nacional- também estavam em queda.  

De fato, a Região Nordeste, que corresponde a 17,8% do estoque nacional, estava na mesma semana com cerca de 6% de água acumulada. Já a Região Norte, que responde aproximadamente por 5% da acumulação do país, tinha uma redução nesse mesmo período de um quinto de sua capacidade.

Nessa situação, cumpre assinalar que a soma das fontes não hídricas não poderiam suprir a energia a Região Sudeste.

Por sorte, na presente semana, as chuvas que vem ocorrendo no Sudeste amorteceram a tendência de queda nos reservatórios dessa grande caixa d’água do Sistema Elétrico Nacional.

Mas a preocupação permanece pois segundo o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/INPE do Ministério da Ciência e Tecnologia  em seu informe n°10 de 31 de outubro de 2017 (http://infoclima.cptec.inpe.br/):   “o padrão de bloqueio atmosférico, que persistiu até meados de outubro, em combinação com outros fatores, contribuiu para atrasar o início da estação chuvosa na área central que engloba as Regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, cujo estabelecimento deve ocorrer no mês de novembro”. Ainda o INPE aponta que “a previsão climática por consenso para o trimestre novembro e dezembro de 2017 e janeiro de 2018 (NDJ/2018), baseada nos diagnósticos das condições oceânicas e atmosféricas globais e nos prognósticos de modelos dinâmicos e estocásticos de previsão climática sazonal, indica maior probabilidade do total trimestral de chuva ocorrer na categoria abaixo da faixa normal climatológica (grifo nosso) numa ampla área que inclui parte das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste”.

É sabido por quem transita no mundo da eletricidade que mais de 65% da energia elétrica produzida no país, computados aqui 15% de Itaipu, é de origem hídrica. As térmicas convencionais geram pouco mais 20% da demanda nacional e as usinas nucleares aproximadamente 2%. É importante notar que a energia eólica ocupa valentemente o terceiro lugar e vem aumentando sua participação, hoje com cerca de 7% da geração do país.

Importante assinalar que, em uma estrutura de base hidráulica como a nossa, a decisão de racionar eletricidade é tomada  após o período de chuvas, o chamado regime úmido. Analisa-se o estoque dos reservatórios após esse período e se for constatado que o suprimento à carga não consiga se manter em todo o período seco, a decisão é o racionamento ou como foi chamado em 2001 de administração do consumo. Um nome menos drástico para amenizar a grave situação.

E por que essa situação ocorreu? Será que boa parte dos brasileiros sabem? O consumidor certamente não sabe que entre 1995 (ano em que se iniciaram as reformas estruturais do setor elétrico no Brasil) e 2017 a tarifa de energia elétrica do segmento residencial subiu 50% real. E o industrial do mercado cativo (parte da indústria) o aumento real foi de mais de 130 %, conforme estudos do ILUMINA.

A explicação dessa situação pode ser simplificada, pensando em um leitor menos afeto ao setor elétrico: através dos leilões de energia e de transmissão, o governo expande o parque de geração de energia elétrica e busca promover a concorrência entre os investidores. Com os leilões de energia são negociados contratos de suprimento de energia de longo prazo e que selam os compromissos necessários para os empreendedores realizarem seus investimentos, com segurança jurídica e financeira, em novas instalações de geração e transmissão de energia.  

No entanto, não custa repetir o que o ILUMINA vem sempre mostrando, que o modelo de leilões implantados contrata usinas térmicas e caras. Nos planos do planejamento da oferta de energia tais usinas são incluídas dentro do menu de empreendimentos que vão compor a oferta de eletricidade. Mas se o sistema estiver em equilíbrio essas térmicas não vão gerar. São caras. E o Operador Nacional do Sistema, na maioria do tempo, decide que as plantas hidráulicas é que vão gerar no lugar das térmicas.  Essas usinas, as térmicas, que firmaram seus contratos, vendem sua energia contratada nos Leilões, mas não geram. São as hidráulicas que entram em cena. Resultado:  os reservatórios vão se esvaziando.

Enfim houve um erro na modelagem e com o jeitinho brasileiro de não enfrentar as verdadeiras questões foi-se empurrando com a barriga as soluções. Emendas daqui e dali foram sendo implantadas com novas Reformas. E, assim, o fantasma do racionamento volta e meia aparece e vem cobrar a sua participação nesse confuso enredo. E São Pedro fica como o único culpado.

Até os anos 80, as empresas do Grupo Eletrobras coordenavam o setor elétrico. Planejavam o consumo futuro do país e o antecipava construindo hidrelétricas. Administravam as construções de novas usinas, através de suas Empresas e coordenavam a operação do sistema. As Reformas que se iniciaram nos anos 90 trouxeram uma grande mudança que foi a separação do planejamento e da operação dentro de uma mesma empresa que era a Eletrobras. Na reforma os planos de novas obras para o longo prazo são apontados por uma empresa e quem decide qual planta que vai gerar é outra empresa. E o mercado é praticamente todo privado e diluído entre muitas empresas.

O divórcio entre o planejamento e a operação atualmente é uma das questões que é colocada, com frequência, nas mesas de discussão, quando se busca explicações sobre as recorrentes crises do setor elétrico.

Um novo elemento, nesse contexto, que deve ser destacado é que atualmente um modelo de operação/expansão do setor elétrico, baseado na exploração do potencial hidráulico, via construção de grandes reservatórios, esgotou-se. As exigências ambientais mundiais pressionam para a redução de impactos em projetos localizados. As grandes hidrelétricas com reservatórios estão nesse bojo. Em adição, a geração de eletricidade com plantas térmicas que usam combustíveis fósseis também vai de encontro às mudanças climáticas. Vejam o impasse brasileiro.

Mas a própria política energética mundial – em que o Brasil inevitavelmente se insere principalmente pois não define padrões tecnológicos – direciona a expansão da oferta de geração de energia elétrica através de renováveis, tais como eólica e solar. Essas fontes intermitentes exigem outras como back-up. Em muitos países, as térmicas com combustíveis fósseis entram com esse papel, por exemplo, quando o vento diminui ou sol vai embora. No Brasil, os reservatórios das usinas hidrelétricas podem fazer esse papel de “back-up”. Ou seja, as usinas com reservatórios vão ter um papel estratégico no setor elétrico brasileiro.

Mas, como já foi apontado, as Eólicas representam somente 7 % da matriz elétrica brasileira e não conseguem, em curto prazo, atender ao consumo de eletricidade do País em uma crise hidráulica. O atendimento será com plantas Térmicas que já funcionam a todo vapor, daí as bandeiras vermelhas no segundo patamar. Curioso, sob um paradigma mundial de descarbonização o Brasil anda na contramão, usando fontes fósseis.

O momento atual é o mais difícil que o setor elétrico passou até hoje, visto que é uma fase de transição com a introdução de fontes intermitentes e o esgotamento do modelo de novas hidrelétricas com reservatórios. Um tempo de incertezas futuras. É, no mínimo, preocupante a privatização do Grupo Eletrobras que hoje tem hoje cerca de 55 % da acumulação nacional (capacidade de reserva) em seus reservatórios e sempre foi o braço estratégico do Estado para garantir o suprimento de eletricidade, sobretudo, nos momentos de crise.

O risco do racionamento é uma realidade. Imaginem se, em um ano eleitoral, após a análise pós período chuvoso do estoque de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas, ficar identificado que o sistema não consegue suprir suficientemente a eletricidade de que os brasileiros necessitam. O axioma, nessa situação, terá que seguir as decisões técnicas e não as políticas. Não podemos errar em situações dessa ordem, pois o resultado seria um colapso do sistema. Mas será que nessa disputa eleitoral que se avizinha uma decisão técnica de racionar o consumo será aplicada? Esse já é o grande receio que já está encharcando de suor os técnicos do setor elétrico: uma hipótese do colapso do sistema.

Enquanto isso, a meta principal do governo é arrecadar recursos para cobrir o rombo fiscal sem atentar para o prejuízo financeiro e politico que a privatização da Eletrobras poderá trazer em um cenário de escassez de energia elétrica. Diferentemente de áreas com tendências bem definidas, como das commodities, a energia elétrica tem lógica diferente das análises de executivos que somente entendem o mundo, em sua volta, olhando modelos matemáticos, balanços contábeis  e indicadores financeiros.

O setor elétrico é um vetor de desenvolvimento econômico do País. As questões acima descritas sobre a situação do setor não serão resolvidas com a privatização do Grupo Eletrobras.

A grande sacada política será transformar o Grupo Eletrobras, que tem uma inserção nas diversas regiões do País, em um braço estratégico do Estado para desenvolver fontes de geração renováveis que ainda engatinham e o mercado ainda não tem interesse. Em adição, administrar o parque hidráulico com mais de 50 % de capacidade de reserva, recuperando as perdas decorrentes da Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013 que foi a conversão da Medida Provisória nº 579. E administrar financeiramente a Empresa em uma direção que não a deixe em situação mais delicada, justificando a sua venda.  

  • Renato Queiroz. Engenheiro, Pesquisador do Grupo de Economia da Energia da UFRJ/IE e Diretor do ILUMINA.
  • Embaixador Mário Augusto Santos participou das negociações que deram origem ao Tratado de Itaipu e assessorou o Ministério das Minas e Energia.

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