Acordo retoma a negociação técnica em torno de Itaipu – Valor

Roberto Pereira D’Araujo

Análise do ILUMINA: Além da judicialização das relações comerciais, além dos aumentos tarifários, além de indefinições mercantis, além do risco hidrológico, além da ausência de uma política de estado face a mudança tecnológica do setor, o modelo mercantil brasileiro agrava a briga entre Paraguai e Brasil sobre Itaipu.

Vamos tentar explicar:

O gráfico acima mostra duas curvas: A vermelha é a geração real da usina Itaipu. A azul é a “Garantia Física” (GF) associada a essa usina, um parâmetro criado pelo modelo brasileiro que o Paraguai não usa.

Percebe-se que Itaipu gera energia bem acima da sua GF, gerando uma outra energia que ganhou o nome de secundária, mas que é tão real quanto a “primária”. (*)

O que é a GF de Itaipu? É um certificado advindo de um modelo matemático de simulação da operação de todo o sistema brasileiro que examina cada usina no contexto total do sistema interligado. É como se fosse uma cota parte de cada usina na produtividade de todo o sistema para o Brasil. Todas as usinas têm sua GF, inclusive as tármicas.

Esse foi o “jeitinho” que se adotou para que o singular sistema brasileiro ficasse parecido com os sistemas de base térmica. Assim, se cada usina, independente do tipo, tiver um valor fixo de energia associado, com muita complexidade, pode-se imaginar um parque onde usinas competem entre si.

Acontece que o sistema brasileiro é tão diferente, inclusive de outros sistemas de base hidráulica, que foi preciso admitir que existe um “condomínio” entre as hidráulicas, onde algumas usinas cedem sua energia secundária para outras. Itaipu é uma das que cedem essa secundária e não é a única. O nome desse condomínio é MRE (Mecanismo de Realocação de Energia). Na realidade não há a transferência de energia pelas linhas de transmissão de uma usina para outra. É apenas uma conta financeira que está embutida no modelo mercantil brasileiro, reconhecendo que existe uma vantagem das usinas serem operadas sob uma ótica de todo o sistema interligado.

Como o sistema do Brasil vem se modificando ao longo do tempo, a GF associada a Itaipu vem sendo reduzida porque ela acaba cedendo mais energia para o “condomínio” das hidráulicas. Ou seja, a secundária de Itaipu vem aumentando.

A GF de Itaipu custa aproximadamente US$ 43/MWh. A Secundária custa US$ 6/MWh. Não há nenhuma diferença física entre as duas. Evidentemente que, para o Paraguai, essa diferença é absurdamente impactante. Portanto, como era de se esperar, o Paraguai vinha declarando consumos menores do que realmente ocorre para se aproveitar dessa parcela da energia quase gratuita. Para se ter uma ideia do montante de dinheiro envolvido, nos últimos anos essa “sobra” chegou a 2.000 MW médios. A diferença entre os dois preços ultrapassa R$ 2 bilhões/ano.

O ILUMINA não sabe como resolver o problema politicamente, mas aproveita a oportunidade para mostrar outros pecados do modelo mercantil brasileiro que, mesmo com mais esse obstáculo, não será modificado.

Aguardem mais problemas e mais “jeitinhos”.

(*) No gráfico se vê valores menores do que os definidos pela ANEEL para Itaipu. Isso se explica através de uma resolução impondo que as revisões das GFs não poderiam reduzir em mais de 5% esses valores.


Por Rafael Bitencourt, Carla Araújo e Fabio Murakawa | De Brasília

Os governos do Brasil e do Paraguai decidiram reabrir as negociações sobre a comercialização da energia de Itaipu Binacional. Documento nesse sentido foi assinado ontem, em Assunção, após encontro dos dois países.

A negociação se dará no âmbito técnico. As autoridades diplomáticas decidiram retomar a discussão técnica após a discordância de representantes do lado paraguaio que serviu estopim para a crise política no país vizinho.

Uma nova ata bilateral foi elaborada ontem. Da parte do Brasil, foi assinada pelo embaixador no Paraguai, Carlos Alberto Simas. No documento, ao qual o Valor teve acesso, o governo paraguaio oficializou que, em “decisão unilateral e soberana”, tornou “sem efeito” o compromisso anterior, assinado na ata bilateral de 24 de maio de 2019.

A ata anterior estabelecia um cronograma para que o Paraguai, gradualmente, voltasse a declarar sua demanda atrelada à energia “garantida”. Nos últimos anos, o país vizinho vinha se beneficiando em adquirir montantes da “energia excedente”, bem mais barata.

O Paraguai tem apresentado na declaração anual um volume de energia inferior ao que efetivamente tem consumido no abastecimento do país. Daí, os paraguaios compravam uma energia excedente para suprir a demanda real, se beneficiando da diferença de tarifa.

Para corrigir a distorção, os ministérios das Relações Exteriores dos dois países fecharam o compromisso que resultou em crise política no Paraguai. O Legislativo local passou a ameaçar o presidente Mario Abdo Benítez com um processo de impeachment.

O pano de fundo da crise, gerada a partir do acordo assinado em maio, envolve a diferença de aproximadamente US$ 250 milhões – quase R$ 1 bilhão, pela taxa de câmbio atual – entre o volume de compra declarado anualmente pelo Paraguai e o que é efetivamente consumido pelo país vizinho. O valor do acordo, que provocou demissões na cúpula do governo paraguaio e colocou em risco o cargo do presidente, seria revertido aos consumidores brasileiros no período entre 2019 a 2022.

Agora as discussões se darão entre as estatais de cada país, Eletrobras e Ande, além da própria Itaipu Binacional, que administra a usina. No documento os dois países admitem que “a falta de acordo sobre o cronograma de potência a ser contratada de Itaipu afeta negativamente o faturamento dos serviços de eletricidade da entidade binacional”. Diante disso, eles destacam “a importância de encontrar uma solução para o problema no curto prazo”.

Ontem o diretor-geral brasileiro de Itaipu, Joaquim Silva e Luna, disse ao Valor que, no “nível político”, a crise envolvendo o acordo entre Brasil e Paraguai sobre Itaipu está “superada”. “Houve bom senso das partes e agora Silva e Luna classificou como positiva a retomada das negociações pela própria hidrelétrica, que conta com gestão técnica. Para ele, há o propósito de manter a relação fraterna de anos entre os dois países. “Vamos dar uma solução no curto prazo”, destacou.

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