A Crise Hídrica, a Operação do Setor Elétrico e a Economia Brasileira

Sérgio Inácio Gomes (*)

Na carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, datada do dia primeiro de maio de 1500, ressalte-se observar em diversos trechos a forma admirada acerca da incrível quantidade de água que a recém-invadida, Terra da Vera Cruz possuía.

“Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”.

De fato, estima-se que o Brasil possua 12% do total de água doce do planeta. Considerada um dos dons gratuitos da natureza, o propósito aqui é discutir a qualidade da gestão desse precioso recurso aplicado ao sistema elétrico brasileiro aos tempos da suposta crise hídrica em que o Brasil se desponta como destaque no campeonato mundial em tarifas mais altas do planeta.

É preciso lembrar também que não se pode fazer comparações de tarifa usando o câmbio, pois basta uma política econômica instável para a moeda americana disparar e sua conta parecer módica em dólar. A maneira correta é mostrar o valor relativo do kWh em relação a outros serviços. A Agência Internacional de Energia, já publicou um estudo mostrando que a tarifa residencial brasileira é a vice campeã da carestia, conforme Figura 1 (IEA, 2020).

A Figura 1 mostra a comparação entre o poder de compra das tarifas residenciais entre diversos países, na qual se verifica que o Brasil disputa pelo lado das tarifas mais altas (D’Araújo, 2020).

Fonte: D’Araújo 2020, apud IEA

Verifica-se que o Brasil era o segundo lugar, antes dos anúncios de novas altas nas tarifas de energia em curso, sob a justificativa da crise hídrica.

Pois bem, de fato o Brasil se depara com a chamada crise hídrica, que, sem nenhuma razão em especial, de um momento para outro, tornou-se um assunto tão propalado pela mídia, como se fosse uma grande novidade ou um evento atípico.

Uma primeira crítica cabe, portanto, ao papel social da mídia comercial, pois ela só consegue pautar questões e trazer informações de assuntos que de fato tem relevância para toda a sociedade, quando tais questões, já se tornaram problemas que implicam em desdobramentos muito sério para o interesse geral da comunidade ou do país.

Um exemplo disso, é que há um ano muito pouco se falava em crise hídrica e hoje não passa um dia sem que o assunto seja pauta em pelo menos um veículo da mídia brasileira.

Em 2014 não foi diferente, a crise hídrica também de um momento para outro passou a ser assunto do Jornal Nacional todos os dias apresentando os baixos níveis da reserva da Cantareira, mesmo sem que as pessoas que habitam a planície de conhecimentos superficiais soubessem que significado isso teria.

No caso de 2014 a resposta foi dada pela Presidência da República à época na forma de armazenamento do vento, um termo que, apesar de ter sido reproduzido ao sabor de piadas jocosas até hoje repisadas pelos mesmos habitantes da referida planície, o fato é que confirma-se a acertiva acerca da opção emergencial pela energia eólica, a qual já se constitui hoje, como sendo a terceira modalidade mais importante do setor elétrico brasileiro, responsável pela geração de 51,7 TWh no ano de 2020, o que representa 9% de toda energia elétrica injetada no sistema interligado nacional, conforme apontado pelo boletim energético nacional de 2021 (BEN, 2021).

A opção pela energia eólica adotada como um antídoto de efeito imediato diante da crise hídrica de 2014 deve-se ao fato de, além de ser renovável, ser também de implementação rápida e relativamente de baixo custo.

A Figura 2 mostra a evolução da energia eólica no sistema interligado nacional desde 2007 e compara com outras modalidades de geração que são a biomassa e a nuclear (os dados são em GWh/ano).Será que este evento encontra algum precedente no histórico de crises hídricas do país aos olhos dos registros de dados a respeito? Resposta: -Sim, encontra. Entre 1948 e 1956 houve o mesmo evento.Esclareçamos então que, a crise hídrica teve início em 2013 e desde então, ela se prolonga até aos ídos atuais de 2021.

A Figura 3 mostra um comparativo entre esses dois eventos. MLT é a média de energia natural afluente calculada a partir de uma série histórica e está ligada a quantidade de chuvas que alimenta a vazão dos rios que abastecem os reservatórios das hidrelétricas.

Figura 3: (baseado em D’Araújo, 2021)

Segundo denúncia do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, divulgada pelo jornal Monitor Mercantil, os reservatórios das hidrelétricas foram esvaziados para elevar lucros. Afirma o referido movimento social com base em dados do ONS que, durante o ano de 2020, o volume de água que entrou nos reservatórios brasileiros foi equivalente a 51.550MW médios e que a energia produzida foi 47.300MW médios (MONITOR MERCANTIL, 2021).

Afirma também que, sem a hidreletricidade, as termelétricas, muito mais caras, são acionadas. Os proprietários das hidrelétricas também são os proprietários das termelétricas. Enquanto diversas hidrelétricas estatais vendem a energia a R$ 65/MWh, as termoelétricas cobram acima de R$ 1000/MWh. Cita por exemplo que, a usina William Arjona (MS) foi autorizada pela Aneel a cobrar R$ 1.520,87/MWh, denuncia a entidade.

Pois bem, o fato é que a engenharia é a arte de observar os fenômenos e aprender a lidar com eles para aplicação em finalidades úteis à sociedade, a exemplo de produzir e usar a energia elétrica. Administrar a operação desse sistema construído à luz dos comportamentos típicos da natureza, o que pressupõe a previsão da repetição da ocorrência de eventos, que já foram verificados antes dentro da sequência histórica, também faz parte da função da engenharia.

Quando aspectos observáveis à luz da engenharia são substituídos por aspectos que passam a nortear-se pela interpretação de critérios de concepções ou interesses econômicos, pode-se esperar resultados desastrosos, a exemplo do verificado no momento atual, em que repetimos erros de administração operacional dos recursos hídricos aplicados à geração de energia elétrica.

O fato é que são adotados critérios econômicos embutidos no modelo operacional do ONS em vista da tomada de decisão. Define-se, por exemplo, por programá-los tornando-os automáticos ao realizar o despacho de carga pelo ONS (Operador Nacional do Sistema), a exemplo de decidir entre ligar uma fonte cujo custo seja mais do que R$ 800/MWh e, a opção automática recai pela alternativa com maior modicidade, que é usar a água, digamos algum patamar abaixo de R$ 100/MWh.

Sim, isso parece ser uma decisão bem razoável. O que não é razoável é se pautar pela administração do problema no curto prazo e achar que R$ 800/MWh seria uma coisa normal ao mesmo tempo em que acreditamos que São Pedro é brasileiro e irá dar uma contribuição adicional dele ao sistema interligado nacional, pois tal decisão do despacho de carga no curto prazo implica no esgotamento da reserva hídrica.

A Figura 4 mostra o histórico da geração das termoelétricas do sistema interligado nacional desde o início do chamado Programa Preferencial das Termoelétricas (PPT).

Observe-se o aumento de termoelétricas a partir de 2013 e, particularmente a adoção do critério operacional do despacho de carga pelo ONS a partir de 2016.

O despacho de hidroeletricidade passa a significar poupança da reserva das térmicas e o comprometimento da segurança pelo esgotamento da reserva hídrica, que é o estoque de água nos reservatórios do sistema.

Figura 4: (baseado em D’Araújo, 2021)

Conforme observa D’Araújo, “as evidências de que o sistema está em desequilíbrio entre oferta e demanda são várias,” entre as quais ele comenta que, “a série do CMO (custo marginal de operação) dos últimos 7 anos em média ultrapassa R$ 300, que é muito maior que o CME (custo marginal de expansão). Implica que o critério de segurança do setor encontra-se comprometido”. Em outros termos, significa que faltam investimentos, por mais que não se queira admitir a luz de alguns interesses econômicos.

Sob o aspecto econômico, a despeito das ingenuidades individuais ou desconhecimento da problemática, que também se encontram presentes nas condições de contorno desse cenário, não é novidade pra ninguém que o objetivo fundamental de todas as empresas é o lucro.

A título de exemplo, vamos a alguns estudos de casos para verificar que os dados mostram que o objetivo fundamental da Copel, é o lucro líquido e distribuição de dividendos para os seus acionistas, que praticamente nada investiram de concreto para a construção dessa empresa, mas dela se apropriaram nos processos de alienação acionária dessas.

Desde o início dos anos 90 quando se exauriu o modelo que entendia a eletricidade, da geração ao varejo, como um monopólio natural em que, sob a supervisão governamental era regulada a taxa de retorno e a estrutura de custos e desde então, o setor elétrico se debate com a intenção ou o discurso no sentido de se estabelecer um mercado de eletricidade sob as premissas de oferecer mais competitividade ao setor.

A despeito dos discursos, a Figura 5 a seguir retrata a sucessão de lucro líquido da empresa desde 1998, cujas características levam a pensar uma função de crescimento na forma de progressão geométrica ao mesmo tempo em que a sociedade se depara com a insuportável elevação tarifária.


Figura 5 – Fonte: elaboração própria do autor

A razão fundamental da existência de uma empresa de energia, assim como a do sapateiro da esquina é o lucro, a diferença é que a reversão em dividendos aos seus acionistas se aplica apenas à empresa de energia. O objetivo estratégico da gestão de todas as empresas na concepção autointitulada de modelo “liberal”, é a de alimentar a ciranda financeira operada pelas bolsas de valores.

Será que a Copel seria uma exceção: Certamente que não. É a própria regra e, eu só estou citando a Copel como um estudo de caso, por ser a “nossa” empresa de energia do Estado do Paraná, que diga-se de passagem, desde aqueles mesmos idos anos 90 já não é mais do Paraná, mas do mundo econômico financeiro, presente em quase todos estados do Brasil, atuando ao sabor dos interesses econômicos, como é o caso de todas as demais empresas do país, ambiente no qual, segundo se supõe, todas “competem” com todas as demais, trabalhando com as estratégias de marketing e com a marca “Copel”.

Então que deixemos o caso da Copel, na qual se verificou o recorde absoluto de lucro líquido no ano da pandemia de 2020 com 89,3% acima do recorde anterior, que não por mera coincidência, havia sido justamente o ano anterior, 2019, que por sua vez havia também não por mera coincidência havia sido o recorde anterior com 47,1% acima de 2018, que também havia sido um recorde histórico até então. Ok deixemos esse estudo de caso e vamos a outro: a Petrobras.

Pois bem, o lucro líquido da Petrobras em 2020 foi o recorde histórico de lucro líquido da empresa com o montante de 40,137 bilhões de reais, 14% acima do seu, até então, maior recorde histórico, que havia sido o ano de 2010, quando a Petrobras era vista como a “galinha dos ovos de ouro” do planeta terra, após a empresa haver descoberto o Pré-Sal um pouco antes, a maior e mais importante descoberta de reserva de petróleo do século XXI até agora, razão pela qual a Petrobras foi o centro de uma guerra de interesse geopolítico orquestrado e respaldado por um forte poder político-jurídico-midiático e hoje passa a ser uma empresa fatiada e vendida por partes para atender a insaciável fome do mercado financeiro transnacional. Ou seja, virou uma empresa que está sendo engolida pelo “mercado”.

Mas então, o que houve de extraordinário ou espetacular na Petrobras para o recorde de seu lucro líquido verificado no ano pandêmico de 2020? Será que ela descobriu um novo Pré-Sal? Ou está sendo apenas aquilo que a Casa Branca projetou para ela?

Fica aí para pensarmos qual resposta seria a mais adequada ou plausível, mais enquanto isso, vamos a outros indicativos acerca de dados econômicos resultantes dessa conjuntura mercantilista, que se apropria de nosso setor energético.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioambientais – DIEESE, as desigualdades sociais e econômicas se aprofundaram. Desde março de 2020, no início da pandemia, enquanto centenas de milhares de brasileiros morreram vítimas da COVID-19, um outro contingente constituído por 784 mil pessoas ingressou na extrema pobreza no país, o que representa o aumento de 5,8% desde março de 2020 (ou 9% em relação a 2018) (DIEESE, 2021).

Enquanto isso, outro contingente de 22 brasileiros ingressou na condição de novos bilionários medindo seus patrimônios em dólares de acordo com a revista Forbes. No total são agora, 65 brasileiros na lista e 2.755 em todo o mundo, sendo 660 a mais que no início de 2020 (DOLAN, 2021). Esse é o resultado do cassino de caça-níqueis que orienta a economia ao nível mundial, que atua e orienta os rumos do setor energético e todos os demais setores econômicos do Brasil.

Assim, voltando na questão da concepção econômica em relação a questão energética, vivemos uma época em que se tenta fazer de conta que tudo virou comodity, sapato, energia, petróleo, etc. Tudo é um produto e, portanto, todos os produtos tem um preço e nesse ambiente de “livre concorrência” vence quem oferecer o menor preço.

O que ninguém explicou é, por exemplo, como competir entre o MWh gerado pela hidroeletricidade com o outro MWh gerado pela termoeletricidade de qualquer tipo de combustível que seja (fóssil ou renovável), mas a empresa proprietária da termoelétrica é um importante grupo econômico que mede e se orienta basicamente pelos resultados econômicos auferidos pela empresa ao final dos fechamentos de seus balancetes de encontro de contas e alimenta-se pela distribuição de dividendos com alto impacto tarifário com bandeiras multicoloridas, avermelhadas ou não.

Decorre daí muitas análises termo-econômicas ou exergo-econômicas, a exemplo de minha própria tese de doutorado, mas que nunca deixemos de perceber os limites da economia quando tratada como ciência exata, que ela definitivamente, não é.

Pois bem, são critérios econômicos como esses que orientam a tomada de decisão dos despachos de carga no ONS. Ou não seria? Vamos ver as consequências disso.

Os mesmos erros de substituir critérios de engenharia por critérios de interesses econômicos já trouxeram como resultados, precedentes com consequências gravíssimas ao sistema interligado nacional, a exemplo da chamada crise do apagão de 2001, a qual, vale lembrar, o quanto foi previamente alertada pelo Instituto Ilumina à época.

A Figura 6 mostra a evolução da reserva e consumo em MW médios do sistema interligado nacional desde o ano 2000.

Verifica-se que, todo ano temos o período de chuvas e de estiagens e, portanto, de acumulação maior ou menor nos reservatórios retratados em termos de potência disponível no sistema.Figura 6: (baseado em D’Araújo, 2021)

Vale observar aspectos, que não são meros detalhes que, o chamado apagão de 2001 teve menor gravidade que as reincidentes ocorrências que se verificaram em 2014, 2017, 2018, 2019, 2020 e, assim, parece tornar-se uma tendência sistêmica com sequência de repetições anuais.

Ora, mas o que diferencia essa repetição de ocorrências graves observadas no momento em relação àquela verificada em 2001, que foi muito mais do que uma simples bandeira “vermelha”?

A diferença é que, houve no meio do caminho, um programa de investimentos realizados pelo estado brasileiro, principalmente com um conjunto de obras pelo então chamado, programa aceleração do crescimento (PAC), que aliado a outros aportes posteriores do BNDES elevou a capacidade instalada de geração do sistema elétrico brasileiro de 60GW para 180GW com diversas modalidades de geração, mas a hidroeletricidade ainda é central e responde por aproximadamente 64% de nossa energia elétrica, conforme foi o caso do ano 2020 (BEN, 2021).

Foram construídos dois grandes complexos hidroelétricos que são as usinas do complexo de Rondônia e de Belo Monte, cuja capacidade nominal deste último é compatível ao da Itaipu Binacional, muito embora todos esses grandes empreendimentos são a fio dágua, o que significa que não possuem capacidade de reservação e, portanto, de estocar a energia.

 

Assim como a crise hídrica deveria ser um evento esperado a luz da engenharia por já ter sido um comportamento observado antes na natureza, o excesso de chuvas também é um evento esperado e, também já deixou de ser devidamente interpretado pela engenharia deixando prevalecer as consequências da concepção econômica, a exemplo do verificado ao longo da década de 1990.

A década de 1990 teve um comportamento hídrico atípico, marcado por muita chuva, que mascarou um problema: o forte desinvestimento na expansão do sistema, resultante do processo de privatizações do setor elétrico brasileiro. O problema só se revelou quando a natureza respondeu retornando a sua normalidade ao final da referida década.

Quando o regime hídrico adentrou em sua normalidade, tornou-se perceptível os efeitos do desinvestimento e a consequência disso foi a crise do apagão de energia de 2001 e, lógico, daí foi percebido pela mídia e tornou-se de conhecimento público, que até a infeliz privatização da Copel programada para acontecer naquele exato momento, acabou fazendo “água”, depois de muito o povo paranaense manifestar seu espírito cívico de que não lhe interessava pela dita privatização.

Pois bem, se o tema é a centralidade da preocupação voltada à crise hídrica, cabem outros estudos para caracterizar melhor a natureza dessa crise pela qual estamos passando.

Algumas observações sobre o comportamento da presente “crise hídrica” são as seguintes:

  • Não é localizada em algum estado ou região específica, mas é um fenômeno nacional, que afeta todo o sistema elétrico de potência;
  • Será que não existe uma relação entre floresta e água? Será que podemos desflorestar e queimar florestas a vontade para ampliar as fronteiras agrícolas e a natureza não irá responder que a toda ação haverá uma reação? Em 2012 por força das bancadas do agronegócio houve uma revisão profunda do Código Será que essa revisão foi baseada em fatores científicos ou atendia apenas aos interesses econômicos? É preciso manter florestas nas regiões de mananciais, nas margens dos rios e reservatórios. As florestas funcionam como se fossem “esponjas” que ajudam na absorção da água pelo solo para chegarem aos lençóis freáticos, além de que as próprias árvores liberam grandes quantidades de água na forma de vapor evapo- transpirado elevando a disponibilidade hídrica na atmosfera. Esse conjunto de fatores guardam alguma relação com o regime hídrico. Cabe estudar e se aprofundar na compreensão de tais fatores, mas a resposta da natureza não aguarda por tais publicações para se manifestar;
  • Sabe-se que o regime de chuvas guarda uma relação com o clima e há que se analisar as características dos efeitos ou consequências que as emissões dos gases geradores do chamado efeito estufa, que afetam o clima e, por consequência, o regime hídrico. Um fato observado é que se verificam efeitos reais em mudanças climáticas, e o que estamos observando são prováveis consequências desse fenômeno caracterizado por grandes secas em algumas regiões, acompanhadas por fortes tempestades em outras com resultados desfavoráveis às nossas vidas;
  • O fluxo hídrico presente na atmosfera não respeita os limites fronteiriços estabelecidos por homens em algum momento da linha do tempo e, daí muita água é exportada sem a cobrança de impostos, que a suposta ciência econômica, os consideraria “impostos devidos”;
  • O efeito dos chamados “Rios voadores”. É preciso compreender que existem rios no espaço aéreo que transporta água por longas distâncias na forma de nuvens ou vapor d’água e que determina o regime de chuvas. O caso mais relevante no Brasil é a formação de massas de vapor de água que ocorrem no Oceano Atlântico, na altura do litoral nordestino, que fluem para a região amazônica, onde aumentam o volume ao incorporar a umidade evaporada pela floresta e que são posteriormente levados pelas correntes de ar em direção ao sul ou sudeste do país. Elas são importantes para a formação de chuvas em diversas regiões. Portanto, o aumento no desmatamento da Amazônia, que após quatro anos em queda voltou a subir em 2013, pode reduzir os índices pluviométricos em outras regiões;
  • Verificam-se estudos que reúnem universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, que mostram que o Brasil perdeu 16% de sua superfície hídrica entre 1990 até agora e apontam que irá perder 25% dessa antes de 2050 se forem mantidas as políticas em curso. Obviamente existe uma relação entre o regime hídrico com esses fatores antropogênicos, próprios da gestão do país;

Mas a despeito dos indicativos acima pontuados de prováveis causas e efeitos, estamos presenciando as consequências desse cenário como sendo uma resposta da natureza, na forma de uma crise hídrica sem precedentes, atingindo, conforme já dito, a marca histórica de 86,1% da média de energia natural afluente, (MLT) por um período que já se prolonga por oito anos.

Ainda assim, conforme pontuado, essa crise pode ser considerada uma condição muito próxima de outras condições que já tiveram precedentes históricos em patamares muito semelhantes e, portanto, trata-se de uma situação perfeitamente previsível pelo olhar da engenharia, que, a julgar pelas aparências óbvias, parece, inoperante ou sem altivez, diante das invisíveis ou imperceptíveis, mas muito presentes e atuantes forças que respondem aos interesses econômicos.

Assim, temos que diagnosticar muitos fatores relacionados a relação entre crise hídrica e a economia. Temos fatores ambientais a serem considerados, mas temos fatores econômicos que não podem prevalecer aos da engenharia.

Talvez mais emergencial e urgente do que diagnosticar os fatores relacionados aos aspectos ambientais seja diagnosticar os fatores econômicos, pois esses fatores atuam de forma às vezes imperceptível em muitas pontas, desde o papel social da mídia relegada a segundo plano, pois no primeiro plano encontra-se a priorização dada às matérias pagas ou espaços de propaganda e marketing, que garantem espaços de divulgações ao invés de assuntos que antevêm questões de relevância geral da sociedade a exemplo de se dedicar à informar a sociedade sobre as características e consequências da crise hídrica, antes que estejamos medindo seus resultados desastrosos para o país.

Essa mesma economia que atua também como um agente invisível na ponta operacional do setor elétrico brasileiro capaz de comprometer a confiabilidade da segurança operacional do sistema elétrico de potência do país.

Que saibamos então, enquanto engenheiras e engenheiros, definir com clareza quais são os diagnósticos que merecem ser priorizados como tema para nossos estudos para poder enfrentá-los com altivez e capacidade acadêmica para a conquista da soberania energética de nosso país.

(*) Engenheiro e diretor regional do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná.


Referências:

Análises do engenheiro eletricista Roberto D’Araújo do Instituto Ilumina, disponíveis em “http://www.ilumina.org.br/quem-consulta-dados-nao-se-surpreende/”. Acesso em 27/08/2021;

D’Araújo 2020, apud IEA, disponível em (https://www.iea.org/reports/energy-prices-2020). Acesso em 15/07/2020.

DIESSE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioambientais, disponível em “https://www.dieese.org.br/boletimdeconjuntura/2021/boletimconjuntura29.html”. Acesso em 30/08/2021.

TopBiomass, “Levantamento Mostra Que o Brasil Perde 16% da Superficie de Água em 30 Anos”, disponível em “https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia- estado/2021/08/23/levantamento-mostra-que-o-brasil-perde-16-da-superficie-de-agua-em- 30-anos.htm”, ref. TopBiomass. Acesso em 26/08/2021;

Reservatórios de hidrelétricas foram esvaziados para elevar lucros, Jornal Monitor Mercantil, disponível em https://monitormercantil.com.br/reservatorios-de-hidreletricas-foram- esvaziados-para-elevar-lucros/. Acesso em 30/08/2021.

DOLAN, Kerry A. (Ed.) et al. Forbes world´s billionaires list: the richest 2021. [S.l]: Forbes, 2021. Disponível em: https://www.forbes.com/billionaires/. Acesso em: jul. 2021.

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