A razão da crise elétrica

 



Comentário: Nossa concordância com o artigo abaixo é quase total. Enfatizamos principalmente a surpreendente “guinada” do governo Lula, eleito, em grande parte, pela rejeição à política que levou ao racionamento de 2001.  Entretanto, a “manobra brusca” não se deveu apenas à escolha de fontes alternativas. Ela foi muito mais ampla, na medida em que ratificou e ampliou o viés mercantilista do modelo proposto pelo governo FHC. É esse viés que permanece impregnado no planejamento.

Mais do que isso, um sistema que se utiliza de um modelo matemático para mimetizar um modelo de base térmica, pode gerar distorções se adotado cegamente. Os efeitos sistêmicos que são atribuídos às térmicas e que justificam o fato delas venderem energia mesmo desligadas, não foram atribuídos às eólicas, apesar da sua geração aumentar justamente nos períodos onde as térmicas são necessárias.

Concordamos com o diagnóstico do sistema “hidroeólico”, mas chamamos a atenção para alguns pontos:

 

1.      A escala da energia eólica é ainda pequena para produzir os efeitos desejados. Em 2012, as eólicas geraram 3 TWh num sistema que atende uma carga de 500 TWh. Uma maior estabilização da reserva hidráulica só seria alcançada quando o parque eólico pudesse gerar pelo menos 60 TWh, comparável á geração térmica. Teríamos que multiplicar por 20 o que temos agora.

2.      O custo extra das eólicas não está no seu preço, mas sim no aumento de custo de monitoramento do sistema de transmissão. As eólicas, não são fontes variáveis, como as hidráulicas. São intermitentes, ou seja, param de gerar de repente. Em parques de grande porte, esse efeito pode provocar instabilidades. A China está testando uma combinação de eólicas, solar e baterias para fazer com que a saída súbita possa ser transformada em saída rápida, mas sem o comportamento súbito.

 

Salientamos que as necessidades de energia e da sua matriz elétrica deveria se iniciar na política industrial. Estamos nos transformando em produtores de insumos básicos, geralmente eletros intensivos que exigem grande esforço de infra-estrutura e estão na base da cadeia industrial. Se quisermos continuar no papel do “trabalhador braçal” do planeta, vamos precisar de muita energia.

É preciso também dar uma olhada nas perdas elétricas na rede de distribuição.



 

Por José Eli da Veiga – Valor 29/01/13

 

É versão corrente na mídia que a crise do sistema elétrico resulta de falta de planejamento. Até o diretor da Eletrobras, Valter Cardeal, precisou desmentir que tenha feito essa crítica ao também dilmista da gema Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

 

Isso é muito estranho, pois simples visita ao site da EPE mostra que o planejamento tem sido até frenético. Além do Plano Nacional de Energia 2030, concluído em 2008, estão disponíveis seis planos decenais de expansão elaborados entre 2006 e 2012, com o último – PDE-2021- ainda em forma de proposta.

 

Então, se não é por falta de planejamento, com certeza houve sérios erros de concepção nesses sete exercícios. E o principal é bem conhecido, pois todos os especialistas que não são chapa-branca concordam que as fontes renováveis modernas – como a eólica, a biomassa, ou mesmo a solar – foram vítimas do viés pró-fóssil de “lobistas, empresários, políticos, intermediários e atravessadores” que sempre controlaram o chamado “setor” elétrico.

 

O caso da eólica é exemplar, pois seu recente avanço nada teve a ver com os planos. Foi na raça, desde que alguns empreendedores farejaram que erguer cataventos podia ser bem rentável, além de viável, ao contrário do que afirmavam os planos preparados pela EPE para as pantominas do Ministério de Minas e Energia (MME). Daí a falta de linhas de transmissão que deixam tanta energia “parada” em parques eólicos, como mostrou Rodrigo Polito no Valor de 17/1.

 

Para compensar a forçosa insuficiência sazonal das hidrelétricas, a opção preferencial do lulismo foi se submeter aos lobbies favoráveis à construção de termelétricas movidas a combustíveis fósseis. Jogando no lixo a linha formulada pelo PT antes das eleições de 2002, sob a liderança e coordenação de Luiz Pinguelli Rosa (UFRJ) e Ildo Sauer (USP). Para entender tão grave “vira-casaca”, nada melhor que a entrevista dada por Sauer à “Revista da Adusp” de outubro de 2011.

 

Na contramão do lulismo, muitos estudos independentes demonstram que a melhor alternativa para o sistema elétrico brasileiro é oferecida pela dobradinha “hidroeólica”, como expôs Joaquim F. de Carvalho (UFRJ) no Valor de 01/11/12. Tese fundamentada em detalhe por Adilson de Oliveira (UFRJ) e Osvaldo Soliano (CBEM) em seus respectivos capítulos do livro “Energia Eólica”, lançado em outubro pela editora Senac.

 

Também pelo amplo grupo de especialistas liderado por Gilberto Jannuzzi (Unicamp) que elaborou o relatório “Além de grandes hidrelétricas” para o WWF-Brasil. E no recente artigo “An assessment of wind power prospects in the Brazilian hydrothermal system”, publicado na “Renewable and Sustainable Energie Reviews” 19 (2013) 742-53 por Juliana F. Chade Ricosti e Ildo L. Sauer.

 

São incalculáveis os prejuízos causados pela guinada lulista em favor das máfias que controlam o “setor elétrico”. Além dos inúmeros “apaguinhos” e dos exorbitantes custos monetários do funcionamento das térmicas, precisam ser computadas suas emissões de carbono, incoerentes com a também lulista Política Nacional Sobre Mudança do Clima (PNMC), instituída pela lei 12.187, de 29/12/09.

 

Enquanto se aguarda os tétricos dados de 2012, é preciso saber que já em 2011 as emissões de gases de efeito estufa (GEE) das termelétricas se aproximavam dos 30 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2 e), das quais é desconhecida a distribuição por tipo de combustível para os pouco mais de 10 MtCO2 e da autoprodução. Mas, para os quase 20 MtCO2 e dos sistemas integrado e isolados, sabe-se que os vários óleos (principalmente diesel) causaram quase 40% dessas emissões, o carvão pouco mais de 30% e o gás natural quase 30%. E que metade desse estrago foi obra de empresas Eletrobras, com destaque para a Amazônia-Energia, a gaúcha CGTEE e a Eletronorte.

 

Tão absurda situação teria sido evitada se os planos elaborados pela EPE tivessem sido submetidos a amplo debate público e a escrutínio parlamentar, mesmo que só no Senado. Assim, ao menos teriam sido convocados para audiência pública pesquisadores que há muito insistem que a confiabilidade do sistema exige renováveis modernas para a complementação da base hidráulica.

 

Em vez disso, o país é vítima de planejamento tecnocrático e autoritário, no qual prevalece a regra de que o papel aceita tudo. Para consolidar a linha pró-fóssil, é suficiente que um tecnocrata escreva que em 2011 as emissões de GEE do sistema elétrico nem atingiram a metade do que seria uma meta setorial para 2020. Pouco lhe importa que o uso de termelétricas seja considerado crime de “lesa-humanidade” pelo emérito da Unicamp Rogério Cezar de Cerqueira Leite (Folha, 31/03/09). Algo que com certeza importaria para a opinião pública e, consequentemente, para parte de seus representantes no legislativo.

 

Em suma, se a atual crise elétrica se deve a alguma falta, essa falta é de democracia e de transparência no planejamento energético. Neste caso, Dilma e Lula não se diferenciaram de FHC, Itamar, Collor e Sarney.

 

José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), escreve mensalmente às terças-feiras.