Eletrobras, a Geni das estatais brasileiras.

Assis de Mello e Silva, diretor do Ilumina.

“Ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, maldita Eletrobras” (com a devida licença de Chico Buarque de Holanda).

É pouco provável que uma empresa estatal tenha sido tão vilipendiada ao longo dos anos como a Eletrobras. Tal qual Geni, ela socorreu o Setor inúmeras vezes, com sacrifício pessoal, quase sempre para atender ao desvario do mercado livre, à incompetência e desonestidade de alguns dos seus dirigentes, à ambição de poder de políticos menores, e, pior do que tudo, à insaciável cobiça dos empresários que apenas desejam faturar com os recursos da viúva.  

Ora, se é assim, por que não privatizar uma estatal reconhecidamente maldita?

Melhor, esse é o desejo de quase todos os economistas do país e, praticamente, de toda a imprensa.

Os argumentos são fáceis e óbvios: redução da dívida fiscal, devolução da capacidade de investimento da empresa mediante sua capitalização e, acima de qualquer outra justificativa, a expulsão, em caráter definitivo, das garras ineficientes e inescrupulosas dos agentes do poder público que apenas desejam enriquecer e desfrutar dos benefícios que proporciona para ambições políticas variadas.

Nada é mais urgente do que enxotar das empresas estatais a presença espúria da incompetência, da corrupção e da insidiosa inércia representada pelos “aspones” que ali vagam, indicados pelo poder de ocasião.

Entretanto, são as outras razões apontadas que merecem as maiores e melhores explanações dos doutos eruditas econômicos. Poucos se atrevem a revelar a verdade por trás das exposições em palanques de seminários.

A par disso, causa-lhes asco a recorrente cantilena dos políticos de oposição que insistem em atribuir ao setor de energia seu perfil estratégico.

Ora, a iniciativa privada fará mais e melhor.

Infelizmente, a ladainha da oposição, ao menos nesse caso específico, tem pertinência.

O Poder Público pode dispensar o controle do Banco do Brasil,  dos Correios, da Casa da Moeda, da Casa da Mãe Joana, até da Petrobras, mas deve preservar a sua estatal de energia.

Os petroleiros que me perdoem, mas o seu produto está em franco definhamento neste mundo novo que exige asseio para tudo. Dentro de trinta, quarenta anos, o petróleo terá um lugar no fundo do avião global, assim, como o carvão, o gás e outros poluentes que ainda persistem dando as cartas. Será a hora e a vez do sol, do vento e da água.

Quem tiver o controle da energia limpa do país, terá o controle da vida deste país.

A gente brasileira sempre admirou os países ricos e desenvolvidos, mas na hora de replicar o exemplo dessa turma civilizada no campo da energia, pretende seguir o caminho da contramão.

Quais são os países admirados cuja grande parcela de geração de energia ainda permanece estatal?

Na verdade, quase todos: Canadá, Noruega, Suécia, EUA, Coréia do Sul, Dinamarca, Espanha, Austrália, Bélgica, Itália, Hungria, Israel, Itália, Índia, México, Rússia, Venezuela (epa, esse não vale), Japão, Polônia etc (detalhe: 77% da população inglesa quer reestatizar as empresas de energia).

Como diz nosso grande mestre, Roberto D’Araújo, o Brasil é o único país no planeta que deseja privatizar sua maior estatal de geração e transmissão de energia cuja matriz energética é 70% hidrelétrica. Só existem 5 países com tal característica no mundo: o Canadá, a Noruega, a Suécia, aquele que não vale aqui mencionar, e o Brasil.

Mas isso não importa, o andar de cima (sua licença, Elio Gaspari), só ouve a FIESP, os Bancos de Investimentos, a PSR, o Adriano Pires et caterva, e é convencido de que privatizar a energia é um excelente negócio. Ninguém lembra que essa turma só pensa em faturar e faturar. O senhor Wilson Martins Júnior deixou a Eletrobras na semana passada, graças a Deus, com a fama de ser um excelente executivo tendo em mira o lucro substantivo recente da empresa. Mas o que fez o Sr. Wilson, além de chamar os empregados de vagabundos? Reduziu drasticamente o pessoal, vendeu as distribuidoras deficitárias e recebeu indenizações do Governo. Ora, as indenizações eram devidas há muito tempo, a venda das distribuidoras só aconteceu por pressão dos acionistas minoritários (não custa lembrar que elas foram enfiadas à força no embornal da holding porque o mercado se recusou a assumi-las. Depois dos investimentos extraordinários feitos pela Eletrobras, aí, sim, tudo bem). Ele, realmente, resolveu enxugar a empresa com programas de demissão incentivada para agradar o mercado que detesta os empregados “vagabundos” endinheirados das estatais. Essa expressão do presidente revoltou justamente os funcionários, mas encantou o mercado. Entretanto, esse enxugamento se deveu, principalmente, à conta dos empregados das distribuidoras alienadas (quase 65%). A partir daí, o problema da Eletrobrás passou a ser anoréxico. A Iberdrola tem capacidade instalada de 34 GW e conta com 47.488 empregados; a capacidade instalada da  Exelon (EUA), por sua vez, também é de 34,6 GW e tem um quadro de 25,829 empregados; a queridinha do mercado, a francesa ENGIE, cuja capacidade é de 115 GW, tem um corpo funcional de 171.100 empregados. Bem, a Eletrobras, atualmente, tem capacidade instalada de 49,5 GW e seu quadro de empregados soma 14.285. Dizem os arautos: depois da privatização a Eletrobras irá contratar. Ora, é óbvio que sim. Ela foi, deliberadamente, levada a inanição pelo seu presidente para torna-la ainda mais atraente para a cobiça dos compradores. No apagar das luzes, ele insinua nas entrelinhas que deixará a empresa porque considera remota a sua privatização. Puro caradurismo: ele deixa a empresa para ganhar uma nota preta na BR Distribuidora. Simples, assim.

Em suma, a empresa Geni é maltratada até pelos seus dirigentes.

A partir de 1995, houve uma reviravolta no mundo da energia brasileira mediante a sua privatização generalizada pelo governo liberal. A energia brasileira deixou de ser estatal e se tornou privada. Maravilha. Os investimentos iriam chover de toda a parte. Usinas novas seriam construídas, a manutenção cuidada como criança pequena, e por aí vai. Nada disso aconteceu. A iniciativa privada adora comprar usina pronta, mas não quer enfrentar os custos e os embaraços da construção de uma nova usina. Basta saber que do parque de 120 GW de usinas brasileiras hidrelétricas, apenas onze são da responsabilidade exclusiva do setor privado.

A Eletrobras não pode ficar em mãos privadas, cuja única prioridade é o lucro. O controle da geração e da transmissão é essencial para a distribuição equânime da riqueza no país. A Eletrobras é responsável pelo enriquecimento das outras atividades. Ela deve esquecer de si para propiciar fortuna para os demais segmentos. As distribuidoras, sim, podem ficar na mão da iniciativa privada. Corre a notícia de que alguns bilionários adquiriram ou irão adquirir o controle da Light. Maravilha. Serão ótimos gestores por causa da visibilidade da empresa. São todos setentões, talvez com poucas expectativas de aventuras espontâneas com algum sopro de lascividade, mas que pegarão carona no glamour da antiga empresa de Antonio Gallotti. Ser dono da Light é a glória. Melhor do que beijo na boca. Divirtam-se.

Entretanto, deixem em paz as geradoras nesse momento crucial de transição energética.

Os governantes sufocaram a Geni brasileira, o mercado impiedoso aproveitou e locupletou-se à farta durante anos. Como se disse, a partir de 1995 impuseram à empresa a compra de distribuidoras deficitárias, confiscaram os ativos de Itaipu, impediram que perpetrasse novos investimentos, a não ser como acionista minoritária em empreendimentos com a parceria privada. No ano de 2004, o governo de esquerda invalidou as prorrogações de concessão, sob nenhum pretexto. Finalmente, a presidente Dilma, sob a orientação da FIESP, assessoramento da PSR, e com os olhos nas eleições, deu o golpe de misericórdia na empresa baixando a MP 579, seguramente o maior desastre para as estatais de energia. Como consequência, a quebra financeira dos ativos, a quebra econômica das empresas. A Eletrobras, que tinha uma receita de quinze bilhões, passou a trabalhar com prejuízo anual de 500 milhões.

Nada obstante, tudo pode ser revertido, a empresa poderá reverter integralmente a sua capacidade de investimento, desde que a livrem dos grilhões e das cruéis amarras que a impedem até hoje de caminhar livremente.

Durante anos, a Eletrobras estendeu os seus longos braços protetores para o desenvolvimento e a proteção do Brasil. Em contrapartida, recebeu xingamentos, calúnias, desrespeito e exploração.

“Joga na pedra na Geni,

Ela é feita para apanhar,

Ela é boa de cuspir,

Ela dá pra qualquer um,

Maldita Eletrobras.”

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