Furnas e o setor elétrico brasileiro na dança da insensatez – Artigo

Ronaldo Bicalho (*)

Furnas sintetiza a história da intervenção do Estado brasileiro no setor elétrico. Tanto no passado quanto no presente. Essa intervenção nasceu do reconhecimento de que o setor privado não era capaz de garantir a expansão da oferta de energia elétrica necessária à industrialização brasileira. Sensato.

Desde 1957, quando a empresa foi criada, até hoje, esse diagnóstico permanece válido. Para isso, basta ver a importância dos investimentos do setor estatal, diretamente ou via SPEs, na manutenção da segurança do abastecimento elétrico do país na última década. Óbvio.

No entanto, diante da inapetência histórica do setor privado brasileiro em correr os riscos envolvidos na expansão pesada da atividade elétrica, agravados dramaticamente no mundo – pela interdição do uso dos combustíveis fósseis – e aqui – pelo esgotamento do modelo hídrico -, o Estado brasileiro, em um movimento completamente extemporâneo, decide deixar de atuar diretamente no setor. Inacreditável.

O abandono completo do papel estratégico do Estado na manutenção direta da segurança energética, associado a uma criminalização tosca da relação público-privado, deságua em uma privatização que não tem nenhum compromisso com o futuro dos serviços públicos privatizados. Nem mesmo, as preocupações dos liberais dos anos 1990s com as falhas de mercado estão presentes na atual onda liberalizante turbinada. O Estado é ruim e ponto final. Vulgar.

Nesse sentido, a saída de Furnas de seu local histórico (1), sintetiza esse momento de inflexão radical da trajetória da intervenção do Estado no setor elétrico brasileiro, no qual a dimensão estratégica desaparece completamente e a preocupação com segurança energética passa a ser responsabilidade exclusiva do mercado. Irresponsável.

Desobrigadas de desempenhar o seu papel seminal de garantidor de última instância da segurança do abastecimento elétrico, as empresas estatais, na antessala da privatização, se espraiam na doce irresponsabilidade do curto-prazismo do mercado. Enxugando custos indiscriminadamente e privilegiando a otimização dos recursos no curto prazo, os gestores dessas empresas saem bem na foto diante de um mercado embasbacado, enquanto destroem a capacidade dessas empresas atuarem de forma decisiva nos graves momentos que se avizinham. Esses brilhantes maestros da orquestra do Titanic cortam pernas para economizar sapatos. E o mercado aparvalhado urra de satisfação. Tosco.

Com a incerteza incontornável das transformações radicais batendo a porta do setor elétrico aqui e no mundo, turbinada pela interdição do uso dos combustíveis fósseis e pelo esgotamento do nosso modelo hidráulico, o Estado brasileiro surta e catatônico joga o setor elétrico do País em uma dança insana em que os agentes, abandonados à própria sorte, disputam uma luta do todos contra todos e onde ninguém é de ninguém, salpicada de falsas modernidades e clichês pedestres sobre a contemporaneidade. Bizarro.

E resolver o problema do risco hidrológico que é bom, neca. Só distribuição de micos. Previsível.

E o palhaço? Somos nós.

1) Ver artigo de Roberto D’Araújo sobre o tema aqui.

(*) Diretor do Instituto Ilumina e pesquisador do Instituto de Economia da UFRJ.

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