Passivos e provisões podem pesar na privatização da Eletrobras – Valor

Análise do ILUMINA: As desinformações e enfoques parciais são tantas, que só mesmo comentando a logo da reportagem. Em itálico negrito abaixo.


Por Rodrigo Polito — Do Rio 25/11/2019 05h01

O governo prevê arrecadar R$ 16,2 bilhões com a privatização da Eletrobras no próximo ano, conforme proposta orçamentária para o próximo ano. A cifra é baseada em um cenário de venda bem-sucedida da maior companhia elétrica da América Latina, responsável por um terço do parque gerador brasileiro e quase metade de todo o sistema da transmissão do país. Passivos e provisões podem pesar na privatização da Eletrobras. A empresa, porém, reúne um conjunto de antigos “esqueletos” que podem pesar na avaliação do preço da companhia pelo investidor, no processo de capitalização e privatização.

Chega a ser inacreditável que se anuncie a venda de uma empresa por R$ 16 bilhões quando ela lucra R$ 13 bilhões em um ano. É verdade que parte desse lucro se deve ao baixo nível de investimento, que, também repete o que foi feito no pré- racionamento de 2001, quando as empresas do grupo interromperam investimentos para serem vendidas. Deu no que deu.

Entre os passivos, provisões e incertezas incluídas nas notas explicativas do resultado do terceiro trimestre da Eletrobras, divulgado neste mês, o “esqueleto” mais conhecido – e, talvez, o mais problemático – é o empréstimo compulsório sobre o consumo de energia feito no passado. Com o objetivo de gerar recursos para a expansão do setor elétrico, a arrecadação compulsória durou de 1977 até 1993. A empresa efetuou o pagamento dos créditos do empréstimo, porém existe um contencioso jurídico “expressivo”, nas palavras da Eletrobras, sobre a atualização monetária desses créditos.

É verdade que a Eletrobras usou um empréstimo compulsório para a expansão da oferta de energia num período quando o país crescia a quase 7% ao ano. De 1973 até 1993 a capacidade instalada do país saltou de 21.000 MW para 56.000 MW. Além disso, é preciso lembrar que a tarifa praticada era menos da metade da atual e foi usada para controlar a inflação. Portanto, o cenário era de descapitalização da empresa e, se energia era necessária, a solução foi o empréstimo. Mesmo com ele, a tarifa final era muito menor!

A Eletrobras fez o pagamento de R$ 6 bilhões referente a esses processos, nos últimos cinco anos, e registra provisão da ordem de R$ 18 bilhões em seu balanço. Em 30 de setembro, a elétrica contabilizava 3.986 processos relativos ao tema provisionados. Há, segundo a elétrica, porém, a possibilidade de alteração de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em desfavor da companhia, o que pode gerar uma provisão adicional da ordem de R$ 11 bilhões.

Os passivos estão todos baseados em diferenças contábeis relativos à correção monetária em um período onde a inflação ultrapassava 40% ao mês e qualquer erro gera um valor com grande dúvida. Nesse período também há diferenças de valoração dos ativos da empresa, mas sob uma política de destruição de valor da estatal, não se poderia esperar que o presidente lembrasse desse pequeno detalhe.

O caso ultrapassou as fronteiras do país e, em outubro, foi protocolada na Justiça dos Estados Unidos petição inicial pelo Eagle Equity Funds, LLC contra a Eletrobras por suposta omissão de passivos relacionados ao empréstimo compulsório. A estatal, porém, diz em nota explicativa que entende que as divulgações anteriores sobre o assunto “foram e permanecem precisas, diante das informações disponíveis em cada data de publicação”.

A Eletrobras acrescentou que as provisões que fez sobre suas demonstrações financeira relativas a essa questão são “razoáveis e apropriadas à luz das contingências futuras enfrentadas pela companhia”. Ela, contudo, lembra que “não há garantias quanto ao curso de processos judiciais em andamento e futuros e futuras decisões judiciais no Brasil ou no exterior”.

Outro impasse diz respeito à incerteza sobre a realização de créditos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) que estavam registrados no ativo das distribuidoras do grupo e foram repassados à holding no processo de privatização dessas empresas. A CCC é um encargo do setor elétrico cujos recursos são utilizados para a compra de combustível para operação de térmicas no Norte e Nordeste.

Segundo a Eletrobras, os créditos reconhecidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ainda são preliminares. Em tese, a estatal tem valores a receber. Existe, porém, uma parcela de “ineficiência”, cujo pagamento não é garantido. Sobre isso, a empresa totaliza uma provisão de R$ 1,7 bilhão.

Outra conta complicada e que deixa um passivo com a Eletrobras. Estão conectadas às contas das empresas distribuidoras recém privatizadas. Como é praxe nesse país, as vendas de ativos públicos são feitas depois de transferir os problemas para a estatal. Como esperado, detalhe omitido. Além disso, é muito estranho R$ 1,7 bilhão associado à “ineficiência” num modelo “ineficiente”.

Outra conta complicada no balanço é o valor de R$ 2,6 bilhões que a empresa tem a devolver ao fundo da Reserva Global de Reversão (RGR). A cifra é relativa a financiamentos devidos pela holding e suas controladas. Em entrevista coletiva sobre o resultado do terceiro trimestre, neste mês, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, afirmou que “o tema do empréstimo compulsório, sim, é um passivo da Eletrobras que vai continuar na Eletrobras privada. [Sobre] a RGR, existem condições que estão lá [no projeto de lei de privatização] especificadas, mas também ficam com a Eletrobras privada”.

O caso do uso da RGR (no governo FHC), um fundo específico para possíveis indenizações de ativos no caso de término de concessões, é talvez um dos maiores absurdos do setor elétrico brasileiro, pois foi um “jeitinho” para obrigar a Eletrobras a adquirir cinco distribuidoras e disfarçar as falhas do processo de privatização da década de 90, quando, mais uma vez, obriga-se instituições estatais a suportar os prejuízos. Reparem que o prejuízo fica com a Eletrobras e as empresas vendidas ficam livres e ainda recebem aumentos tarifários significativos.

Além dos passivos descritos no balanço, existem riscos envolvidos na tramitação do projeto de lei 5.877/2019 – sobre a desestatização da Eletrobras – no Congresso. O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), por exemplo, afirmou neste mês que pretende apresentar uma emenda ao texto propondo a inclusão de uma “golden share” para o governo.

O mecanismo é um tipo de ação especial que dá poder de veto ao governo em decisões sobre temas específicos. A inclusão da golden share, porém, não é bem recebida pelo mercado, que pode reduzir a precificação da Eletrobras.

Como o ILUMINA já mostrou, entre os países líderes em geração hidroelétrica, nenhum deles têm o setor entregue ao setor privado. O Brasil será o primeiro a fazê-lo. O que se percebe é que, dada a falta de confiança dos investidores num modelo mercantil repleto de indefinições, o “mercado” rejeita inclusive qualquer proteção de interesse público que possa ser inserido através da Golden Share.

No campo positivo, a Eletrobras também possui fatores que podem favorecer sua valorização na privatização. Entre eles, está a melhoria da gestão nos últimos anos, distribuidoras do grupo, responsáveis por prejuízos anuais acima de R$ 1 bilhão, além da redução do nível de endividamento. Para se ter uma ideia, a alavancagem da empresa, medida pela relação dívida líquida/Ebitda, passou de 6,1 vezes, em dezembro de 2016, para 2,3 vezes, em setembro deste ano.

No âmbito jurídico, também conta positivamente para a Eletrobras recente decisão da Justiça Federal do Distrito Federal. Foram indeferidos todos os pedidos impetrados por entidades setoriais da indústria de não pagamento de indenizações às transmissoras por investimentos feitos e não amortizados em ativos antigos de transmissão. Com essa decisão, a estatal registrou, no resultado do terceiro trimestre, montante de cerca de R$ 5,9 bilhões a receber a título de indenizações.

Este tipo de judicialização, que só traz lucro aos escritórios de advocacia, foi criada pela MP 579, a desastrosa tentativa de reduzir tarifas sem diagnóstico. O país tem um sistema de transmissão de mais de 140.000 km e cuja metade se refere a linhas da Eletrobras e que exerce uma função singular no sistema de conectividade elétrica do país. Hoje, em função da concentração de redução de receita na Eletrobras, a despesa relativa às linhas não ultrapassa 8% de uma conta de luz residencial. Mesmo assim, entidades setoriais não querem pagar esses investimentos.

No entendimento do J.P. Morgan, a decisão judicial eleva a chance de um desfecho positivo para o impasse criado ainda na Medida Provisória 579/2012 – da renovação das concessões. O banco, porém, ressalta que há incerteza com relação à necessidade de recálculo desses valores pela Aneel e, nesse caso, quanto ao tempo que a agência levará para fazer isso.

Por último, outro fator que pode contribuir positivamente para a Eletrobras é o aumento de capital por subscrição privada, no valor de até R$ 10 bilhões, com o objetivo de integralizar o montante de R$ 4 bilhões da União, feito por meio de Adiantamentos para Futuro Aumento de Capital (Afacs), realizados em 2016 e corrigidos pela Selic. Segundo o presidente da Eletrobras, essa operação ajuda a “limpar” o balanço, tornando-o mais adequado para o plano de privatização da companhia.

Por fim, como era de se esperar, nenhuma menção ao valor esperado de venda da energia das usinas que seriam “descotizadas” da MP 579. O Ilumina lembra que os valores imaginados para a privatização oscilavam entre R$ 200 e R$ 250/MWh. Uma hipótese de descotização sem privatização e que resultasse num preço de R$ 160/MWh seria suficiente para resolver o desequilíbrio financeiro da estatal recuperando sua capacidade de investimento. Mais uma informação negada aos consumidores.

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