COPOM e Setor Elétrico

O que é que o ILUMINA tem a ver com taxa de juros? Além do indiscutível “freio de mão puxado” que desanima qualquer investimento, elétricos inclusive, existe algo mais por trás dessa discussão? Muita coisa!



Afinal, qual é a razão explicita que faz o COPOM aumentar a taxa de juros? A inflação. E que setores, todos os meses, têm estado na ponta da subida de preços? Os setores de serviço público privatizados, entre esses, o de energia elétrica. Todo mês há uma distribuidora recebendo reajuste acima da inflação. Se isso ocorre, é que esses setores ganham espaço sobre outros. São setores “especiais” que receberam do governo anterior a benesse de ter preços indexados, praticamente ao dólar, numa economia desindexada. O que esse governo fez para desarmar essa armadilha? Nada.



Vejam que beco sem saída. Sob a égide de que os contratos não podem ser quebrados, o governo Lula faz com que os contratos não sejam sequer renegociados, o que é comum entre setores privados. A partir dessa filosofia manteve-se o IGPM como indexador do setor elétrico e de outros, sempre recém privatizados. Este índice já acumula um avanço de 40% sobre qualquer outro índice de medida da inflação. Passo seguinte é a inflação não cumprir a meta. Logo a seguir aumenta-se a taxa de juros. O setor público (leia-se os cidadãos) passa a dever mais. Seguindo no circulo vicioso, aumenta-se a necessidade de superávit primário.



Ora, se isso não é transferência subliminar de recursos públicos para o setor privado, o que é então?





Ampliação do Conselho Monetário Nacional (Folha de SP 16/09/04)

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.



Escrevo este artigo na tarde de quarta-feira, sem saber, portanto, se o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) subirá ou não a taxa de juro. Não importa. A alta dos juros básicos pode não começar nesta reunião, mas tudo indica que haverá aumentos nos próximos meses. Alguns esperam que a taxa básica possa chegar a 17% ou 18% no final do ano.


Um absurdo. Não se deve esquecer que o Brasil já pratica taxas de juro estratosféricas, que estão sempre entre as mais altas do mundo. Os “spreads” bancários (a diferença entre as taxas de empréstimo e de captação dos bancos) também estão entre os mais altos do mundo.


Por que a insistência nessa política? A razão ostensiva é a necessidade de cumprir as ambiciosas metas de inflação fixadas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Essa é parte da explicação, sem dúvida. Se o CMN é muito ambicioso, a margem de manobra do BC (Banco Central) na condução da política monetária estreita-se consideravelmente, em especial quando ocorrem choques de oferta ou pressões de custo. É o que vem ocorrendo, de uma maneira geral, desde a introdução do regime de metas para a inflação, em 1999. Na ânsia de cumprir as metas, o BC acaba praticando juros extravagantes ou permitindo uma apreciação cambial perigosa.


Mas não é só isso. Por trás da discussão técnica sobre inflação, há o jogo dos lobbies e interesses. No Brasil, temos sofrido há muito tempo os efeitos da hegemonia do que se poderia chamar de “partido dos juros altos”. Quem são os integrantes desse partido? Fundamentalmente, os credores (diretos e indiretos) da dívida pública, que se beneficiam das extraordinárias taxas de juro pagas sobre papéis altamente líquidos. Ou seja: são as instituições financeiras carregadas de títulos públicos, as empresas não-financeiras com excedentes de caixa e as pessoas físicas de elevada riqueza que detêm fundos de investimento ou aplicações assemelhadas. Os rentistas, em suma -aqueles que vivem de rendimentos financeiros, e não da atividade produtiva, do investimento, do trabalho e da criação.


No último capítulo da “Teoria Geral”, Keynes falou na “eutanásia do rentista”, que resultaria da prática de taxas de juro reduzidas para estimular o investimento produtivo. No Brasil, o que temos, infelizmente, é a apoteose do rentista. Não por acaso estamos praticamente estagnados há quase 25 anos.


O que fazer? Permita-me, leitor, reprisar uma das minhas “teses” preferidas. Parece-me que o essencial é quebrar o jugo do “partido dos juros altos” sobre as instituições monetárias brasileiras, especialmente o BC e o CMN. Hoje, vou tratar principalmente do segundo.


Do jeito que está, o CMN é prisioneiro da visão rentista-financista. Desde 1994, conta com apenas três membros: o ministro da Fazenda (que o preside), o ministro do Planejamento e o presidente do BC. A Fazenda e o BC costumam atuar em sintonia. Eventuais divergências do Planejamento acabam não tendo muita importância prática. A secretaria do CMN é exercida pelo BC. Detentor da maior parte das informações e instrumentos relevantes, o BC tem influência decisiva sobre o CMN.


Ora, sabemos que o BC mantém relação simbiótica com as instituições financeiras privadas. Isso porque grande parte, provavelmente a maior parte, das pessoas que passam pela diretoria do banco tem nessas instituições (ou em atividades de consultoria a elas ligadas) a sua origem e/ou destino.


A solução é ampliar o CMN para torná-lo mais sensível aos interesses e problemas da produção, do investimento e do trabalho. Conviria incorporar alguns outros ministros de Estado (do Desenvolvimento, da Agricultura e do Trabalho, por exemplo) e presidentes de instituições financeiras federais (Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal, por exemplo). Caberia, também, incluir nomes representativos dos empresários e trabalhadores de diferentes setores da economia. O governo manteria a maioria no CMN, que continuaria a ser presidido pelo ministro da Fazenda.


Bem sei que já fiz essa sugestão várias vezes nesta coluna (para mais argumentos em sua defesa, ver “Reforma das instituições monetárias”, 5/8/04, “Demissão no Banco Central”, 29/7/04, e “Uma reforma do regime de metas de inflação”, 18/3/ 04). Mas o que seria do colunista semanal se não tivesse direito a umas reprises de vez em quando? Além disso, como dizia Nelson Rodrigues, o que é escrito só uma vez permanece rigorosamente inédito.


Hoje, tinha uma desculpa especial para voltar ao assunto. Noticiou-se que o presidente da República vem defendendo em conversas reservadas a ampliação do CMN, com a inclusão de representantes dos empresários e dos trabalhadores. O ministro do Planejamento confirmou, em entrevista à imprensa, que o presidente está com essa idéia, mas ressalvou que ela ainda precisa ser estudada e amadurecida.


Isso deveria ser feito com certa rapidez. Como lembrou o próprio presidente da República, em discurso de improviso no encerramento do Seminário Brasil-Venezuela, em Manaus, nesta semana: “Muitas vezes, nos nossos países, temos uma atividade econômica que quer determinar a política do Estado”.


Não sei se o presidente estava pensando no sistema financeiro quando fez essa observação. Mas é exatamente por isso que a reforma do CMN se faz tão importante.



Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro “A Economia como Ela É…” (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

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