É preciso privatizar a Eletrobras? SIM ou NÃO – Folha de SP

Análise do ILUMINA: A Folha tenta fazer um debate virtual através de dois artigos. Evidentemente, só funciona em parte porque se perde a oportunidade de contestar o que está sendo dito pelo “oponente”. Debate verdadeiro é algo que não acontece no Brasil.

O ILUMINA concorda com o Dr. Joaquim. A Eletrobras não deve ser privatizada, mas nos permitimos a fazer alguns comentários sobre trechos marcados em vermelho:

Sobre o que diz o defensor do SIM:

Na MP 579….empresas geradoras foram obrigadas a aceitar redução nas tarifas, na época da ordem de R$ 100 o megawatt/hora para R$ 30 o megawatt/hora, cobrindo apenas os custos de operação e manutenção.

Na realidade, o valor mencionado é a RAG, que cobre custos de transmissão e outros que não são específicos da usina. Na Nota Técnica no 385/2012-SER/SRG/ANEEL a tarifa média das usinas da Eletrobras era R$ 7,67/MWh, um valor bem menor e que deixa “oclusa” a intenção de concentrar na Eletrobras um “remendo” para a explosão tarifária que tomou conta do setor desde 1995 sem “incomodar” o setor privado, que apresentava lucros astronômicos entre os comercializadores no mercado livre. Esse “detalhe” é simplesmente omitido para se defender o SIM.

“…sobrou para o consumidor o custo do chamado risco hidrológico”

Na realidade, o risco hidrológico é um dos graves defeitos do modelo que fixou um valor subjetivo e contestável para todas as usinas de modo a mimetizar um sistema térmico. O texto do Sr. Fernando induz a uma culpabilidade da Eletrobras, o que é absolutamente falso. Isso significa que a estatal está prestes a ser privatizada sob um modelo causador de crises e que está completamente indefinido.

Mas, vamos deixar os articulistas se expressarem.


É preciso privatizar a Eletrobras? SIM

Fernando Coelho Filho

O projeto de lei que trata da desestatização da Eletrobras foi enviado à Câmara dos Deputados em 22 de janeiro e começa a ser debatido pelos deputados. O texto do Executivo abre uma nova perspectiva para a holding, que responde por um terço da geração de energia elétrica no país e quase metade das linhas de transmissão.

A proposta é recuperar a capacidade de investimento da Eletrobras e criar uma grande corporação do setor elétrico, capaz de contribuir com os desafios associados às novas tecnologias e operar em igualdade de condições com as maiores empresas de energia do mundo.

É preciso ter soluções inovadoras, respeitando o meio ambiente e com responsabilidade social. Ao mesmo tempo em que lança esse desafio, a proposta enfrenta, de maneira firme, alguns erros do passado.

Nos últimos anos, várias decisões governamentais conspiraram contra a solidez do setor elétrico. Uma delas, a mais relevante, foi a MP 579, de 2012 (que deu origem à lei 12.783, de 2013). Para renovar antecipadamente concessões que venceriam no período de 2013 a 2015, empresas geradoras foram obrigadas a aceitar redução nas tarifas, na época da ordem de R$ 100 o megawatt/hora para R$ 30 o megawatt/hora, cobrindo apenas os custos de operação e manutenção.

A justificativa era que o investimento nessas usinas já estaria amortizado e seria possível, com essa medida, beneficiar o consumidor. O valor da conta de luz caiu, de fato, 20% no primeiro momento.

A almejada queda, no entanto, durou pouco. Isso porque, em contrapartida a uma tarifa tão baixa, sobrou para o consumidor o custo do chamado risco hidrológico. Isto é, aquele associado à energia produzida por usinas térmicas, acionadas quando há estiagem prolongada. Essa energia é muito mais cara do que a gerada pelas hidrelétricas.

Porém, já em 2013, o consumidor deveria pagar pelo risco hidrológico mais do que a tarifa vigente antes da MP 579, cerca de 100 R$/MWh. Em 2014, no pior mês, o consumidor deveria ser onerado em cerca de R$ 130/MWh. Para manter artificialmente baixas as tarifas, o governo contratou, junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e um pool de 13 bancos, um empréstimo de R$ 22 bilhões, que todos os consumidores pagarão até 2020.

Nesse período, o governo injetou no setor elétrico, por causa do risco hidrológico, mais R$ 4 bilhões, que poderiam ter sido investidos em educação, saúde e segurança.

A medida resultou em perdas a empresas que aderiram à MP. No caso de Furnas e Chesf, subsidiárias da Eletrobras, as perdas foram de R$ 10 bilhões, só no primeiro ano, ou 30% da receita perdida.

O processo de desestatização da Eletrobras prevê que novos contratos de concessão sejam assinados com a União, eliminando os erros da MP 579 e liberando as usinas para operarem no regime de produção independente, com tarifas mais competitivas.

O consumidor também será beneficiado, porque deixará de arcar com o risco hidrológico, que deve voltar a ser administrado pelos geradores. Terá ainda menos encargos na conta de luz, já que um terço dos recursos da desestatização será usado para abater a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que compõe a tarifa.

O projeto de lei, portanto, procura corrigir distorções que oneraram o consumidor nos últimos anos, ao mesmo tempo em que estabelece bases para o futuro do setor e devolve à Eletrobras seu protagonismo e a capacidade de contribuir para a expansão do setor elétrico por meio da criação de uma corporação efetivamente brasileira, unindo competitividade, valorização da empresa e desoneração dos contribuintes.

Fernando Coelho Filho

Deputado Federal (DEM – PE) e ex-Ministro de Minas e Energia no governo Temer.


A privatização da Eletrobras é positiva para o país? – NÃO

Joaquim Francisco de Carvalho

O programa de privatizações do sistema elétrico em larga escala começou no governo FHC e, hoje, o sistema é majoritariamente privado.

Só no segmento de geração de energia, cerca de 60% dos ativos estão privatizados. Parte das linhas de transmissão e as principais distribuidoras também foram privatizadas.

O resultado dessa quase completa privatização foi o oposto do prometido. O setor privado pouco investiu para expandir o sistema, obrigando o governo a fazê-lo. E, em vez de mais baratas, as tarifas para o setor residencial subiram mais de 55% e as do setor industrial aumentaram cerca de 130% acima da inflação, provocando a falência de inúmeros estabelecimentos industriais e desempregando centenas de engenheiros e milhares de operários qualificados.

Sobrou a Eletrobras, que agora o governo federal quer privatizar.

Tendo-se desvencilhado das onerosas distribuidoras do Norte e Nordeste, a Eletrobras tornou-se muito rentável, apresentando um lucro líquido de R$ 13,3 bilhões já no exercício de 2018 —resultado que ainda pode melhorar, desde que a Eletrobras e suas subsidiárias (Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu) afastem-se das sempre corruptoras influências “políticas”, sejam submetidas a diretores competentes e honestos e passem por uma séria reforma administrativa.

Lembro aqui a diferença que existe entre o espaço privado e o público. O espaço privado é ocupado por empresas industriais, financeiras, comerciais e outras, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros. No espaço público ficam atividades não lucrativas, como a diplomacia, a segurança nacional, o ensino e a pesquisa científica, a saúde pública etc., além de certas “utilities”, vitais para as demais atividades, em especial as atividades privadas.

Ocorre que a energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a indústria, as comunicações, o comércio, os serviços, ou seja, praticamente tudo. Assim, as tarifas elétricas não devem ser formadas no espaço privado, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores.

Mais de 65% da eletricidade consumida no Brasil vêm de usinas hidrelétricas — e a geração de energia é apenas um dos usos dos reservatórios, ao lado de outros, também importantes, como o abastecimento de água, a irrigação etc. O controle dos grandes reservatórios hidrelétricos é estratégico. Por essa razão, até nos EUA são públicos. Apenas algumas hidrelétricas menores são privadas, mas a soma das capacidades destas é muito menor do que a das hidrelétricas estatais.

Devido ao falhanço das privatizações feitas com o objetivo (inatingível) de converter em mercadoria um monopólio natural como a energia elétrica, a Eletrobras vinha sofrendo grandes prejuízos por ter sido obrigada a arcar com os resultados negativos do modelo — prejuízos esses que alimentaram lucros astronômicos para intermediários não produtivos.

As hidrelétricas ainda pertencentes ao grupo Eletrobras têm idades em torno de 30 anos; portanto, praticamente todo o capital investido está amortizado. Assim, a energia gerada custa atualmente cerca de R$ 40/MWh.

O grupo Eletrobras responde por uma oferta da ordem de 170 milhões de MWh por ano. Essa energia poderia ser repassada diretamente às distribuidoras por uma tarifa de R$ 160/MWh. Portanto, o grupo Eletrobras pode lucrar R$ 20,4 bilhões por ano, ficando autofinanciável e ainda gerando recursos para o Tesouro Nacional.

Joaquim Francisco de Carvalho

Mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP, foi engenheiro da Cesp, diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e pesquisador associado ao IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente)

 

 

 

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